Laura Ferreira, mulher de Pedro Passos Coelho, antigo líder do Partido Social Democrata (PSD) e ex-primeiro-ministro, entre 2011 e 2015, morreu na noite de segunda-feira, 24 de fevereiro, no IPO de Lisboa. O "porto de abrigo" do antigo rosto do PSD partiu com 53 anos, cerca de cinco anos após ter-lhe sido diagnosticado um tumor ósseo nos joelhos — doença que, apesar de controlada durante dois anos, acabou por se espalhar para os pulmões, tendo agravado o seu estado clínico.
O medo da morte era inevitável, mas era na família que encontrava forças para enfrentar a doença: “Ter a consciência da morte é duro, mas é uma coisa real e que não assusta. Há momentos em que tive uma paz de espírito e em que pensei: ‘É assim mesmo’. Olho ao espelho e penso que este corpo vai deixar de existir. Depois há um lado que se levanta e diz: ‘Não! Tens o teu marido, tens as tuas filhas e a tua família!’. Eu tenho de viver! Tenho tanta coisa para fazer!”, contou na biografia do marido, publicada em 2015, "Somos o que Escolhemos Ser", assinada por Sofia Aureliano.
Ao contrário do que costuma acontecer na política, Laura Ferreira não era uma figura que se cingisse às fronteiras marcadas pela esfera familiar. Conhecida pelo seu sorriso doce e sincero, era frequente vê-la surgir junto a Pedro Passos Coelho, figura que "sempre se assumiu como homem de família", escreve a revista "Sábado", num artigo dedicado à mulher do ex dirigente do PSD. "Quando se tornou líder do PSD inaugurou um estilo a que os portugueses não estavam habituados: mostra um lado mais pessoal e íntimo".
Laura Ferreira deu entrevistas, posou para fotografias e chegou a surgir junto do marido nos eventos políticos. No seio do PSD, Laura Ferreira era uma "figura muito acarinhada por toda a família social-democrata", que "deixa saudades nos que com ela conviveram ao longo dos anos", escreveu o partido a propósito da sua morte, notícia que recebeu "com grande consternação."
Da infância feliz na Guiné à chegada a Lisboa
Laura Maria Garcês Ferreira era natural de Bissau e filha do trabalhador da administração guineense Tomás Ferreira (filho de pai português e de mãe cabo-verdiana) e de Domitília Garcê (filha de pai português e de mãe guineense).
Viveu em Bafatá, cidade guineense onde estudou numa escola de freiras. Teve uma infância feliz, repleta de brincadeiras ao ar livre.
"As 'memórias muito gratificantes' de uma infância feliz na Guiné, pois nasceu em Bissau e no 25 de Abril de 1974 estudava numa escola de freiras em Bafatá, estão associadas às brincadeiras ao ar livre e às histórias mágicas que ouvia contar à noite, mas também a situações tão simples como a mãe, na altura muito jovem, após as noites de chuva, acordar os filhos para irem todos apanhar as mangas que tinham caído no quintal", escreveu o "Diário de Notícias" quando, em 2010, Laura Ferreira surgiu pela primeira vez "risonha" no último congresso do PSD naquele ano.
As obrigações profissionais do pai faziam-na mudar várias vezes de poiso. Assim, passou também uma temporada em Cabo Verde, "a pátria do escritor (e ainda seu parente) Pedro Duarte, um dos nomes do célebre movimento Claridade e autor de livros como Manduna de João Tiene."
Na cidade do Mindelo, contou o "Diário de Notícias", toda a gente gostava de passear no jardim da Praça Nova, o local mais central desta cidade. Aqui, "ouvia tocar no coreto o seu professor de música do liceu, o consagrado clarinetista Luís Morais."
Veio para Coimbra, em Portugal, quando, na década de 60, o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) subiu ao poder em Bissau e na Praia. Estudou no Liceu José Falcão e, pela altura em que o reagge estava na moda, usou fumo negro na manga como homenagem ao cantor Bob Marley que tinha morrido. Ia ao Teatro Avenida ver filmes, às piscinas municipais, "onde as miúdas ficavam encantadas quando passava perto delas o nadador olímpico da Académica Rui Abreu", relatou ao "DN".
Depois, foi viver para o Cacém, onde fez mais amigos e memórias da juventude. Passava férias na Nazaré e São Martinho do Porto e queria fazer amizade com todos os turistas, de onde quer que fossem.
Entretanto, ruma a Lisboa para estudar no curso de Medicina. Ao segundo ano, decidiu que afinal não era por ali o seu caminho, virando-se para a fisioterapia, "onde pode dedicar-se à geriatria, pois assume um 'fascínio pelos idosos'". Pela altura em que falou com o "Diário de Notícias", estava já há dez anos a trabalhar no Centro de Educação para o Cidadão Deficiente (CECD), em Mira Sintra.
Casa, pela primeira vez, aos 27 anos, e é mãe de Teresa aos 30. Divorciou-se, mas sem cortar relações com o ex-marido, com quem sempre se deu bem.
"Amo-o profundamente". A relação entre Laura Ferreira e Pedro Passos Coelho
A primeira vez que Laura Ferreira deu conta da existência de Pedro Passos Coelho, este era já líder da JSD. Mas apenas o conhecia à distância e, apesar de desinteressada pelo universo da política, e sem sonhar que um dia seria casada com ele, pensava que "este dizia coisas acertadas".
A história de amor com Passos Coelho começa muito tempo depois, numa altura em que Laura está convencida de que não é capaz de se voltar a apaixonar novamente. Conheceram-se num verão dos primeiros anos da década de 2000 em Vilamoura, em casa de um amigo de Passos Coelho e de um familiar de Laura Ferreira, na altura com 38 anos. Os dois já tinham filhas dos casamentos anteriores — com a ex-Doce Fátima Padinha, Passos teve Catarina e Joana.
As filhas do futuro casal tornaram-se amigas, facto que serviu de pretexto para os primeiros encontros entre Pedro Passos Coelho e Laura Ferreira. No regresso a Lisboa, o ex-líder do PSD ligou pela primeira vez à fisioterapeuta.
“Quando oiço aquela voz de barítono a falar comigo, deixei cair o telemóvel, fiquei sem bateria. Confesso que estava com o coração aos saltos e já ligeiramente impressionada com o rapaz", escreveu na mesma biografia, citada pelo "Observador".
De acordo com o que relatou Laura Ferreira, na mesma biografia, Passos era muito atento às miúdas. Era "muito preocupado em fazer programas com elas, levar ao cinema, ir ao teatro, abdicava de fazer coisas para estar com as miúdas, por causa do banho e do jantar", relatou.
Estas características encantaram a fisioterapeuta. "E eu dizia ‘este homem não existe’ (…). Foi quando o vi sentado no meu sofá, achei que ele ficava ali muito bem”.
Assim, Laura Ferreira volta a casar e, em 2007, com 42 anos tem com o futuro primeiro-ministro a filha Júlia, hoje com 12 anos. Com o passar dos anos, o amor e cumplicidade intensificaram-se. Em 2011, numa entrevista à revista "Vidas", Laura Ferreira elogiou o carácter do marido e, publicamente, declarou-se: "O meu marido é um homem apaixonado, é um homem honesto de valores. Acima de tudo, num homem de convicções e acredito inteiramente ele. Além disso, amo-o profundamente."
De acordo com a revista "Sábado", Laura teve aulas de piano, adorava os músicos Caetano Veloso, Milton Nascimento, Charles Aznavour, Gilbert Bécaud e Georges Moustaki.
A música e as cantigas sempre foram, aliás, um ritual da casa em Massamá da família de Passos e Laura Ferreira. Como explica na mesma biografia de 2015, citada pelo "Observador", nas reuniões familiares que aqui decorreram faziam-se "duelos pelo título de quem canta a melhor morna, mas todos entoam, à sorte, porque todos adoram cantar".
Além das mornas, havia os petiscos e música portuguesa: “Cada um traz um petisco africano. Há quem toque viola e cavaquinho. O meu pai e o meu tio alternam entre mornas e as músicas portuguesas que conhecem. Eu e o Pedro cantamos fado. Adoramos cantar fado! É uma animação."
A luta contra o cancro
Laura Ferreira lutava contra o cancro há cinco anos. Foi diagnosticada em 2015 com um tumor ósseo nos joelhos, doença que a levou a colocar uma prótese nesta parte do corpo.
A notícia da doença veio no verão, depois de uma lesão que não havia curado como era suposto. “No verão de 2014, Laura sofreu uma lesão de trabalho, que não passou como devia. Os meses foram correndo e a mobilidade foi ficando limitada, cimentando-se a suspeita de que podia ser algo mais sério. Confirmou-se o pior cenário. Foi-lhe diagnosticado um osteossarcoma, um tumor ósseo agressivo que a forçou, e força ainda, a várias sessões de quimioterapia pré e pós operatória”, lê-se na mesma biografia.
Lembra o "Observador" que a mulher foi operada pela primeira vez naquele mesmo ano, para a remoção do tumor, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Na altura, Passos Coelho era primeiro-ministro e conciliava numa agenda as duras tarefas inerentes aos dois mundos: “Depois vai para casa para jantar com as filhas. (…) Este é o coração mole por detrás da casca dura”, escreveu Laura Ferrera no livro "Venha de Onde Vier".
Pela altura do diagnóstico, o então primeiro-ministro enviou uma nota à Agência Lusa, confirmando a situação de doença e pedindo respeito pela privacidade da família, recorda o jornal "Público.": “Como se tornou do conhecimento público recentemente, e para evitar mais especulações sobre este assunto, confirmo que foi diagnosticado à minha mulher, Laura Ferreira, um problema do foro oncológico que está a ser devidamente acompanhado."
Depois da dureza de sessões de quimioterapia, a doença acalmou e há dois anos parecia estar controlada. Mas, entretanto, o estado agravou-se: o cancro voltou e, em 2017, novos exames avançaram que se havia espalhado para os pulmões.
A partir daí, o estado de saúde de Laura Ferrera foi-se debilitando cada vez mais. Em dezembro, a fisioterapia foi transferida do hospital Amadora-Sintra para o IPO de Lisboa, como consequência do agravamento do seu estado clínico. Apesar de tudo, foi autorizada a deixar o hospital oncológico durante o Natal, para passar as época junto da família.
Marcelo Rebelo de Sousa já divulgou um comunicado da Presidência da Republica, deixando as "mais sentidas e amigas condolências neste momento de enorme perda da sua mulher". O presidente descreveu Laura Ferreira como "alguém que deixou um traço de humanidade e serviço comunitário na sociedade portuguesa."