Viver devagar é uma expressão que nos soa bem só pelo facto de referir o "devagar" que raramente cumprimentos no dia a dia frenético. Tem sido usada abundantemente nos últimos anos e associada, na versão em inglês, a vários conceitos: slow living, slow fashion, slow house, slow hotel e slow travel.

Mas, afinal, o que significa esta filosofia de viver devagar? "Ao contrário do que muitas vezes as pessoas podem entender, não é viver de forma lenta e devagar, a passo de caracol ou de tartaruga", brinca Sofia Pereira, presidente da Associação Slow Movement Portugal. "O movimento slow pretende que vivamos a um ritmo adequado para um bem estar e desenvolvimento quer pessoal, social e comunitário, quer ambiental", refere.

É aqui que entra, por exemplo, o slow fashion, que pretende desacelerar o ritmo com que a moda produz peças com novos materiais e cria tendências hoje usadas e amanhã descartáveis. No que diz respeito a bens não materiais, a filosofia slow entra no espetro do bem estar, quer do dia a dia, influenciado pelo modo e local onde vivemos, quer pelos momentos de lazer, como as viagens.

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Em todas as áreas o objetivo é alcançar o "equilíbrio para viver melhor, sabendo que é possível abrandar e acelerar não deixando que o abrandamento se torne numa estagnação" e a organização não governamental (ONG) Slow Movement Portugal tem promovido ideias de como o fazer. Nasceu em 2009 pelas mãos de um grupo de amigos de várias áreas que percebeu que o conceito não era divulgado por cá.

Mais de uma década depois ainda é pouco conhecido ou entendido o conceito, principalmente quando aplicado a outras áreas. É que, afinal, é confuso falar em slow travel, quando viajar é supostamente um momento de lazer, sem trabalho ou preocupações. Será que é mesmo assim?

"O que o slow travel pretende é que contrariemos aquele turismo massificado, impessoal, em que o turista é mais um número e não vivencia verdadeiramente o destino. Portanto, quando falamos em slow travel é a oportunidade que temos de tornarmo-nos parte integrante do destino", explica Sofia Pereira à MAGG.

Como fazê-lo? Foi o que fomos perceber.

3 passos para viajar em modo slow

Há destinos para onde é mais fácil de viajar em modo slow do que outros. Basta tomar de exemplo uma comparação entre a cidade que nunca dorme, Nova Iorque, ou a que menos dorme, Tóquio, no Japão, e o México. Nas duas primeiras é fácil sermos sugados pela agitação, embora até haja propostas para desacelerar, como a seleção de vídeos com exercícios de respiração ou o minibar, com vitaminas e até melatonina (hormona responsável pela regulação do ciclo circadiano) à disposição nos quartos do Equinox Hotel New York.

Contudo, sem recurso a suplementos, é possível atingir este estado de forma mais natural. "Contactar com os locais, com a população, com o território e captar a cultura local. Porque o turismo slow é silencioso e contraria aquele estilo mais massificado quando se compra uma viagem numa agência: vai-se para um hotel e apresentam-lhe uma série de atividades que se pode fazer, como visitar as pirâmides ou fazer mergulho numa viagem ao México, por exemplo", diz Sofia Pereria.

Basta então seguir alguns passos para que consigamos viajar em modo slow. 

1. Esquecer a lista dos pontos mais turísticos. Podem fazer parte, mas não de forma a que se traduza num "turismo com uma relação desumanizada";

2. Procurar fazer parte das rotinas dos locais. É isto que permite um "turismo humanizado, em que falo com as pessoas e percebo como funcionam as rotinas" de modo a que possamos ser parte integrante do local;

3. Descobrir a verdadeira essência do destino. Ao falar com as pessoas, além de conhecê-las, procure o que têm no local onde vivem ao pedir recomendações para "ir comprar, por exemplo, a melhor fruta do bairro ou o melhor pão".

Viajar em modo slow por Portugal

A Associação Slow Movement Portugal desenvolveu um projeto em parceria com a Associação Portuguesa do Desenvolvimento Local (ANIMAR) cujo objetivo é promover experiências de turismo por Portugal em modo slow. Foi desenvolvido um roteiro a propósito da campanha Agir pelo Desenvolvimento Local e nele constam atividades desde Lisboa a Setúbal, algumas de especial interesse para fazer em família.

É o caso dos passeios de barco MiraSado, em Setúbal, barco que navega pela reserva natural do estuário do Sado e permite aprender mais sobre a fauna e flora local através da observação de aves limícolas e grandes grupos de flamingos (20€ por adulto e 10€ dos 5 aos 10 anos e reservas para o telefone +351 910 723 964).

Já para os lados de Arruda dos Vinhos, há outras duas atividades propostas pela mesma parceria: a observação de estrelas e constelações na natureza, realizada pela Escolinha Slow (5€ por pessoa, com reserva prévia), e o encontro com plantas silvestres comestíveis e medicinais, isto é, identificação das plantas silvestres da quinta de Arruda dos Vinhos, com direito a degustação de uma refeição ligeira confecionada com plantas silvestres (reservas de duas pessoas fica a 35€ cada; três ou mais pessoas pagam 30€).

E quando as férias acabam?

Viajar em modo slow é uma forma de beber mais intensivamente outras culturas, o que não significa que não possamos trazer um pouco dessa calma para o dia a dia. Resta saber como viver de modo slow.

"Fazer pausas conscientes ao longo do dia, conhecer os sabotadores do nosso tempo e saber exatamente o que queremos fazer com a nossa vida" são os três métodos para levar um estilo menos acelerado, segundo a presidente da Associação Slow Movement Portugal.

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No entanto, também é possível alinhar a casa com esta filosofia. Um desses testes está a ser feito no empreendimento Belas Clube de Campo, em Belas, considerado pela Associação Slow Movement Portugal como a primeira comunidade slow no País. Para isso teve de reunir uma série de características, como o facto de integrar uma creche e mercearia que promove o sentimento de comunidade, bem como trilhos para caminhadas e estruturas para atividades desportivas ao ar livre.

Mas fora de um projeto de habitação de tão grandes dimensões também é possível adotar um estilo de vida slow. "Não temos de viver num local específico para que adotemos uma filosofa slow", frisa Sofia Pereira.

A chave para conseguir "viver devagar" resume-se a repensar hábitos e adotar novos quando necessário. 

1. Repensar as boas práticas de sustentabilidade ambiental. "Aí podemos falar na gestão de resíduos e pensar especificamente na questão dos '4 Rs' [repensar, reduzir, reusar e reciclar];

2. Viver junto de espaços verdes. "Se escolhermos viver num local próximo de espaços verdes é mais fácil conseguirmos locais para desligar e desacelerar";

3. Também é possível um estilo de vida slow na cidade. "Posso usar as ciclovias, os percursos pedonais, os transportes públicos. Posso recorrer também a carros elétricos";

4. Saber quem são os vizinhos. "As relações de vizinhança também são muito importantes. Muitos de nós vivemos em apartamentos e raramente conhecemos o nosso vizinho ou quando o encontramos no elevador dizemos 'bom dia, como está?', mas não damos tempo de o outro responder".