Vamos começar já por me situar nesta viagem no tempo. No verão de 1998, ano da Expo, que nasceu no dia 22 de maio, eu tinha 11 anos. Vestia-me à base de Trafaluc, com conjuntos de calções às flores, daqueles justos à ciclista, com t-shirts que, tendo em conta a panca da minha mãe com a conjugação das cores, seriam com certeza da cor das pétalas das tais flores.

Quase de certeza que nesses meses de calor usava um boné que, ou estava com a pala para trás porque era fixe, ou com a pala para a frente quando queria conjugar com o cabelo preso num rabo de cavalo. E mesmo estando calor, e talvez por vir de terras minhotas, nunca saía de casa sem uma malhinha, numa luta entre o “põe pelas costas, olha o vento que está” da minha mãe e o “casaco nas costas é de beto, bora mas é pô-lo à cintura e fingir que não sou uma pré-adolescente”.

No Discman estaria certamente o CD dos Vengaboys ou o “Now” que me era oferecido todos os natais com os hits do respetivo ano e dos quais faria parte, tendo em conta que estávamos em 1998, BackStreet Boys, Hanson ou Moffatts.

É também provável que numa viagem entre o Minho e Lisboa, feita de propósito para vir à Expo, tenha obrigado os meus pais a vários loops desses CD, uma vez que nem umas pilhas Duracell aguentavam uma viagem tão longa e feita num Passat sem ar condicionado (que fique registado que o meu pai só pôs Via Verde no verão em que apanhámos uma fila de quase trinta quilómetros nas portagens para chegar ao Algarve).

Se só este pequeno Revenge of the 90’s pessoal já deu para vários momentos de nostalgia, imaginemos o que seria voltar a um País de há 20 anos. A primeira reação talvez seja pensar que a diferença não seria assim tão grande, não é? Pois bem, e se lhe dissermos que nesse ano a febre televisiva passava pela “Roda dos Milhões”, ainda não havia Ponte Vasco da Gama nem linha vermelha do metro em Lisboa e a interrupção voluntária da gravidez era crime punível com até três anos de prisão?

Se calhar vale mesmo a pena voltar atrás no tempo, não é? Vamos a isso.

Cinema

Era o tempo dos telefilmes exibidos pela SIC, de onde saíram relíquias como o "Amo-te Teresa" e, em 98, o "Zona J", que dava a conhecer uma zona quase proibida de Lisboa. É lançado ainda o filme "Os Mutantes", de Teresa Villaverde, mas é o "Tentações", onde vemos Joaquim de Almeida passar de padre a drogado, a ganhar o Globo de Ouro.

Titanic foi o filme do ano e ganhou onze óscares

Lá fora, há filmes no cinema para todos os gostos. "The Big Lebowski", "A Cidade dos Anjos" e "Spice World" — desculpem voltar às Spice Girls mas, convenhamos, são os anos 90 — estrearam-se nesse ano, ainda que o cinema de 1998 pudesse ser resumido numa palavra: Titanic. Venceu onze óscares e ainda hoje há teorias de que, afinal, o Jack podia não ter morrido. Bastava que a Rose se encolhesse um pouco na tábua de madeira.

Música

Lembra-se dos "Alma Lusa"? Não se preocupe, nós também não. Mas a verdade é que representaram o país no Festival da Eurovisão e o resultado — um mais ou menos honroso 12.º lugar — não foi tão desastroso como o deste ano (ainda que bem camuflado pela festa da organização).

No top português estava Paulo Gonzo e os seus "Jardins Proibidos", ouvidos até à exaustão, mais ainda depois de darem nome a uma novela da TVI.

Foi com este ar angelical que a Britney Spears nos enganou a todos em 98

O Brasil conhece Ivete Sangalo e despede-se de Leandro, que juntamente com o irmão, Leonardo, fizeram com que ainda hoje se puxe pelo sotaque sertanejo para dar um tom dramático a "Temporal de Amor".

Viremo-nos então para os tops internacionais numa tentativa de salvar a música dos anos 90. Ou então se calhar não. 1998 é o ano de Britney Spears, Shania Twain e Boyzone. Venha a Lauryn Hill salvar isto quando lançou o aviso e pôs o mundo a cantar "That Thing" em repeat.

Desporto

Não queremos bater no ceguinho, mas 98 também não foi um bom ano para o Sporting. Não ficou sequer num dos três primeiros lugares do campeonato, ganho pelo Porto, que esse ano se sagrou tetra campeão.

E nem falando da seleção a coisa melhora. Aliás, este foi o último ano que Portugal falhou o apuramento para o mundial. Mas a qualificação, só por si, foi animada: houve uma agressão de Sá Pinto ao selecionador Artur Jorge, uma expulsão de Rui Costa e um Oceano a falhar penalties.

Não que tivesse afetado diretamente a nossa inexistente performance, mas só a semana passada o ex-presidente da UEFA, Michel Platini, revelou ter adulterado a disposição das equipas para que a seleção francesa, grande favorita à vitória na competição, apenas defrontasse o Brasil na final. E ganharam.

Para não dizerem que desporto é só futebol, aqui vai uma efeméride diferente: Michael Jordan foi campeão pela última vez em 1998, arrecadando assim o décimo título de melhor marcador da NBA.

Televisão

Ainda não havia canais de informação em Portugal, mas já nos preparávamos para um apenas dedicado ao desporto. Em setembro de 98 a SportTv começa a emitir e são feitos os primeiros testes de Televisão Digital Terrestre (TDT), algo que só passou a ser uma realidade onze anos depois.

Era o tempo em que todo o imaginário português tinha sotaque brasileiro

Os anos 90 habituaram-nos a associar cada dia da semana a um programa de televisão. Sábado era dia de "Big Show Sic", terça-feira era dedicado à "Roda dos Milhões" e todos os dias eram bons para mais um episódio da novela "Rei do Gado".

Os mais pequenos passaram a ir para a cama assim que "Os Patinhos" davam sinal, até porque o importante era acordar cedo no dia seguinte para preencher as manhãs com Dragon Ball e as tardes com o Batatoon, que estreou em 98 na TVI e cujo fim está envolto num grande mistério. Diz quem viu que houve uma agressão ente o Batatinha e o Companhia, os dois apresentadores do programa, captada em direto e que obrigou ao corte abrupto da emissão. Quem viu? Não se sabe. Onde estão essas imagens? Nunca ninguém viu.

Um país que nasce em Lisboa

Na década de 90 ainda não havia T0 a 700 euros em Lisboa porque, a ver bem, ainda não havia sequer euros. O tempo era de abundância e as férias com os pais ainda eram feitas de 15 dias de Algarve (antes de serem reduzidas a uma semana na Nazaré). "Oh mãe, nós somos ricos ou pobres?", perguntava eu muitas vezes, angustiada por fazer parte de uma classe média que, apesar de usar roupas que já passaram por todos os primos, dava-se ao luxo de jantares de marisco e de viagens pela TAP — talvez porque a Ryanair só começou a operar em Portugal em 2002.

Mas também, quem é que queria sair daqui em 98? José Saramago ganhava o Nobel, comemorava-se com feijoada a inauguração da Ponte Vasco da Gama e Lisboa passava a ter metro até ao Cais do Sodré e ao Oriente.

Ok, houve um sismo nos Açores que deixou 1.700 pessoas desalojadas e Portugal votou contra a despenalização do aborto, mas vá lá, organizamos uma exposição visitada por onze milhões de pessoas num sítio que, até àquele dia, servia apenas para depósito de contentores. Portugal ganhou um Gil, Lisboa um teleférico e todo o país se junta agora para concertos num pavilhão que, apesar de agora ser Altice, será sempre Atlântico.