A cada pergunta, Mariana Ximenes para e pensa antes de responder. É assim que ela passa aquilo que parece ser: calma, ponderada e reflexiva. Foi numa sala do edifício da rede Globo, em Lisboa, que a MAGG se sentou a conversar com a atriz brasileira, famosa por integrar o elenco de alguns dos mais icónicos enredos do canal de televisão. A novela "Chocolate com Pimenta" (2003) é um dos nomes mais sonantes — e na qual a atriz veste, pela primeira vez, a roupa de personagem principal.
Mas foi a propósito do filme "Um Homem Só" (onde Mariana acumula as tarefas de representação e de produção), com estreia inédita no canal Globo a 21 de setembro, que a atriz passou por Lisboa. Realizado por Cláudia Jouvin, conta a história de Arnaldo (interpretado por Vladimir Brichta), um homem infeliz que procura numa clínica de cópias humanas a solução para uma nova vida — podendo, assim, assumir a sua paixão por Josie, a personagem de Ximenes.
Depois de uma tertúlia animada entre jornalistas e a também atriz da Globo Giovanna Antonelli (ou Jade, de "O Clone"), estivemos a sós com a atriz de 38 anos (no universo das artes cénicas desde os 16) para abordar outras questões: desde o quadro político brasileiro atual, ao feminismo — a propósito de um texto de Virginia Wolf no qual a atriz está a trabalhar.
O amor por Portugal é grande e comprova-se na quantidade de restaurantes por onde Mariana Ximenes já passou: Sea Mea, Solar dos Presuntos, Ramiro. "Estou bem informada, não estou?".
Uma fábrica de cópias humanas [parte do enredo do filme], como em "Um Homem Só", acha que teria sucesso?
Talvez. A gente conversou muito sobre isso e quando o filme estreou era uma coisa sobre a qual as pessoas me perguntavam muito. “Qual é o super poder que você gostaria ter?” Às vezes, é ficar invisível. Mas também pode ser criar uma cópia para fazer as coisas chatas da vida, as coisas burocráticas — para você ficar com o prazer. Mas, na verdade, isso é uma metáfora da vida: porque a vida tem seus momentos chatos — se não tivesse, como é que a gente saberia o que é prazer, o que é alegria? A gente olhou e discutiu isso, da hipótese de existir mesmo uma cópia. Nesse caso, na verdade, você perderia o balanço, a comparação.
Um pouco como a ideia de que só sabemos o que é a felicidade porque sabemos o que é a tristeza.
Exatamente. Se não houvesse tristeza a gente não saberia também o que é a felicidade. Acho que é bom para a gente pensar, refletir, olhar e perceber que vida é boa assim, do jeito que ela é.
Para que momentos usaria a sua cópia?
Burocracia é chato, fazer e cuidar de obra é chato, fila. Coisas comuns, que todo o mundo tem que fazer.
É um filme sobre relacionamentos. Como é que vê o estado das relações nos dias de hoje? Há mais liberdade ou menos resiliência?
Eu penso que a gente tem de lutar cada vez mais para termos nossa liberdade e união para as mulheres. Mas também acho que a gente tem que se consciencializar para ter tolerância, porque as relações duradouras precisam de confiança, conversa e de muita verdade. É o que eu sempre busco. As redes sociais permitiram você ter acesso rápido a todos os seus entes queridos, mas ela tirou o aprofundamento das relações — esse contacto olho no olho, o toque. Você fala “oi” por WhatsApp e você pensa que está ok. Mas nada substitui, para mim, o falar, o ouvir a voz, o se encontrar, o se tocar.
Referiu que tem uma meia irmã em Portugal. Quantas vezes já visitou o país?
Várias. E espero estar infinitas vezes, porque eu amo esse lugar.
Lisboa está diferente hoje do que era?
Sim. Acho que Lisboa está bem efervescente, está bem pulsante. Gente jovem, tem muita coisa acontecendo, muitos restaurantes novos. Está mais aberta e recetiva. Não tem violência. A gente sai na rua a pé e se sente segura. E isso não tem preço.
Já apanhou algum susto no Brasil?
Não, graças a Deus, não. Mas já aconteceu com muitos amigos. Assim, de estarem no carro parados no trânsito e vir alguém e te apontar uma arma na cara, pedindo celular. Aconteceu a uma amiga na semana passada. Morro de medo. Eu entro num carro e fico alerta. Não consigo ir no carro trabalhando, resolvendo coisas. Fico tensa.
O que é que faz mais para se precaver?
É a fé. Porque isso [o crime] já não escolhe horário ou bairro.
É paulista, mas vive no Rio de Janeiro. Em que cidade é que há mais violência?
No Rio de Janeiro. Muito pior, infinitamente pior. O Rio está com governantes muito dispersos e, geograficamente, existe uma proximidade muito maior — a favela anda junto com a comunidade, com a sociedade.
Já trabalha há muitos anos no meio artístico. As mulheres são tão reconhecidas como os homens?
Acredito que a gente está conseguindo, cada vez mais, uma equidade. Acho que a gente [a mulher] está ganhando mais voz. A propósito disso, eu estou fazendo agora uma performance sobre a Virgínia Wolf, baseada num livro dela que é “Profissões Para Mulheres”, sobre uma palestra que ela deu em 1931. Nessa altura, ela já pensava em direitos iguais para homens e mulheres. Tenho participando de muitas mesas feministas e temos tido muitas reflexões, conversas maravilhosas.
O que é que já nessa altura se dizia?
Ela fala exatamente que as mulheres devem criar, inventar, imaginar, com a mesma liberdade do que os homens. Ela dá o nome de Anjo do Lar ao grande vilão dessa história. O Anjo do Lar não é mais do que o seu pensamento, você mesma tendo de lidar com as suas responsabilidades de mulher na casa. Então, ela fala que sempre que ela vai trabalhar, sempre que ela vai botar a caneta no papel, vem a sombra do anjo do lar para o papel dela. Aí, ela tem de matar ele para se dar bem profissionalmente. Eu acho que até hoje a gente tem um pouco essa luta, no Brasil e no mundo inteiro — por isso vemos os movimentos como o Times Up ou como o que a atriz Robin Wright criou, em que ela luta pela igualdade salarial, de trabalho. É legal as mulheres estarem se mostrando mais. As produções também estão mais atentas, e as mulheres estão falando sobre assédio. Antes a gente ficava quieta. A gente está ganhando consciência de que existe assédio, de que existe machismo, de que existe racismo.
As mulheres já encararam isto como uma norma?
É. Mas não pode ser. E não será mais. A gente tem que dar voz a isso. Quem sabe se eu não venho aqui [a Portugal] com a performance. A gente abre uma roda de debate, de discussão, porque eu acho que a gente se precisa de ouvir e ouvir quem tem um lugar de fala. Mas não é só ouvir. A gente tem de ampliar a nossa escuta, mas também tem de agir — a gente tem de agregar e não segregar.
Dentro do feminismo, parece haver uma corrente que separa homens das mulheres.
É, ela segrega. Mas eu luto por agregar, pela união, porque juntos nós somos mais fortes.
Houve algum momento na sua carreira em que se tivesse sentido vítima de misoginia?
É curioso, quando você toma consciência dessa realidade, aí você pensa: “Será que aquele comentário…?” A gente vai entendendo, compreendo, algumas situações por que a gente passou. Não passei por nenhum acontecimento agressivo, mas hoje, olhando para trás, sinto que isso se poderia ter desenvolvido. Podia ter sido um caso de assédio sério. Eu acho que os homens agora estão mais atentos.
Ou assustados?
[risos] É, estão assustados.
Em termos de financiamento, no meio das artes o investimento em homens e mulheres é igual?
Não sei dizer. Acho que agora está bem aberto. Na televisão há muitos grandes personagens femininos. No cinema tem muito menos e eu não sei porquê. As mulheres têm menos protagonismo no cinema brasileiro do que na televisão.
O presidente do Brasil Jair Bolsonaro é a antítese destes ideais de igualdade.
Exatamente. E infelizmente.
Como foi receber a notícia de que este homem ia ser o presidente do Brasil?
Muito preocupante. Mas ele foi eleito. E aí é uma preocupação dobrada, porque não é só o presidente que tem essa consciência. Quem o elegeu também. Então, a gente percebe que grande parte da nossa sociedade, tem esses pensamentos. Eu fiquei muito assustada e continuo assustada. Ele não só fez um comentário sobre a mulher do presidente da França, terrível, deselegante e fora de propósito, como há ainda o desmatamento da Amazónia, do nosso património — brasileiro e mundial. É muito assustador. Agora, eu espero que as pessoas estejam tomando consciência de que a natureza está ameaçada, que as relações internacionais estão ameaçadas, e de que a gente tem de ser uma nação unida — não pode atacar gratuitamente. Eu penso que ele [Jair Bolsonaro] fez isso tudo gratuitamente.
Há muitas pessoas a mudarem-se do Brasil para Portugal. Os motivos podem estar ligados ao quadro político do vosso país?
Não sei. Eu tenho vontade de vir para cá porque a gente anda em paz, é seguro, fala a mesma língua e a gente pode trabalhar — o músico pode se trabalhar em qualquer lado do mundo, mas o ator está condicionado pela língua. Então, aqui é mais viável. E, claro, é tudo uma delícia.
Qual é a sua comida preferida em Portugal?
Eu acho que os crustáceos aqui são incríveis. Eu sou apaixonada por carabineiro, sapateira, amo isso tudo.
Há algum restaurante que goste mais?
Tenho alguns. Eu gosto dos tradicionais, como o Ramiro ou o Solar dos Presuntos. Também posto do Sea Me, de todos os do chef Avillez ou ainda o Atira-me ao Rio, do outro lado da ponte. São muitos. Mas estou bem informada, não estou? Sou louca por comer bem. E estou louca por fazer cinema aqui.
Passemos a esse assunto. O que é que prefere: cinema, televisão ou teatro?
Eu faço os três. Desde pequena que eu tinha uma coisa com o cinema, com a tela grande. E eu gosto muito de poder estar mergulhada num processo de oito a dez semanas. Gosto de pensar num personagem que tem início, meio e fim. Mas eu adoro fazer televisão porque é uma obra aberta, tudo pode mudar e tem um alcance gigantesco, então é muito prazerosa também. Você tem um retorno imediato do público — é muito lindo de ver, especialmente quando há relatos de que você mudou a vida de uma pessoa por causa de uma personagem — para mim, isso não tem preço. Teatro é um exercício maravilhoso para o ator. Você também tem um contacto muito próximo com o público e você ensaia incansavelmente a mesma coisa. E, quando estreia, você ainda está em processo. Então, é bonito porque o processo não acaba nunca. E ele só melhora.
Como é que é exercer duas tarefas exigentes num filme: atriz e produtora?
Eu tive uma equipa maravilhosa. Tinha uma outra produtora, que era gestora, muito boa. Mas sim, quando se é produtor e ator você acumula funções muito diferentes. A cabeça do produtor é mais burocrática. A cabeça do ator é mais artística. É complexo. Foi difícil, mas é muito prazeroso quando você vê que um projeto em que você acreditou, transbordou para várias outras pessoas. Cada pessoa da equipe que a gente fechava, era uma comemoração. Cada ator que a gente fechava, era outra comemoração. É tão lindo quando você vê que o seu sonho — que era só seu — se tornou o sonho dos seus amigos. Quando você vê, você tem 80 pessoas acreditando no seu sonho. É lindo. É lindo de ver. É um deleite.
Teve no “Cobras e Lagartos”, "Chocolate com Pimenta”, “Uga Uga”. Qual é o papel da Globo que guarda com mais saudades?
É injusto, mas eu vou falar “Chocolate com Pimenta”, porque foi a minha primeira protagonista e porque foi de um autor, que é o Valter Carrasco, que acreditou em mim desde o SBT, onde, com 16 anos, fiz a minha primeira novela, a “Fascinação”. Até hoje as pessoas falam do “Chocolate com Pimenta”. É muito curioso. É uma novela que deu tudo certo.