Estávamos em 2012 quando, de repente, as rádios já não passavam apenas a "Baby" de Justin Bieber ou a "See You Again" de Wiz Khalifa. A pop genérica que animava as noites das discotecas em Portugal tinha acabado de conhecer um novo rival — o som, a cor e a extravagância da música coreana que se fazia sentir com a chegada de "Gangnam Style", do artista Psy, ao YouTube.

A canção foi um sucesso e em apenas quatro meses tinha conseguido dois mil milhões de visualizações, assumindo-se como o vídeo mais visto de sempre de toda a plataforma digital. Foi a loucura total, com cada vez mais pessoas a entoar o refrão ou partes da música numa espécie de coreano arranhado e impercetível. Nas festas de verão, "Gangnam Style" era recebida com o mesmo entusiasmo que, por exemplo, "A Cabritinha" de Quim Barreiros.

Para tentar perceber a história por trás deste fenómeno, a MAGG foi falar com quem mais percebe do assunto — os fãs. Diana Ramos, Catarina Lalanda e Carina Nogueira são consumidoras de tudo o que envolva a cultura asiática e dizem que sentiram um boom em Portugal quando a canção de Psy se tornou viral. Mas não têm dúvidas de que aquela canção só representa uma parte daquilo que é a música pop coreana.

"Como em qualquer estilo, também no K-Pop há musica feita com o intuito de se tornar um hit mas não deve ser tomada a parte pelo todo, porque há vários grupos tão ou mais importantes do que o Psy que abordam temáticas mais sérias e importantes. Os BTS, por exemplo, são talvez o grupo com mais fãs em Portugal e são conhecidos pelas suas músicas sobre temáticas cada vez mais importantes do nosso século, como a saúde mental, a integração social e a auto-confiança. Tudo temas que fazem sentido debater numa sociedade cada vez mais frenética e, em alguns casos, conservadora", explica Catarina Lalanda.

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Os artistas vivem sob enorme pressão para atingir o sucesso, os fãs deliram com as músicas e até introduziram algumas palavras estranhas no vocabulário — como "hallyu", "sunbae", hoobae" e "bias". Diana Ramos, Catarina Lalanda e Carina Nogueira explicam o fenómeno.

A Onda Coreana e as palavras estranhas usadas pelos fãs

O termo é cada vez mais falado, e tornou-se viral depois de "Gangnam Style" tomar de assalto as estações de rádio, a televisão, a internet e as discotecas. Mas diz Carina Nogueira, 23 anos, e recém licenciada em Línguas, Literaturas e Culturas, que não foi só Portugal que foi apanhado de surpresa.

Qualquer grupo de amantes ou seguidores de uma determinada subcultura têm um conjunto de palavras que só eles conhecem. Faz parte de todo o processo de socialização quando há vários gostos em comum

"A própria Coreia do Sul recebeu uma atenção a que não estava habituada, muito devido à versatilidade da música e dos comediantes coreanos que foram convidados para aparecer no vídeo", o que contribuiu para que fosse tão divertido, irreverente e captasse a atenção daqueles que nunca tinham visto algo semelhante.

Mas o que é, na verdade, o K-pop? Para Diana Ramos, 24 anos e assistente de call center, é um movimento que representa a música pop sul-coreana. Há outros termos utilizados para identificar vertentes diferentes de música, como o K-rock ou o K-indie. Porém, defende, quando a ideia é falar da cultura musical da Coreia do Sul em geral, "é mais correto utilizar o termo K-music por ser mais abrangente."

Catarina Lalanda, 19 anos e youtuber, diz que também é comum associar-se este movimento a outras áreas do entretenimento, como as séries ou os programas. A explicação está no facto de tudo isso "despertar o interesse num verdadeiro amante de K-pop" — já que são áreas que costumam estar muito ligadas entre si.

A adesão por parte do público a este tipo de movimento originou um novo conceito conhecido como "hallyu" ou Onda Coreana. Para Carina Nogueira, estas são duas palavras que surgiram com a necessidade de explicar "a grande popularidade e propagação da cultura coreana no Ocidente, que não se aplica apenas à música." Há outras: "sunbae", por exemplo, usa-se quando nos referimos a um artista que está há muito tempo na indústria, enquanto "hoobae" é o oposto, e refere-se a alguém que tem poucos anos de carreira. "Bias" é talvez dos mais conhecidos e é utilizado para descrever o elemento favorito de um grupo musical.

Sunbae. Alguém que já está há muito tempo na indústria

Hoobae. Alguém que é novo no meio

Aegyo. Algo ou alguém muito fofo

Sasaeng. Fãs fanáticos e desrespeitosos

Hallyu. Onda Coreana

Mas há ainda outro menos simpático que identifica aqueles fãs fanáticos que fazem de tudo para chamar a atenção dos artistas. Esses são os "sasaeng", que podem agredir, perseguir e invadir a privacidade do artista, tudo para conseguirem uns minutos de atenção.

"Qualquer grupo de amantes ou seguidores de uma determinada subcultura têm um conjunto de palavras que só eles conhecem. Faz parte de todo o processo de socialização quando há vários gostos em comum", diz Catarina Lalanda, que não esconde que embora já conhecesse o universo do K-Pop há muito tempo, só em 2015 é que teve um primeiro contacto com alguns dos grupos mais conhecidos.

Além do treino, que é muitíssimo intensivo, o artista tem ainda de saber dançar, cantar, e corresponder a certos padrões de beleza impostos pela sociedade conservadora em que vivem. A pressão é tanta que muitos são obrigados a operações plásticas

Já Diana Ramos e Carina Nogueira tiveram um primeiro contacto ainda em 2012, precisamente na altura em que "Gangnam Style" se tornou um hit mundial.

"Eu já era consumidora de cultura japonesa desde 2009 através das séries de anime, manga e do cosplay, mas foi no fórum Sailor Moon Portugal — na altura, uma das maiores comunidades de fãs de Sailor Moon — que passei a ter mais contacto com algumas das figuras mais conhecidas da onda hallyu", revela Diana Ramos, que não tem dúvidas de que a internet teve um papel fundamental para a ajudar a descobrir mais e novos grupos coreanos.

A experiência de Carina Nogueira é semelhante, mas tudo aconteceu no Facebook quando uma colega partilhou uma fotografia de um membro de uma banda coreana com um estilo muito próprio. "Fiquei intrigada, fui pesquisar, e foi assim que viria a conhecer a minha primeira banda de K-pop, os EXO. Mas nunca tive a oportunidade de agradecer à minha colega de escola que, sem saber, me introduziu a este mundo maravilhoso."

O sucesso, a luta pela perfeição e a pressão sobre os artistas

Mas apesar de ser um "mundo maravilhoso", cheio de cor e de boa produção a nível musical e visual, é também um meio muito competitivo e até ingrato para os músicos — quer para quem já é bem-sucedido, como para quem está a começar. À MAGG, as três fãs disseram não ter dúvidas de que o sucesso passa pelo empenho dos artistas, que trabalham arduamente para que as coreografias estejam sincronizadas ao milímetro, seja em videoclipes ou em atuações ao vivo.

Kim Jong-hyun era um dos membros da banda Shinee e a sua morte abalou o mundo

É que desde muito jovens que são obrigados a treinar horas a fio, com a agravante de muitos não conseguirem garantir uma estreia a solo ou em grupo. Agora, numa altura em que há cada vez mais artistas, são poucos aqueles que se conseguem distinguir e acabam mesmo por desperdiçar anos de vida uma vez que o sonho nem sempre dá certo.

  • Red Velvet
  • Shinee
  • TVXQ
  • 2NE1
  • Wonder Girls
  • BTS
  • EXO
  • FTISLAND
  • Super Junior
  • CNBLUE
  • BIGBAND

"Além do treino, que é muitíssimo intensivo, o artista tem ainda de saber dançar, cantar, e corresponder a certos padrões de beleza impostos pela sociedade conservadora em que vivem. A pressão é tanta que muitos são obrigados a operações plásticas para atingirem esse nível de perfeição", conta Carina Nogueira.

Para Catarina Lalanda, esta procura pela perfeição nas suas vidas é um elemento que acaba por transparecer na música através das vozes que nunca podem estar desafinadas, das coreografias que têm de estar sincronizadas ao segundo, e da componente estética que deve ser o mais deslumbrante possível.

"A persistência e a perfeição são valores bastante incutidos na cultura coreana, mas não creio que seja assim tão transcendente pois, geralmente, temos de trabalhar para atingir as nossas metas no dia a dia."

Mas só muito recentemente se começou a falar da pressão a que estes jovens estão sujeitos durante uma vida inteira enquanto procuram singrar na área do entretenimento. O debate começou quando, em 2017, foi notícia pelo mundo inteiro que Kim Jong-hyun, um jovem de apenas 27 anos e membro de uma das bandas mais conhecidas de K-pop, os Shinee, se tinha suicidado.

A ideia geral que se tem é que se são ricos, bonitos e talentosos, não têm nada que os possa afetar, o que certamente agrava o problema. Para Catarina Lalanda, a falta de apoio a um artista é o suficiente para o deixar "a um dia mau do abismo

A comoção foi geral e o assunto esteve por diversas vezes no topo dos temas mais discutidos no Twitter, mas nenhuma das fãs acredita que esta situação tenha sido somente consequência da pressão a que Jong-hyun estava sujeito — embora não tenham dúvidas de que certamente terá influenciado.

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"Era sabido que o artista estava a passar por uma crise de ansiedade e depressão, e não ajudou o facto de as doenças mentais ainda serem um tema muito pouco compreendido na Coreia do Sul", revela Carina Rodrigues, que acredita que ainda há muito para fazer neste campo em que são poucos os artistas que procuram ajuda com medo de sofrerem represálias.

É que neste meio ultra competitivo e injusto, são vários aqueles que são vistos com maus olhos quando procuram ajudam. A ideia geral que se tem é que se são ricos, bonitos e talentosos, não ha nada que os possa afetar, o que certamente agrava o problema. Para Catarina Lalanda, a falta de apoio a um artista é o suficiente para o deixar "a um dia mau do abismo".

"Por muito grande que seja a legião de fãs de um determinado grupo, os comentários negativos e de ódio pesam muito mais, especialmente quando são críticas a erros (que são raros, mas que acontecem) dos artistas. E este é um problema que reside na desvalorização por parte de algumas pessoas em relação à dignidade de cada um."