“Um dos desafios que temos sempre não é se conseguimos encaixar o espetáculo nas dimensões da sala, mas sim se conseguimos encaixar as roupas dentro do camarim”. A frase é de Garry McQuinn, produtor do espetáculo “Fashion Freak Show”, que levanta o véu sobre a grandeza do evento que chega a Portugal já este mês de novembro. Aqui, algo é claramente perceptível: as criações de Jean-Paul Gaultier são as principais protagonistas deste espetáculo.
Com direito a demonstração de todas as peças da sua carreira (que são entre 400 e 500), vários tipos de dança, música, teatro, e muita sensualidade, “Fashion Freak Show” conta a história de vida de Jean-Paul Gaultier, desde a sua infância até à última criação.
No entanto, não é um espetáculo como todos os outros. Aqui descobre-se quem é realmente o estilista francês, quais as suas inspirações e de que forma é que se tornou num dos maiores e mais conhecidos designers de moda do mundo. Jean-Paul Gaultier começou a navegar neste mundo com apenas 18 anos e, agora com 71, apesar de já reformado no que toca a criar, continua a ser uma das caras principais no que diz respeito à moda de alta-costura.
Começou como assistente na casa Pierre Cardin, criou a sua própria marca em 1976, uma coleção feminina que se baseava mais na punk culture do que na moda francesa, e três anos depois lançou a sua primeira coleção temática: James Bond. No entanto, só passados 20 anos é que chamou a atenção de todos com a sua primeira coleção de alta costura.
Aprendeu tudo sobre a moda feminina com a avó, que também foi a inspiração para a sua coleção de perfumes, lançada em 1993. Ficou conhecido como “l'enfant terrible” (a criança terrível) da moda francesa por fugir daquilo que era tradicional e optar por criar uma moda mais diversificada, que desafiasse o convencional e redefinisse as tendências tradicionais.
Na verdade, não o fazia só nas suas criações como também nas modelos que as vestiam: escolhia a dedo quem seria a pessoa a desfilar, não por querer saber se tinha as dimensões certas mas sim porque queria representar a beleza de todas as maneiras. E, para isso, era preciso ter todo o tipo de beleza em cima de uma passerelle. Também por isso é que o nome do espetáculo tem a palavra “freak” (“anormal” em português). Para Jean-Paul Gaultier o significado da palavra é sinónimos de diversidade na beleza de cada um. Agora, depois de 50 anos de carreira cheios de desafios e inovações, o estilista francês dedica-se totalmente ao grande espetáculo da vida dele, continuando com a extravagância e diversidade que já todos conhecem.
“Vamos apresentar a minha vida, uma criação que sempre quis fazer”, começou por dizer Jean-Paul na conferência de imprensa sobre o espetáculo na segunda-feira, 6 de novembro. “Apesar de ser estilista profissional, sempre adorei o espetáculo. Não foi fácil porque eu não sou nada criativo no que toca a storytelling, e por isso não ia correr muito bem ser eu a fazê-lo, mas é um espetáculo sobre a minha vida, sobre a dança, o movimento. E a moda é também ela isso mesmo”, acrescentou.
O “Fashion Freak Show” é um desfile das suas preciosidades da alta costura, com peças icónicas e inéditas como, por exemplo, o sutiã de cone que desenhou para Madonna para a digressão “Blond Ambition”, em 1990, que pode, ou não, ser utilizado pela mesma no espetáculo em Portugal. A cantora está no País para dois concertos, mas o estilista não confirma se Madonna estará presente no palco ou na plateia. “É uma reflexão da minha educação, boa ou má. A minha influência foi a diversidade”, disse o estilista.
“O que descobrimos é uma mistura de diversidade e de diferentes maneiras de contar uma história, e acho que acabou por ficar magnífico. Um dos grandes desafios é rotular o espetáculo, porque não é música, não é dança, não é teatro, é tudo misturado”, acrescentou Garry McQuinn, também presente na conferência.
Jean-Paul Gaultier acredita que tem essa facilidade em misturar vários tipos de arte devido ao facto de nunca ter frequentado uma escola de moda. “Não vejo fronteiras, não divido a arte, adoro misturar coisas e pessoas”, esclarece. Isso ficou bem visível durante toda a sua carreira, onde apresentou vários modelos que celebravam a androginia e que misturavam estilos de rua com alta costura.
Também essas criações farão parte das mais de 400 peças que integram o espetáculo. “Escolhemos as que foram mais aceites pela população (ao longo dos anos)”, disse. Neste espetáculo, a roupa é a vida de Jean-Paul Gaultier e a vida de Jean-Paul Gaultier é a roupa, pois foi assim que decidiu contar a sua história e ficar lembrado. Como sempre, a extravagância e diversidade estarão presentes. “Na maioria das vezes, criei logo algo quase que para espetáculo e exagerado”, acrescentou.
E as roupas, muitas delas originais das épocas em que foram criadas, não sofreram alterações. Algumas mais velhas não farão parte do espetáculo, já que se podem estragar facilmente, mas muitas estão em condições para serem as protagonistas. “As roupas foram feitas para andar de trás para a frente numa passerelle, e normalmente não achamos que sejam feitas para dançar durante cinco dias da semana, mas foram extremamente bem feitas pelo Jean-Paul”, disse Garry McQuinn.
Já a coreógrafa, Marion Motin, assume ter tido algumas dificuldades aquando dos ensaios para o espetáculo. “A dificuldade foi trazer vida às peças sem mexer muito os dançarinos. Não é algo normal, o material das criações, é difícil saber como nos mover e como não nos mover, mas foi muito interessante e divertido”, disse.
“Fashion Freak Show” chega a Portugal depois de já ter passado em quatro países: França, Inglaterra, Japão e Alemanha. Quando estreou em 2019, o País era um dos primeiros a receber o espetáculo sobre a vida de Jean-Paul Gaultier, mas a pandemia estragou os planos da parceria entre o espetáculo e a equipa da UAU, empresa portuguesa que assumiu a responsabilidade de fazer acontecer.
No entanto, as negociações não se deixaram desvanecer e esta superprodução, que envolve mais de 100 pessoas, já está em Portugal desde sábado, 4 de novembro, para montagens e ensaios. Paulo Dias, representante da UAU na conferência, afirma que “a tournée vai recomeçar, no fundo, aqui (Portugal)”, e que Lisboa vai “certamente ser um marco que trará algumas adaptações ao próprio espetáculo”.
“Um dos desafios de apresentar um espetáculo como este é de encontrar os sítios certos para onde ir e as pessoas certas com quem trabalhar. Para mim foi uma decisão bastante fácil de tomar sobre se vínhamos ou não a Portugal”, disse Garry McQuinn. “Lisboa é uma capital com várias nacionalidades e é uma excelente oportunidade porque conseguimos convidar pessoas a vir até aqui”, acrescentou.
Para além de McQuinn e Motin, também Nile Rodgers faz parte da equipa de produção do espetáculo. O produtor musical, conhecido por produzir várias músicas como “Like A Virgin” (Madonna) ou “I´m Coming Out” (Diana Ross), fez toda a banda sonora do espetáculo, em conjunto com outros artistas.
“Fashion Freak Show” vai estar em Lisboa, no Sagres Campo Pequeno, de 8 a 12 de novembro. No Porto, no Super Bock Arena - Pavilhão Rosa Mota, estará entre os dias 16 e 18 de novembro. Os bilhetes podem ser comprados no site da Ticketline, com valores a partir dos 20€.