Há quatro dias Sergio Odeith perguntava no Instagram: "O que acham que vai ser pintado desta vez?". As respostas foram variadas e incluíram "um jerrican de gasolina", não fosse a greve dos motoristas de matérias perigosas o tema da semana. Mas só uma pessoa descobriu: "um autocarro". Esta simples palavra acompanhada de um emoji foi a resposta certeira para o que viria a ser revelado dias depois.

O grafitter de 43 anos mostrou ontem o resultado final. Uma parede velha foi transformada num autocarro que, apesar de novo naquele local, já aparenta estar destruído. Mas a ideia não surgiu de imediato. Foi ao local com uns amigos no dia anterior, mas ia sem inspiração. As tintas ficaram no carro e acabou por seguir para casa. A ideia surgiu apenas depois de uma sesta. No dia seguinte voltou ao local — uma fábrica abandonada em Vila Franca de Xira — e foi aí que fez a pintura. O artista conta ao "Bored Panda" que demorou "aproximadamente 10 horas" e usou "cerca de 30 latas de spray".

O mais recente trabalho de Odeith tornou-se viral. Depois de ser publicada no Instagram, que conta já com mais de 300 mil seguidores, a fotografia da obra ganhou cerca de 80 mil gostos em menos de sete horas. O número não estagnou e é cada vez maior — a publicação conta já com 116 mil gostos.

'Aqui está o resultado final, a transformação de um bloco de parede velha num autocarro destruido', refere Odeith na descrição da fotografia no Instagram

Mas o português teve um longo percurso até chegar à técnica do graffiti em 3D. A MAGG falou com manager, João Reis, que nos contou que o gosto de Sergio pela pintura começou desde pequeno. "Com cerca de 11 ou 12 anos começou a ter interesse pelo desenho. Depois surgiu o interesse pelo graffiti, em Carcavelos, onde iniciou o grafitti normal, pintado primeiro na rua e em linhas de comboio. Na altura não havia redes sociais, apenas revistas, e foi a partir daí que começou a sua carreira no street art."

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Sergio é um auto-didata, já que Odeith não tem formação em pintura. A experiência vem do seu percurso: passou por aquilo que ele e João Reis chamam de "7º ano na escola da Damaia", local onde cresceu. O próprio artista referiu à revista Sábado que viver na Damaia foi determinante e que ver as diferenças sociais foi o que o motivou. "Quis pintar o muro que dividia a Cova da Moura dos prédios recentes", oportunidade que surgiu na década de 90.

Trabalhou ainda com o pai a construir móveis para casas (mantendo o graffiti sempre em paralelo com esta ocupação) e seguiu-se o trabalho como tatuador. Abriu três estúdios, o primeiro em 1999, mas o último fechou portas em 2008 para Odeith viajar para Londres.

Pelo meio surgiu o projeto anamorphic, reconhecido internacionalmente em 2005 pelas obras em diferentes superfícies, como em esquinas de 90º ou da parede para o chão, que criam um efeito de ilusão de ótica. "Em picardia com um amigo, o Sergio pintou o chão e quando o fotografou percebeu que a pintura parecia flutuar". João Reis conta que foi assim que começou um dos projetos que melhor identifica o estilo próprio de Odeith.

Neste projeto podemos identificar ainda um dos maiores traços das obras que Sergio tem desenvolvido ao longo dos anos — os insetos e os bichos rastejantes. O grafitter tem um enorme gosto por estes animais e não faltam exemplos na sua página de Instagram ou do blog, onde se podem ver aranhas ou louva-a-deus gigantes (que parecem mesmo reais). Mas as composições artísticas passam também mensagens: retrata muitas vezes espécies em via de extinção e a problemática ambiental relacionada com os plásticos.

A criatividade de Odeith já fez com que o artista tivesse trabalhado com empresas nacionais e internacionais conhecidas, como a Coca-Cola, a Samsung, a London Shell e também o Sport Lisboa e Benfica. Além destas, colaborou ainda com a Câmara Municipal de Lisboa e de Oeiras, locais onde fez vários murais. Quanto a eventos, passou por locais como o Meeting of Styles, na Alemanha, Museum of Public Art, em Louisiana, nos EUA, ou o MuBE – Museu Brasileiro da Escultura, em São Paulo, Brasil.

Louisiana é um local especial para Odeith, isto porque foi aqui que expôs o crocodilo que foi umas das primeiras obras a tornar-se viral e que lhe valeu uma entrevista à CNN.

'Com todo o burburinho com esta obra, eu nunca publiquei uma imagem de perto para os seguidores do Instagram'

As tintas spray de Odeith vão viajar de seguida para Genebra, na Suiça, para desenvolver um projeto no Village du Soir. Depois voltam para Portugal e é nas ruas da Amadora que o artista vai fazer arte no projeto Conversas na Rua. Por fim, o grafitter português vai para a Austrália continuar a fazer correr tinta, na parede e nos media.