Antes de adormecer no meio do deserto, houve um longo caminho a percorrer em direção às dunas de Erg Chebbi, na região de Tafilalet, em Marrocos.

O caminho foi feito de dromedário — um percurso surpreendente entre dunas de areia fina com uma cor que não é possível escolher no Photoshop, acompanhado de um céu encoberto que deu serenidade à viagem e substituiu o pôr do sol prometido que acabou por não aparecer.

Que o percurso foi fenomenal, é um facto. Só que falta aqui um "mas", como quase sempre que são enumeradas várias coisas boas. Portanto, vou reformular: o percurso foi fenomenal, mas foi desconfortável andar em cima de uma bossa durante mais de uma hora. Mais desconfortável ainda foi a reflexão que fiz depois de descer do dromedário.

Ora, eu que levo sacos de rede para comprar cebolas — e recebo olhares de estranheza ou de gozo (não sei bem) quando chega a hora de pagar, eu que uso uma garrafa de água reutilizável e passo sede quando me esqueço dela, e eu que meti toda a gente lá em casa a reduzir o consumo de carne e de peixe, decidi usar um dromedário — um ser vivo, portanto — como meio para atravessar o deserto.

Não posso dizer que tenha ficado confortável com esta ideia. De repente, já só conseguia pensar se eles sofreriam por andar connosco às costas, ainda por cima com as temperaturas elevados do deserto. Seriam bem tratados? Quantos vezes por dia fariam aquele percurso, apenas e só para satisfazer a vontade dos turistas?

Foi dada outra opção para chegar ao destino final, as tendas do grupo Xaluca: ir de jipe. Mas considerando a pegada ecológica deste meio de transporte, também não seria a melhor hipótese. Amigo do ambiente só mesmo ir a pé, acabo por concluir. Mas sem conhecer os caminhos do deserto, não seria fácil chegar ao destino final.

Talvez ainda esteja para ser criada a solução ideal.

Nunca imaginei um dia vir a passar a noite no deserto do Saara. A ideia de o fazer parecia uma utopia, mas a verdade é que existem vários operadores turísticos que oferecem esta experiência. O Xaluca é um deles. Chegámos às nossas tendas no meio do deserto já de noite, mas a festa estava pronta a começar. A receção incluiu um cocktail de muito bom ar (que depois de provar percebi que não era álcool, já que este é escasso em Marrocos por não ser permitido pela religião, mas um simples e saboroso néctar de pêssego) e com música típica marroquina.

Só com esta chegada percebi quão acolhedor é o povo marroquino, que faz questão de dar a conhecer as suas tradições, não só pela música, como pela explicação — misturando o francês, com o inglês e o espanhol — de algo que olhamos com um ar curioso.

Música tradicional marroquina

Se a noite no deserto já tem um calor característico, este aumentou com as chamas do lume onde o chef Vitor Sobral, que se juntou à viagem em Marrocos, assou o borrego para o jantar.

Mas não só de carne se fez a mesa preparada com produtos locais. A acompanhar o churrasco havia três saladas diferentes: uma de grão com couve flor e amêndoas, outra de cuscuz com cogumelos e ainda uma terceira de beringela com cogumelos.

Mesmo em Marrocos, o pão nunca falta numa mesa de portugueses, mas no jantar junto às tendas foi feita uma fusão entre a gastronomia portuguesa e marroquina, dando origem ao pão do deserto — que transforma o pão típico que vemos por todo o lado em Marrocos numa espécie de pizza.

Eu que nem sou fã de pizzas, adorei este pão — chama-se madfouna —, que é preparado em lume alto, num piso baixo. Confuso? Mostramos-lhe.

Madfouna. Pão marroquino recheado com carne e especiarias

É neste forno de barro, colocado na areia, que o pão é assado. Apesar de achatado, cabem lá dentro diversos ingredientes. A versão original leva carne, mais propriamente os chamados "miúdos", mas foi preparado também um madfouna vegetariano, apenas com especiarias (sendo que o picante estava em maioria).

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Depois do jantar, foi altura de "perder tempo". Literalmente, perder vários minutos a admirar o céu, mas a ganhar uma experiência única. Se foi um momento profundo e a descrição parece lamechas? Sim. Mas a verdade é que são poucas as vezes em que podemos admirar as estrelas a céu aberto.

Por isso, se há quem diga que no meio do deserto não há nada, eu descobri milhares de estrelas e, com alguma dificuldade, algumas constelações. 

Na hora de desfrutar da tenda, não havia sinal de qualquer animal rastejante ou outro ser vivo. Depois de inspecionar todos os cantos do quarto para verificar se tinha algum visitante, apercebi-me de que ali não havia televisão e muito menos internet.

Na verdade não precisava, mas é quase inato procurar por estas tecnologias, nem que seja para ligar a televisão num canal aleatório para ter barulho de fundo. Sem sono, tive de me entreter à antiga (q.b). Isto porque abri um livro, mas não em papel, porque esse já não coube na mala. 

Enquanto me concentrava na história, descobri que afinal tinha barulho de fundo: os dromedários que estavam lá foram faziam alguns sons, mas aquele que se ouvia mais intensamente era o vento que passava entre as tendas.

Foi precisamente com o "barulho" do vento que fiquei embalada e acabei por deixar o livro virtual de parte, caindo no sono, já sem ir a tempo de colocar o despertador.

Como nunca tinha acampado, descobri que seria inútil ter acionado um despertador com um toque irritante para acordar-me de manhã. É que numa tenda, o nascer do sol é o melhor despertador natural.

Se como nós, quer experimentar uma noite no deserto, pode fazê-lo. Basta encontrar a opção que mais se identifica consigo — ou com a sua carteira. Mostramos-lhe seis opções.

*A MAGG fez esse percurso acompanhada pela TAP e pelo Turismo de Marrocos