Nos últimos meses, tornei-me nómada. A vida encarcerada num T1, numa Lisboa ainda muito confinada, estava a gerar um processo de metamorfose tramado: estava a transformar-me num gato muitíssimo infeliz, não fosse a janela o meu novo poiso preferido. Era o local onde passava a maior parte do meu tempo a lamentar os surreais acontecimentos deste 2020. Sentia saudades da minha vida anterior, vislumbrava com tristeza o mundo em que a costureira, o cabeleireiro, o café, a joalharia e a loja de lingerie "A Silhueta" estavam fechados. Refletia sobre como agora não nos conseguimos reconhecer de máscara, notava que os únicos ajuntamentos  eram aqueles que se formavam à porta do supermercado, que fica dois andares abaixo do meu. Era demasiado duro, precisava de alternativas. Vai daí, com o teletrabalho, decidi que se queria manter a minha sanidade mental, teria de mudar de ambiente, de transferir a minha vida para sítios onde esta nova realidade não estivesse sempre a esfregar-se na minha cara. Precisava de passarinhos a cantar, do cheiro dos pinheiros, da possibilidade de pôr um pé na rua ao acordar, ainda de pijama e de caneca de café na mão. Precisava dos raios de sol e da brisa gelada da manhã. A cidade desconfinou-se, mas esta minha vontade de estar longe dos prédios manteve-se, até porque já se sabe como é que a coisa anda em Lisboa e Vale do Tejo.

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A vida no campo sempre foi muito diferente da da cidade. Mas em tempos pandémicos a assimetria torna-se ainda mais evidente. Sentimo-nos mais seguros, porque as árvores não espirram e porque as ervas não sofreram o toque de centenas de pessoas. Sentimo-nos mais sãos, porque, na falta de estruturas humanóides, a vida corre com a mesma calma e serenidade que nos tempos anteriores a março de 2020. Mas, mesmo na natureza, e se estivermos num empreendimento de turismo? Como é que estes locais reabriram para este odiável mundo novo? O que é que muda numa estadia que se quer longe dos sítios normais do quotidiano, que se quer longe da sujidade da cidade, num verão que está aí prestes a, oficiamente, irromper?

Foi isso que a MAGG foi perceber. Passámos duas noites no Villa Nova Natutic & Nature Hostel, a unidade a 20 minutos de Tomar que se ergue à beira das águas azuis da vastíssima Albufeira da Barragem de Castelo de Bode (estende-se ao longo de 60 quilómetros, sendo uma das maiores de Portugal) e que nos deixa contemplar as margens verdes, poderosas e, em simultâneo, singelas que a cerceiam, seja da varanda do quarto, seja de molho na piscina. Foi uma das muitas que recebeu o selo Clean & Safe do Turismo de Portugal, cuja atribuição depende da certificação que é dada após uma formação sobre a aplicação do novo protocolo que estabelece as novas medidas que pretendem diminuir ao máximo os perigos de contágio e contaminação da COVID-19 em empreendimentos turísticos, alojamentos locais e atividades náuticas.

Estas regras existem em duas dimensões: na de quem visita e na de quem trabalha. E estão em vários acções que antes não careciam de qualquer tipo de reflexão antes de serem levadas a cabo, desde o pequeno-almoço, à forma como se frequenta a piscina, os acessórios dos espaços comuns ou as limpezas dos quartos.

Vejamos com mais detalhe.

paisagem

Pequeno-almoço servido na mesa, piscinas com lugares marcados

"Meninos, não se esqueçam da máscara", dizia-nos Ana Miranda, uma das funcionárias do hostel. Estávamos já no nosso segundo dia aqui instalados, conhecíamos as regras, mas esquecemo-nos de aplicar esta importante medida de prevenção, no pequeno caminho que separa a piscina do quarto.

Nunca chegámos a conhecer bem a cara de Ana Miranda e só lhe detetamos o sorriso nos olhos claros. Ela sente o mesmo. "É muito diferente. O facto de termos de estar de máscara, não vermos a cara dos clientes e de eles não verem a nossa, perde-se um pouco aquela afinidade. Nós somos uma unidade familiar."

A colaboradora Patrícia Domingos foi quem nos recebeu à chegada. Enquanto nos ia fazendo a tour pelo Vila Nova Nautic & Nature Hostel, ia-nos dando conta de novas medidas adotadas, além da utilização da máscara nos corredores. Há, por exemplo, menos mesas na zona de pequeno-almoço, seja na esplanada, seja no interior. Por isso, logo de início, perguntaram-nos a que horas pretendíamos tomar a primeira refeição da manhã. "10 horas", atirámos. A questão surge como forma de garantir que há lugar para todos nesta sala que agora tem uma capacidade inferior face aos tempos pré-covid.

hostel

No dia seguinte, acordámos e ficámos uns segundos parados na varanda do quarto, como que a dar os bons dias à incrível paisagem que nos deixa ver a piscina por cima da enorme albufeira. De máscara posta, seguimos para a zona do pequeno-almoço e é-nos atribuída a tal mesa. Os buffets acabaram, porque não convém que andemos todos a tocar nos mesmos objetos para nos servirmos. Mas não se apoquentem, porque este momento continua a ser de grande descontração, pelo menos, para quem o consome. Sentimo-nos personagens de uma família abastada de uma novela da Globo: as várias componentes do pequeno-almoço são servidas individualmente e compõem uma mesa cheia de opções. O pão chega-nos num saquinho, assim como as manteigas, doce e mel. Num outro prato temos as frutas, desde morango, a kiwis ou ananás. Num mais comprido, as doçarias e os croissants, e noutro, os queijos e fiambre. A isto tudo, junta-se um jarro de sumo de laranja individual e café que é servido na hora. Se quisermos, também há queijo fresco, iogurte, cereais e sementes. Dispensamos, está bom assim. Na cozinha, Ana Miranda está de luvas e de máscara, dois elementos obrigatórios na preparação dos pequenos-almoços neste novo normal do ramo hoteleiro.

Seguimos para a piscina. Como nos foi explicado logo à chegada, os lugares (agora mais reduzidos) estão a um metro e meio de distância, no caso em que as pessoas não estão juntas. As espreguiçadeiras, puffs e almofadas são atribuídas à priori aos hóspedes, sendo que agora é proibido movê-las do lugar, de modo a cumprir com as normas de distanciamento social e, novamente, evitar o contacto de várias pessoas nas superfícies. A lotação máxima dentro da piscina é de dez pessoas, mas não estivemos sequer lá perto, não fosse este o primeiro fim de semana de reabertura do espaço, depois de duros meses no inativo. O dia passou-se relaxadamente aqui, entre mergulhos, banhos de sol e a tal paisagem que nos remete para um pano de fundo muito bucólico.

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Tínhamos connosco livros e revistas, que era tudo o que precisávamos para nos entregarmos a um prazer do ócio mais produtivo. A dada altura, aperta-nos a fome. A divisão que dá acesso à piscina é uma sala comum, com televisão e grandes sofás, agora sem almofadas e desinfetados a toda a hora. Também é aqui que está um pequeno bar onde, antes, os clientes se serviam à vontade, apontando numa folha o consumo que tinha sido feito, para pagar no final. Também este modus operandi mudou: agora têm de ser Ana ou Patrícia a servir-nos, de modo a evitar que andemos todos a pôr as mãos em cada botão da máquina de café e afins. Consultámos a lista de snacks (esses preparados sempre pelo staff), pedimos uma sanduíchepara comer à beira da água. Os jantares serviram para ir passear para Tomar, o sítio mais próximo para se fazer uma refeição, dado que nas aldeias que separam o hostel desta cidade ainda reina o take away.

quarto

De regresso ao quarto, reparamos que ele está exatamente como o tínhamos deixado. "Pois, agora não deve haver limpezas", calculámos. Calculámos bem: uma das regras do protocolo implica que cada alojamento seja limpo apenas no final da estadia. Antes, só entram nele os hóspedes, que, caso precisem de alguma coisa (mudar o lixo, uma nova toalha de banho), devem requere-lo diretamente aos funcionários.

Nos bastidores da limpeza e arrumação dos quartos muita coisa mudou. Os lençóis já não se tiram de qualquer maneira: têm de ser retirados com uma nova técnica, que pressupõe que sejam enrolados cuidadosamente para o centro, de modo a diminuir ao máximo a criação de aerossóis, microescópicas partículas suspensas no ar que podem carregar o vírus.  O aspirador utilizado também mudou por este motivo. "Agora é de água", diz-nos Ana Miranda, momentos antes de nos mostrar o seu novo equipamento de protecção para a desinfecção dos espaços, que inclui óculos, touca, luvas e fato.

Antes de se dar início à limpeza, é preciso que o quarto fique a arejar durante duas horas — o processo é, assim, mais demorado e, por isso, entre um check out e um check in vão agora algumas horas de intervalo. 

ana

Os dispensadores de álcool gel estão em todas as zonas comuns e de passagem, que estão constantemente a ser limpas, garante-nos Ana Miranda, que todos os dias mede a febre quando entra ao serviço. Não assistimos a nenhuma destas etapas. "Fazemos sempre nas horas em que há menos movimento: as pessoas ou sairam para passear ou estão na piscina." A casa de banho junto da piscina foi reaberta e é limpa seis vezes ao dia. Também os kaikes e jangadas que os clientes podem alugar têm de ser desinfetadas antes e depois da utilização.

Mais coisas mudaram nesta unidade. As duas camaratas, uma com espaço para 12 e outra para 14 hóspedes, estão encerradas, sendo que numa delas funciona agora a sala de isolamento que está a postos para o caso de acontecer o pior. O frigorífico e o microondas comuns também não estão a funcionar. O Vila Nova Nautic tem agora apenas disponíveis os 11 quartos (que se dividem em tipologias duplo standard, twin, duplo delux, duplo prime ou suplo superior) a funcionar —  passando este empreendimento a parecer-se ainda mais com um hotel do que com um hostel. Sim, não se deixem ir pelo imaginário das cozinhas cheias de juventude, das camas despidas de qualquer elemento decorativo ou das casas de banho partilhadas até para quem reservou um quarto só para si.  Com ou sem pandemia, não é isso que vão encontrar aqui. Isto é couple friendly, family friendly, baby friendly. 

Mas, como em todos os setores, nesta fase as coisas mudaram. As equipas ajustam-se a todos os novos mecanismos, assim como os hóspedes. Sim, o novo normal é novo para todos. As máscaras são as novas chaves de casa, o gel desinfetante é a nova obrigação de todos os estabelecimentos. Seja na piscina, seja ao pequeno-almoço, tudo é mais individualizado e cauteloso. As acções de prevenção acontecem com os clientes e nos bastidores das suas estadias. São eles que nos protegem da doença, são eles que nos deixam afastar o receio da iminência constante do vírus, sentimento mais comum deste 2020 de pandemia. Só assim conseguimos ouvir o barulho dos passarinhos.

mascaras

No final, tivemos direito a máscaras. O novo miminho deste 2020 é verdadeiramente útil.