É na redação da MAGG e do Observador que nos encontramos. Fernando Barros chega com um ar bem disposto, e a T-shirt preta que traz vestida com a palavra ONE em branco não deixa dúvidas da causa que abraça — o português foi um dos escolhidos pela banda irlandesa U2 para colaborar na erradicação da pobreza extrema com a campanha ONE Vote, que tem como finalidade envolver os candidatos ao Parlamento Europeu no compromisso para esta questão.
Fernando Barros, de 43 anos, responsável pela agência de marketing Brands Like Bands, diz que este problema mundial — que possui uma maior incidência em África — sofreu uma redução em cerca de 60% desde 1960. Até 2030 pode baixar ainda mais e chegar aos 80%.
O projeto ONE foi fundado pelo vocalista dos U2, Bono Vox, e posteriormente apoiado pelos restantes membros da banda. O ONE promove campanhas com o objetivo de se tomarem medidas para erradicar a pobreza extrema e doenças que são evitáveis, particularmente em África.
Para o lisboeta, a consciência acerca das problemáticas sociais como esta surgiu com as bandas de punk rock que ouvia desde jovem, que já abordavam essas temáticas — nomeadamente a pobreza.
Onde é que passou a sua infância?
Cresci em Lisboa. Vivi maioritariamente com os meus pais e com a minha avó.
E a que classe pertence ou pertencia a sua família?
À classe média. Normal.
Tem um projeto denominado de Brands like Bands. Em que consiste exatamente? O Fernando é músico?
Não. A partir de certa altura, para termos um mundo melhor, desisti de ser músico [risos]. Mas tive as minhas bandas quando era miúdo e fui a muitos festivais e concertos. A Brands like Bands é um projeto que nasceu há 11 anos e que pretende levar a inspiração das bandas para as marcas, ou seja, o modo como é que elas resolveram alguns problemas internos, quer de inovação, quer de comunicação, quer do contexto social.
O que aconteceu entretanto é que a cada empresa a que íamos diziam-nos "A Maria canta muito bem", "O José toca muito bem guitarra". Então, pegando nisso que nos iam dizendo, começámos a realizar o Festival Brands Like Bands com bandas formadas dentro das empresas e fazendo isso sempre com uma consciência social, onde as próprias instituições e causas estão e gerem a bilheteira. O festival vai agora para a sétima edição.
E quando é que teve o primeiro contacto com a pobreza?
Desde muito novo que estive ligado a uma tendência musical — o punk rock — que aborda muito estas questões. A minha banda favorita de todos os tempos são os The Clash, que em todos os álbuns falavam muito dessas temáticas. A minha consciência foi despertada pelas bandas que ouvia.
Quando é que decidiu envolver-se nesta luta?
Houve dois períodos. Um primeiro fundamentalmente por causa do trabalho que temos na empresa Brands Like Bands com algumas marcas, que foi juntá-las por um propósito e um bem comum social. Isto porque nos últimos dez anos, as instituições, as empresas e as marcas têm sofrido grandes revés em termos de reputação. Assim sendo, aquilo que considerei fazer foi: em vez de termos ações de cosmética, devíamos levar a cabo coisas concretas com essas marcas e empresas para apoiar algumas instituições de forma relevante e não só para parecer bem.
Que coisas foram essas?
Há uma panóplia de causas para apoiar, mas nos primeiros quatro anos apoiámos muitas instituições ligadas a bebés e a crianças. Depois o segundo momento foi no ano passado com os concertos dos U2, onde tive a oportunidade de estar mesmo por dentro da realidade da banda e de toda a organização. Aquilo que realmente me tocou foi ver pessoas que já estão mais do que feitas na vida e que ainda assim fazem um autêntico “statement” de mudança e de alerta. Inspirou-me olhar para eles e saber que são pessoas com vidas estáveis, que podiam agora estar na boa e sem grandes preocupações. Depois também pensei que estavam ali 15 mil pessoas. Se pelos menos 5% já ficarem alertadas para esta realidade já é extremamente positivo. E se depois formos somando isso em todos os concertos que eles vão dando, podemos estar realmente perante uma mudança.
O Fernando foi precisamente um dos selecionados para participar no projeto ONE dos U2, mais concretamente na campanha ONE Vote. Como é que teve contacto pela primeira vez com os U2?
Como fã, o primeiro concerto que vi foi em 1993, em Alvalade. Depois em 2011 fui vê-los em Coimbra e foi aí que tive o primeiro contacto com a ONE porque estavam com uma campanha à volta do estádio onde iam tocar. Cruzei-me com as pessoas da ONE, fiquei com interesse em saber mais, mas as coisas ficaram por ali.
Até que no ano passado fui contactado para os ajudar a montar uma operação em Lisboa, onde vinham atuar. Em cada cidade onde passam, a ONE acompanha a banda. Eles contactam as pessoas dessas cidades para os ajudar a montar a operação, ou seja, arranjar voluntários, brifar as pessoas, dizerem o que é concretamente para fazer, definir quais os objetivos a atingir. Eu fui contactado nesse âmbito. As coisas correram muito bem e no primeiro concerto em Lisboa, o Bono Vox deu os parabéns pela adesão das pessoas na cidade. O segundo também correu muito bem. Em dezembro de 2018 fui chamado aos escritórios da ONE, em Londres, para uma reunião, e informaram-me que Lisboa tinha tido os melhores resultados de toda a tournée em relação ao resto da Europa e com os EUA inclusive. Mantemos o contacto e agora vamos estar novamente no terreno.
Considero que estas eleições são de extrema importância para a Europa porque atualmente existe um vazio em termos de uma liderança com uma visão global de sustentabilidade. Os países olham muito para si próprios."
Como é que foi realizada essa seleção?
É feita com base no perfil das pessoas, naquilo que desenvolvem no local onde estão. Depois também tem que ver com a própria ligação que se tem à ONE. Por exemplo, a ONE costuma enviar com regularidade várias campanhas via email, em que vão percebendo quem são as pessoas que vão aderindo. Portanto, há vários trâmites para a seleção das pessoas. Mas devido aos resultados que alcançámos no ano passado, e depois de termos estado reunidos com eles em Londres, as coisas também fluíram.
Qual é a sensação de ter sido escolhido e o que significa para si?
Para mim é importante se conseguirmos fazer alguma coisa em concreto. Foi importante termos conseguido aqueles resultados na campanha em Lisboa o ano passado porque foi com isso que o Bono Vox foi a Davos, na Suíça, ao Fórum Económico Mundial, pedir ajuda aos países africanos e levar aquele número de pessoas que tem uma preocupação específica. Ficarei novamente satisfeito quando conseguirmos aquilo que queremos atingir que é, numa primeira fase, conseguir envolver todos os candidatos ao parlamento europeu. Depois de serem eleitos temos de pressioná-los para os compromissos que assumiram e tentarmos ter um caminho mais ou menos definido para aquilo que se espera em 2030, que é um nível de pobreza extrema muito menor, nomeadamente em África.
Referiu que o objetivo da campanha ONE Vote visa envolver os candidatos ao Parlamento Europeu. Como é que tencionam de facto colocar isso em prática?
Numa primeira fase a campanha vai consistir em reuniões com os candidatos. Temos um cartaz com os compromissos a atingir e a ideia é que eles tirem uma foto com esse cartaz e a coloquem nas suas plataformas, tal como a ONE também o fará. Depois das eleições, e já com a relação estabelecida com os candidatos, exerceremos uma pressão positiva para não esquecerem os compromissos para os quais foram eleitos. Considero que estas eleições são de extrema importância para a Europa porque atualmente existe um vazio em termos de liderança com uma visão global de sustentabilidade. Os países olham muito para si próprios. Então, entendemos que a Europa tem agora uma oportunidade para assumir essa liderança.
Aquilo que realmente queria era colocar os candidatos portugueses e o País no topo desta grande preocupação e consciência a nível global"
Os U2 são a cara deste projeto, nomeadamente Bono Vox, que foi o seu fundador. De que forma é que a música pode ajudar em questões como a erradicação da pobreza extrema?
Já há coisas interessantes nesse âmbito, um bocado também como os U2 fizeram nesta última tournée quando aproveitaram os concertos para fazer esse tipo de alertas. Não direi que todas as bandas deveriam fazê-lo, mas se dessem um endorsement claro a essas causas e consciencializassem as pessoas já era um contributo importantíssimo. Porque agora com estas novas formas de comunicar, a capacidade de influenciar as pessoas também é muito maior.
Que tipo de ações e responsabilidades é que o Fernando vai ter neste projeto?
Para já é agendar e fechar essas reuniões com os candidatos, ou seja, fazê-los assinar o compromisso. Na plataforma da ONE vamos também colocar as pessoas que já assinaram. Pessoalmente, como objetivo principal quero que Portugal bata novamente o recorde do ano passado e que os nossos candidatos sejam os mais dedicados a esta causa. Aquilo que realmente queria era colocar os candidatos portugueses e o País no topo desta grande preocupação e consciência a nível global.
Para além do projetos que realiza com a Brands like Bands, em que outros semelhantes é que já se envolveu?
Uma das coisas que vamos fazer para além de apoiarmos uma ou mais causas financeiramente em Portugal é também continuar a divulgar este projeto da ONE. Foi isso que entretanto ficou definido, ou seja, mesmo depois das eleições vamos continuar com esta ligação porque sentimos que há, neste momento, uma nova geração a emergir nas empresas com uma responsabilidade social muito forte e faz todo o sentido as empresas com as quais colaboramos também terem essa capacidade de atrair os jovens pela sua consciência social.
O que se nota muito hoje é que as pessoas estão muito mais reticentes em relação a tudo o que é dito e ao que é publicitado e, deste modo, as empresas e as marcas estão a colocar, nos seus produtos, modelos de negócio que tenham impactos sociais muito forte e diretos, com impacto na sociedade, ou seja, no âmbito da comunidade onde estão inseridos, no âmbito ambiental.
E há quanto tempo é que está por dentro deste tipo de ações?
Desde 2012.
Para conseguir ter água potável, uma família africana têm de caminhar dezenas e dezenas de quilómetros com um barril em cima da cabeça, levam praticamente um dia para fazê-lo e as crianças praticamente não têm hipótese de ir à escola"
Quais são os números da pobreza extrema atualmente?
Os dados que temos é que, desde 1990, os números de pobreza extrema diminuíram em 60% e até 2030 podem baixar até aos 80%, sendo que o continente mais afetado é, sem dúvida, África.
Como é que define a pobreza extrema?
Há um projeto muito interessante — o Witheconomy — que dá o exemplo de África. Para conseguir ter água potável, uma família africana tem de caminhar dezenas e dezenas de quilómetros com um barril em cima da cabeça. Levam cerca de um dia para fazê-lo e as crianças praticamente não têm hipótese de ir à escola. E a partir do momento em que sabes que bastam 25€ para uma pessoa em África conseguir ter água potável para a vida inteira, isto dá que pensar. Depois na pobreza extrema há principalmente a questão da fome, porque a partir deste problema são desencadeados outros problemas, como as muitas mortes prematuras, a curta esperança média de vida ou até a questão da emigração.
Em Portugal qual é o maior problema nesse âmbito? Agora e no futuro?
Acho que aqui em Portugal e nos países desenvolvidos vai ser mais a questão da transição tecnológica das empresas que poderá deixar algumas pessoas desajustadas ou que não vão estar adaptadas a essa realidade. Aquilo que se verifica neste momento é uma aceleração galopante e vertiginosa, onde as empresas têm que se adaptar para ontem, não há aqui grande tempo para amadurecer processos e as respostas têm de ser quase imediatas. Esta situação fará com que muitas empresas sejam reestruturadas e algumas pessoas terão de encontrar outro modelo de vida, outro modo de vida, outros empregos. Ou seja, existe um nível de desenvolvimento muito grande por parte das empresas que os trabalhadores não conseguem acompanhar. Portanto, quem se conseguir ajustar mais depressa ficará por cima; quem não se conseguir ajustar de uma forma mais imediata vai sofrer mais um bocado.
É importante termos consciência daquilo que estamos a consumir e a quem estamos a dar dinheiro, sabermos que esse dinheiro não vai contribuir apenas para o lucro de alguém, mas que vai sustentar postos de trabalho e também outro nível de riqueza social"
Um estudo recente da OCDE revelou que as famílias portuguesas de classe média são das que mais vivem acima das possibilidades. O Fernando tem a mesma opinião?
Os dados que temos é que, por exemplo, o crédito ao consumo voltou a disparar novamente e possivelmente é o que depois resulta neste tipo de resultados. Portanto, o que acontece é que essa situação não é uma riqueza sustentável.
Que gestos tem no seu dia a dia para ajudar os mais desfavorecidos?
A mais básica e que tem mais que ver com a sustentabilidade do planeta é que, por exemplo, sou vegetariano. Tudo o que está ligado à criação de gado e todo o impacto que isso acarreta, eu dou esse pequeno contributo. Também tenho essa preocupação em relação à agua. Acredito que com pequenos gestos e pequenos passos conseguimos criar todos juntos uma mudança e isto não é utopia. Depois, na minha área profissional, quando tenho de despender algum tempo para ajudar ou em termos de mentoria para alguma associação, também ofereço o meu tempo e também colaboro e apoio causas não tão conhecidas. Diria que no imediato, e no dia a dia, os meus contributos no âmbito social são estes.
E o que é que todos nós podemos fazer?
Acho que passa por apoiarmos negócios sustentáveis, com uma consciência social forte e de mudança. Todos os dias consumimos alguma coisa, de alguma forma, e é importante termos consciência daquilo que estamos a consumir e a quem estamos a dar dinheiro, sabermos que esse dinheiro não vai contribuir apenas para o lucro de alguém, mas que vai sustentar postos de trabalho e também outro nível de riqueza social. Penso que isso já era muito importante.
Considera que, por exemplo, em Portugal o aumento das rendas pode originar um novo género de pobreza?
Sim, sem dúvida e a vários níveis. Por um lado porque estamos a desalojar pessoas que estão há décadas no mesmo sítio, por outro estamos a castrar uma nova geração que tenta iniciar a sua independência e que não encontra formas para tal. Sem dúvida de que isso é um problema que o Estado precisa de começar a regular com maior eficácia.
E na sua opinião, qual será o futuro desses jovens que não conseguem sair de casa dos pais porque ganham pouco mais do que o ordenado mínimo?
Aquilo que tenho visto e que tenho acompanhado é que, quando isso acontece, há um período inicial que em alguns casos pode durar alguns anos, que causa muita angústia, depressão, não se consegue ver um futuro. Mas depois constato que essa malta dá um murro na mesa. O que costumo dizer é que já não há uma geração que quer pensar fora da caixa, mas sim rebentar com a caixa por completo. Então há esse período em que de facto as coisas não arrancam, em que estão dependentes desse tipo de fatores, mas que depois pegam no know-how que foram adquirindo ao longo do tempo e arriscam.
Depois da campanha ONE Vote, que outros projetos se seguirão?
Vou continuar com o festival das bandas pelo menos até novembro e também já estamos a tratar do próximo ano, inclusivamente com o ONE dos U2.