Foi do traço de Quino que, entre outras personagens, nasceu Mafalda. As linhas davam forma ao cabelo e à fisionomia icónica daquela criança de seis anos que, desde a sua concepção, servia como palco para a defesa pela igualdade de direitos para as mulheres — mas também para as críticas sociais, polícias e económicas que o ilustrador achava imprescindíveis serem feitas ao seu país, a Argentina.
Mafalda era a rapariga feminista, irreverente, respondona e sempre pronta a desafiava as convenções do seu tempo. Ao fazê-lo, trazia para junto dos leitores uma discussão que tem anos, mas que em 2020 ainda está a ser tida em vários cantos do mundo. Num dos seus desenhos mais icónicos, Joaquín Salvador Lavado Tejón, assim era o nome completo de Quino, mostra Mafalda deitada na praia, para espanto da mãe, rodeada de pequenas montinhos de areia sorridentes.
Quando esta, surpreendida pelo comportamento da filha, a questiona, a resposta surge como Mafalda já nos tinha vindo a habituar: "Não é nada demais, queria apenas saber como era sentir-me uma rapariga sexy."
Além da causa feminista, por que Quino referiu por diversas vezes sentir afinidade, o ilustrador argentino estava também sempre atento à atualidade. E porque a ficção tem este poder, através da análise de novos fenómenos sociais, políticos e tecnológicos, prever cenários futuros passíveis de se concretizar, não é de estranhar que uma das mais recentes ilustrações do desenhador tenha posto Mafalda junto a um planeta Terra doente e fragilizado. Em pleno surto provocado pela doença da COVID-19, nunca olhar para trás pareceu tão importante.
Quino, o autor argentino e responsável pela criação de várias personagens de banda desenhada, morreu esta quarta-feira, 30 de setembro, em Mendonza — a cidade na qual residia desde 2017 depois da morte de Alicia Colombo, sua mulher. O jornal "El País" recorda Quino, que viu em Charlie Brown, de Charles M. Schulz, uma inspiração a seguir, como o "humorista gráfico mais internacional e mais traduzido da língua espanhola".
Desde 2006 que o artista não desenhava com a mesma regularidade depois de vários problemas de saúde que, em apenas dez anos, o obrigaram a submeter-se a seis intervenções cirúrgicas.
A MAGG recolheu os 13 desenhos mais importantes de Quino em que o critério foi apenas um: evidenciar a atenção do ilustrador à atualidade, à crítica social e à defesa pela igualdade de direitos para as mulheres — quer através de Mafalda ou de outras personagens que aquele traço característico criou.