Digam o que disserem, a malta gosta é de uma boa cusquice (mesmo aqueles que juram a pés juntos que não). Horas antes do concerto de Florence + The Machine, a pergunta que mais se ouvia no recinto do Parque da Bela Vista era: "afinal, ela foi operada a quê?".
Isto porque Florence Welch, a líder da banda que atuaria no segundo dia do MEO Kalorama, tinha cancelado dois concertos da digressão Dance Fever por motivos de saúde. A britânica de 37 anos avançou nas redes sociais que tinha sido submetida a uma "cirurgia de emergência" por razões que, para já, prefere não revelar. Mas a situação foi grave ao ponto de a artista garantir que a intervenção lhe salvou a vida.
Respeite-se a vontade da artista porque, aqui, o que interessa é a música. Já tínhamos assistido à maravilhosa experiência que é Florence + The Machine ao vivo em 2022, no NOS Alive. E foi espiritual. Religiosa quase. Mesmo quem não é fã, quem só conhece as músicas mais orelhudas (como é o nosso caso), não consegue evitar deixar-se levar pelo hipnotismo de Florence, a correr desvairada de uma ponta à outra do palco, cabelos de fogo despenteados, a pele alva, os seus vestidos fluidos, rendados, qual fada medieval ou princesa de contos de fadas.
Aqui, no Kalorama, embora fisicamente combalida, a artista mostrou-nos em vários momentos porque é que continua a ter em Portugal uma legião de fãs devotos e apaixonados.
1. A sororidade feminina e a ética de trabalho
Na tarde de 1 de setembro, a norte-americana Ethel Cain estreava-se em Portugal, num dos palcos secundários do MEO Kalorama. Florence Welch, uma das musas de Cain, surgiria em palco de surpresa para um dueto emotivo. À noite, no palco principal do festival, a britânica fez questão de receber Ethel Cain, para alegria dos fãs de ambas. "Gostava que alguém me desse a mão ao longo deste concerto", pedia Florence. Ethel deu.
Não há comparação entre um concerto com Florence Welch em plena forma física e um em que a cantora está visivelmente combalida. São energias diferentes. Mas a interação com o público está lá (um abraço sentido a um fã fez-nos ir às lágrimas). A emoção está lá. A voz incrivelmente afinada (tão perfeita que quase desconfiamos de que não está a cantar ao vivo. Mas está), a linguagem física, feminina, poderosa. Florence é uma artista como poucas, que faz da energia do público a sua própria energia. Ela deu tudo, mas foi ao público que agradeceu, uma e outra vez, por a ter apaziguado. "Vocês deram-me um concerto lindo esta noite". Não, Florence, tu é que nos deste.
2. "Larguem a merda dos telemóveis!"
A iniciativa não é inédita, mas, tal como outros pares, os Florence + The Machine têm um momento do seu espectáculo em que pedem ao público para ser público. Ou seja, para não serem uma coleção de repórteres amadores, mais interessados em registar com fraca qualidade o concerto do que em vê-lo, e para serem espectadores participantes. Para "Dog Days", Florence Welch pede ao público para guardar os telemóveis e para preparar-se para saltar. "Guardem os telemóveis. Vocês não precisam disso agora", pede uma vez. Continuam telemóveis empunhados ao alto. "Guardem a merda dos telemóveis!", implora a artista.
O público lá se mobiliza para uma explosão de energia, que faz levantar uma nuvem de pó estilo tempestade no deserto. Mas está tudo bem porque a música tem o condão de nos fazer esquecer dos problemas, das dores nas costas e até dos telemóveis. Mas, como em tudo na vida, há chicos-espertos que acham que são mais do que os outros e que, num momento que era suposto ser de explosão de energia e de comunhão, lá ficaram, quietinhos, com o seu telemovelzinho na mão, a filmar os pategos que se deram ao trabalho de curtir um concerto. De certeza que partilharam o feito num story no Instagram para os seus 156 amigos e escreveram algo como "O CONCERTO FOI INCRÍVEL!!!! #meokalorama #florenceandthemachine #musiclover #semnoção".
3. "Bebam água. Mantenham-se hidratados"
"Ela é tão querida, é mesmo fofa!", ouvia-se na multidão, entre músicas. E Florence Welch tem aquela aura de mãe cuidadora, sempre preocupada com os seus filhotes, mandando-os até beber água quando uma gigante nuvem de poeira se espalhou pelo recinto, ao ponto de a artista se ir esconder atrás de um dos seus músicos para evitar aspirar as partículas.
Deus sabe quem lá chegará e se o MEO Kalorama continuará no Parque da Bela Vista. Mas para o ano há Rock in Rio e já estamos com medo do que é que vai acontecer se o tempo se mantiver seco e se, como é costume naquela zona, o vento soprar. Por isso, aqui fica um pedido ao município, que é quem gere esta "enorme mancha verde que oferece grandes zonas arborizadas de prado e de relvado, recortadas por uma rede de caminhos" (é a descrição disponível no site da câmara municipal de Lisboa). Vamos cuidar deste parque o ano inteiro e não apenas na altura dos festivais? Vamos, sei lá, é só uma sugestão louca, encontrar uma solução para o solo, para que não chegue ao final do verão completamente árido? Fica a ideia.