Quando falar em toneladas já não funciona como alerta, a dimensão do problema toma outras medidas. Mesmo assim, juntamos as duas: quase 80 mil toneladas de lixo plástico ocupam no mar uma área equivalente a três Franças, em quantidades que pesam tanto como 25 mil edifícios Empire State Building, em Nova Iorque, ou mil milhões de elefantes. Suficiente para ter a sua atenção? Ótimo.
Este domingo, 22 de abril, assinala-se o Dia da Terra, esse planeta que caminha a passos largos para bem longe daquela imagem pintada de azul e verde que nos habituámos a ver quando mais um satélite era lançado para o espaço. E desta vez não vale a pena atirar as culpas para os gigantes das indústrias, Portugal não escapa à lista negra dos poluidores. Por ano, usamos 259 milhões de copos de café, 10 mil milhões de beatas de cigarros, 40 milhões de embalagens de take-away, mil milhões de palhinhas de plástico e 721 milhões de garrafas descartáveis.
Já está a bater aquele sentimento de culpa de quem tirou um café na máquina e não disse que não à palhinha no copo de sumo ao almoço não é? Pois, a mim também. E foi por isso que decidi viver um dia sem plástico, algo que parecia fazível até me aperceber que o plástico está, literalmente, em todo o lado. Senão vejamos.
Acordei às 7 horas sem despertador, que além da vantagem básica de dar mais tempo ao dia, evita que tenha logo que quebrar este jejum de plástico ao clicar no botão de snooze. Ah pois, se calhar pensava que o iPhone funcionava através de energias enviadas por Steve Jobs, não?
O bolo não tinha plástico — mas a Bimby sim
Saio do quarto triunfante, por saber que na casa de banho tenho à minha espera todo um kit de higiene preparado de véspera, com o cuidado de ser o mais ecológico possível. A escova de dentes de bambu veio da última ida à Eco Vegan Concept Store e o sabonete é, de facto, um sabonete. Já há muito que o gel de banho perdeu lugar naquela esquina da banheira.
Prova superada, passemos para a cozinha, onde temos à espera um copo — de vidro, claro — cheio de água com limão para beber em jejum e uma fatia do bolo de aveia e banana feito na noite anterior. E é ainda a saborear o orgulho (e o bolo) deste feito que me apercebo de que, apesar de aquela fatia não ter restos de plástico, foi feita com a ajuda da Bimby, toda ela uma explosão de materiais pouco amigos do ambiente. Remediei o mal com um chá feito à antiga, numa daquelas chaleiras que apita quando a água está a ferver e deixei a loiça para lavar mais logo, com a desculpa perfeita de que o detergente vem numa embalagem proibida para este dia.
Lavada e alimentada, segui rumo a uma aula de crossfit, onde à partida todos os exercícios são feitos com base no peso do corpo ou, quanto muito, com a ajuda de pneus e ferro. Verifiquei no quadro que o WOD (Workout Of the Day, ou treino do dia, para os menos malucos que acordam quase de madrugada para levar o corpo ao extremo) tem agachamentos, saltos para a caixa (de madeira), burpees e abdominais, ou seja, 0% de plástico, 100% de certeza de que vou acabar isto com sérias dificuldades. Mas e o aquecimento? "Vão buscar ali os PVC para começar", pede o professor do 1Fight. Que remédio tive eu senão pegar nos tubos de plástico comuns a todas as boxes de crossfit e que ajudam a preparar o corpo para o que aí vem. Era isso ou a possibilidade de uma entorse. Preferi o PVC.
Quando até o passe é de plástico
Parece que não, mas o dia ainda mal começou. A ideia é tomar um banho rápido e seguir direta para a redação, num percurso que vai variando entre o Metro, a Carris ou uma bela caminhada do Saldanha ao Bairro Alto. Infelizmente já são 10h15 (desculpem, tive que ir ao iPhone ver as horas) e por isso submeto-me ao inevitável subterrâneo, mesmo que para isso tenha que usar o passe, também ele feito de plástico.
Num dia feito de compensações, aqui vai mais uma: troquei as escadas rolantes pelos quatro lanços de escadas. Quem costuma sair na Baixa-Chiado sabe que isto tem o seu mérito.
Para entrar na redação empurro a porta de ferro (yey!), tiro o lápis e o papel da mochila e pronto. Fica por aqui toda uma tentativa de viver em modo plastic free. A minha cadeira tem rodinhas de plástico, os phones são de plástico (ainda que vermelhos, lindos) e, claro, o computador é feito com peças também de plástico. O melhor mesmo é esperar pela hora de almoço para voltar a incorporar esta espécie de Gandhi da ecologia a que me propus.
Comer com talheres de madeira
Já a contar com a dificuldade de uma entrega de comer fora sem recurso a plásticos, fiz o trabalho de casa e para o almoço optei pelo Spinach. Tinha na memória aquela vez que me tinha sido servida uma salada de húmus num recipiente de cartão e decidi voltar na esperança do tratamento ser semelhante. Apesar de ter optado pela versão em wrap, este veio embrulhado num saco de papel no qual Frederico Gama, o dono do espaço, pôs ainda uma faca feita de desperdício de madeira, caso fosse necessário.
Entre pedir, escolher e pagar, há tempo para dois dedos de conversa sobre um espaço com preocupações ainda raras hoje em dia. Os produtos são frescos — apanhei-os ainda a arrumar o saco de legumes acabamos de comprar — os doces são feitos sem açúcares e farinhas refinadas, não existem palhinhas de plástico e as embalagens para take away são feitas de bagasse, um material feito com restos de cana de açúcar.
"A compensação vem de conversas como estas que estamos a ter", garante Frederico. E não do dinheiro, garantimos nós. Para ter mil copos feitos de resina de amido de milho, paga 160€. "Se fossem de plástico, acho que não chegava nem a 60€", refere.
Esta pausa para almoço serviu para encher a barriga de coisas boas e perceber que não estou sozinha nesta luta. Aliás, apesar do percurso lento, há cada vez mais parceiros nesta rede sem plástico. A Maria Granel é um deles, e com os frascos já meio vazios em casa, é lá que vamos para reabastecer. Trazemos linhaça, farinha de espelta e uma mistura para temperar a salada que vai servir de jantar, jantar esse que nos obriga a uma paragem rápida num supermercado.
Qual inspetor Gadget, saquei dos saquinhos de rede para os legumes e do saco de pano para as compras maiores, de maneira a dizer que não sempre que me impõem um saco de plástico para cada peça de fruta. De esguelha, consigo ainda vislumbrar duas senhoras em posição de cusquice — mão em frente à boca a tapar as palavras que se querem surdas — a comentar o meu conjunto de saquinhos feitos à mão. Se me tivessem vindo perguntar, tinha todo o gosto em dizer que foi a Vera que os fez.
Prova (muito pouco) superada
Parece que não, mas viver sem plástico, quando se está habituado a usar tudo sem pensar de onde vem, cansa. Felizmente já são dez da noite e entre o sofá e a cama, já não há muita margem para erros de principiante.
Ainda folheei umas revistas, fiz a lista das compras, estendi a roupa, mas não havia nada que me fizesse distrair daquele último episódio que me tinha deixado em aberto o futuro do Professor, da Tóquio, do Berlim e de toda aquela grupeta espanhola. E confesso, não resisti. Peguei no meu comando de plástico, liguei a minha televisão de plástico e abri a Netflix, paga com o meu cartão de crédito de plástico. Mas vá lá, tudo isto foi para ver "A Casa de Papel". Papel não é plástico. Estou perdoada?