O sangue funciona como um uma espécie de transportador de substâncias importantes para o funcionamento correto do nosso corpo humano. Como o sangue não pode ser produzido artificialmente pela mão humana, os hospitais e os doentes estão dependentes da disponibilidade dos dadores para conseguirem sobreviver. No entanto, esta disponibilidade está a tornar-se cada vez mais pequena e certas regiões de Portugal enfrentam uma escassez de sangue que não pode ser suportada.

Diana de Sousa Mendes
Diana de Sousa Mendes Diana de Sousa Mendes créditos: Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca

A médica especialista Diana de Sousa Mendes, diretora do Serviço de Sangue e Medicina Transfusional no Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (mais conhecido como Amadora-Sintra), esclarece as principais dúvidas e mitos sobre o processo de dádiva de sangue. Desde os motivos relacionados com o peso mínimo do dador (50 quilos) às restrições para homossexuais e ainda se é seguro fazer a colheita de sangue, a especialista esclarece desmistifica estas dúvidas.

Dádiva de Sangue
Dádiva de Sangue créditos: Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca

Quais são as características da dádiva de sangue?

O que caracteriza primeiro de tudo a dádiva do sangue é que tem de ser voluntária e benévola, ou seja, é mesmo para fazer bem aos outros, e totalmente altruísta. Por definição, a doação de sangue não pode ter qualquer recompensa. Se tivermos de reduzir a quatro palavras, um dador de sangue tem de ser autónomo, voluntário, benévolo e altruísta. Qualquer pessoa que seja saudável pode doar sangue a partir dos 18 anos, normalmente até aos 65, mas hoje em dia se chegar lá e já for dador e continuar saudável, pode continuar.

Mesmo que reúna todas as condições, quando chegar posso não doar sangue?

Todos os dadores antes de doar sangue são triados, onde são feitas questões que evitam que haja risco para o dador e risco para o receptor. Portanto, uma pessoa que se considere saudável, que tenha mais do que 50 quilos, mais de 18 anos e que esteja convencido de que pode doar, pode não doar, dependendo das respostas às questões. São sempre questões sobre a saúde, se fez viagens, se mudou de parceiro sexual nos últimos três meses, se fez tatuagens há menos de quatro, se fez intervenções cirúrgicas, por aí fora.

Quais são os cuidados a ter antes de ir doar sangue?

É preciso tomar o pequeno almoço, o voluntário não pode ir em jejum. Também não pode aparecer logo depois de comer uma refeição pesada, e tem de beber bastantes líquidos no dia anterior se vier de manhã. É preciso que se sinta bem, que não esteja constipado, por exemplo. Basicamente, precisa de se sentir saudável.

Porque é que só pessoas com mais de 50 quilos é que podem doar?

O dador precisa de ter mais do que 50 quilos porque a doação é sempre igual para todos. Não existem sacos pequenos e sacos maiores que possam ser dados a pessoas com menos do que o peso certo, portanto tem de ter obrigatoriamente mais do que 50 quilos para termos a certeza de que é possível fazer a doação completa e o dador continuar bem de saúde.

O sangue é o mesmo para todos?

Sim e não. O Amadora-Sintra tem uma particularidade, nomeadamente ser o hospital da linha de Sintra que abrange mais de 600 mil habitantes, o que o torna também o hospital mais intercultural. Uma grande parte dos nossos doentes são das mais diversas nacionalidades e etnias, mas quase todos os nossos dadores são brancos, e nós precisamos de diversificar isso.

Temos por exemplo uma doença hereditária muito comum nas pessoas africanas que as crianças têm desde que nasceram, e, portanto, temos bastantes crianças a precisarem de muitas transfusões. Existem especificidades no sangue que a etnia branca não tem, porque a verdade é que, apesar de conhecermos quatro grupos sanguíneos, eles são mais do que 60, e seria mais fácil arranjar sangue compatível com dadores da mesma etnia.

Dádiva de Sangue
Dádiva de Sangue créditos: Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca

De quanto em quanto tempo é que se pode doar sangue?

Os homens podem doar de três em três meses e as mulheres de quatro em quatro, pois demoram mais tempo a recuperar. No entanto, somos um pouco flexíveis, se vier uns dias mais cedo e não existirem indício de anemia nós deixamos fazer a doação.

Existem vários mitos agregados ao tema "doação de sangue". Consegue desmistificar alguns?

Por exemplo, uma pessoa que fez tatuagens não poder doar sangue é totalmente mentira, apenas tem de esperar quatro meses. Uma pessoa que diga que abriram a agulha à sua frente e que foi apenas usada com ela dá vontade de acreditar, mas todo o cuidado é pouco, nunca se sabe.

Em qualquer procedimento invasivo como esse, como por exemplo endoscopias, existem riscos muito mínimos de infeção por vírus, e não é possível fazer a doação se existir o mínimo risco. O facto de serem quatro meses é o que nós chamamos de “período janela”, pois podemos estar infetados com algo e só descobrirmos três ou quatro dias depois, então é preciso prevenir infeções desse tipo. Quando aparecem pessoas com tatuagens até tiramos fotografias, porque há aquela ideia de que quem tem tatuagens não pode doar sangue.

Os fumadores não poderem doar sangue também é totalmente mentira. Apenas é pedido que não fumem nas duas horas antes da doação e que não fumem logo depois.

É possível doar sangue enquanto estou a tomar medicação?

Quase toda a medicação deixa doar sangue. Algumas tem de aguardar alguns dias, tem de informar na triagem que fazemos qual é o medicamento que está a tomar. Se estiver a tomar antibióticos não pode doar, não pelo antibiótico, mas sim porque, se o está a tomar, é porque tem alguma infeção. Também existe o mito de que pessoas com hipertensão que fazem anti hipertensores não podem doar, mas podem, desde que a tensão esteja controlada. Quem toma medicação crónica também pode doar, pois não é uma medicação que queremos nunca parar.

Quais são as restrições ou impedimentos mais importantes?

Para as mulheres que acabaram de ter filhos, dizemos que é melhor esperar um ano depois do parto e meio ano depois de finalizada a amamentação. Isto porque é preciso prevenir a anemia na mulher, pois já se está a alimentar a si e ao bebé e precisa de ter todas as outras reservas necessárias. Algumas doenças também impedem a doação de sangue. Quem teve um AVC não pode doar, enfarte do coração, epilepsia, infeções HIV, doenças autoimunes como o lúpus, ou diabetes tipo 1.

Dádiva de Sangue
Dádiva de Sangue créditos: Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca

Existem regras especiais para a doação de dadores homossexuais?

Não existem, as regras são as mesmas para toda a gente. Só não podem doar sangue quem iniciou relações sexuais com um novo parceiro nos últimos três meses, lá está o tal período janela, temos de ter a certeza de que as análises vão ao encontro do que é pedido para doar sangue.

As necessidades da colheita de sangue variam ao longo do ano?

Não. Nós precisamos de sangue o ano todo da mesma forma, não há picos, só há é momentos em que não temos dadores. Nós precisávamos de que as doações fossem mais ou menos semelhantes durante todo o ano, e quando temos crises não é por termos mais necessidades e mais doentes, é porque não temos dadores. Os alertas de sangue evitam-se até à última porque cada vez que há um alerta temos os serviços cheios e é pior, porque o sangue tem um prazo de validade. Se toda a gente dá na mesma altura, passados três meses ou apenas o prazo de 40 dias, que é a validade do sangue, nós deixamos novamente de ter sangue apto para quem precisa.

É possível contrair alguma doença enquanto se faz uma colheita? É seguro?

Não, é completamente impossível contrair algo. Pode sentir-se mais cansado no próprio dia, é melhor não fazer exercício, é melhor não estar ao calor, mas não é possível contrair nenhuma doença. É completamente seguro, não precisa de ter medo nem de vir acompanhado. Se não for um dia enchente, a inscrição leva 5 minutos, mais 5 ou 10 no consultório e mais 15 ou 20 na colheita.

Posso fazer alguma doação ao mesmo tempo que faço a doação de sangue?

Doar sangue é doar tudo. Depois de se doar, o sangue segue para análises e é separado em glóbulos vermelhos, plaquetas e plasma, por isso está a doar tudo isto quando doa sangue. Muitos dizem que também querem ser dadores de medula, por isso, se quiser ser doador de medula, basta inscrever-se na base de dados quando faz a inscrição para ser doador de sangue.

Se, eventualmente, existir um doente que precise e que seja compatível com um dador de medula, esse dador é contactado pelo Instituto Português do Sangue e da Transplantação, e só aí é que a medula é recolhida. As restrições acabam por ser muito menos porque o dador pode inscrever-se numa altura em que está constipado, mas, quando for necessário doar, estar nas perfeitas condições. As restrições base acabam por ser a idade, peso, e aquelas doenças impeditivas.

Dádiva de Sangue
Dádiva de Sangue créditos: Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca

Quem é que beneficia das transfusões?

Depois de doado, o sangue é analisado e posteriormente separado. Depois, o que for necessário é usado essencialmente em doentes que estão com anemia, doentes que precisam de intervenção cirúrgica, ou pessoas que estão a fazer tratamento de cancros oncológicos.

Curiosamente, alguém que tenha tido uma transfusão não pode doar mais sangue. Por enquanto ainda existe essa regra, é uma daquelas perguntas que ainda é feita no consultório médico, mas estamos todos à espera que isso deixe de existir. A regra surgiu quando se deu a Doença das Vacas Loucas em Inglaterra e houve alguns casos de pessoas que tinham apanhado a doença através da transfusão, mas achamos que já não é tão real.

Existem muitos portugueses a doar sangue?

Eu trabalho nesta área há muitos anos e a minha percepção é de que as pessoas vem doar cada vez mais, mas também existem cada vez menos jovens. Mudam várias vezes de parceiro, fazem mais tatuagens, e viajam muito mais do que se viajava antes, especialmente para locais tropicais que ainda causam o risco de malária e é exigido o tal período janela. Também acho que antes se acreditava muito mais nos valores como o altruísmo. Os nossos dadores são muito próximos dos 50 e 60 anos, mas esperamos que isso um dia venha a mudar.

Quanto a locais, o norte colhe mais do que precisa, eles recebem doações que dão para enviar até ao sul do país. A Madeira também colhe muito e envia para território nacional. As regiões com mais escassez são sem dúvidas Lisboa e Vale do Tejo.

Como posso tornar-me dador de sangue?

Apenas precisa de aparecer. Pode ir ao site dador.pt e encontrará os locais mais próximos que estão a fazer uma colheita nos próximos dias, não precisa de marcações. Tem estacionamento gratuito ao pé da entrada e tudo, direito a uma refeição ligeira no bar ou no refeitório e não precisa sequer de doar sempre no mesmo sítio, pode ir a qualquer lado. O nosso serviço de sangue está aberto nos dias úteis das 08h30 às 15 horas, sendo que à terça-feira alargamos o horário até às 17 horas, por isso basta aparecerem.

Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca
Localização:
IC19 276, 2720-276, Amadora
Horário Dádiva de Sangue: dias úteis das 08h30 às 15h (terça-feira das 08h30 às 17h)

Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (IPO)
Localização: R. Prof. Lima Basto, Lisboa - Pavilhão Rádio 2.º Andar
Horário Dádiva de Sangue: dias úteis das 9h às 16h e sábados das 09h às 11h

Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, EPE (IPO-Porto)
Localização:
Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072, Porto - Banco de Sangue IPO
Horário Dádiva de Sangue: dias úteis das 08h30 às 19h e sábados das 08h30 às 12h

Centro de Sangue e Transplantação de Coimbra
Localização:
R. Escola Inês de Castro, 3040-226 São Martinho do Bpo.
Horário Dádiva de Sangue: 
de segunda-feira a sábado das 08h às 19h30

Quer doar na sua zona de residência? Saiba onde em dador.pt