"Farta" pode ser entendido de duas formas: farta no sentido de estarmos satisfeitos de comida e farta de "estarmos fartos de tratarem a gastronomia popular como se fosse uma coisa menor". E por estar farto disso, como é sublinhado no manifesto da nova publicação, o brasileiro Rafael Tonon decidiu criar uma revista dedicada à cultura gastronómica portuguesa e não aos últimos restaurantes nas cidades ou a receitas que ousam recriar o tradicional.

Rafael Tonon é jornalista gastronómico há pelo menos 10 anos e vive no Porto há cerca de quatro. Até cá chegar, passou pelo conhecido jornal "Folha de S.Paulo" e pela "Forbes", e já por cá começou a colaborar com o "Público" e o "Expresso". Apesar de serem tempos incertos para a imprensa, que já viu piores dias, o jornalista decidiu apostar numa revista, sem medos.

"A revista como objeto está a ganhar muito mais repercussão mundial. As pessoas gostam muito de revistas, principalmente este tipo de revista, que é de nicho. Comparo muito este tipo de revista com o que voltou a ser o vinil. Algumas pessoas gostam de ouvir música e preferem comprar e ouvir num vinil em vez de ouvir numa aplicação ou Spotify. Ou seja, acho que existe um culto por detrás destas revistas. Mais do que uma revista de consumo, é uma revista de objeto, para guardar, para ter", refere Rafael Tonon à MAGG.

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A "Farta" é assim uma revista que é para ler, para guardar e até para decorar a casa — modalidade de que falaremos adiante. Isto porque urge agora perceber, afinal, que "tipo de revista" é esta que é de ninho, mas todos os que são fãs de francesinhas, tema da primeira edição, vão querer ter.

"É uma revista sobre a comida popular portuguesa. Falo popular porque queremos falar sobre a comida que as pessoas realmente comem todos os dias. Acho que a imprensa, de uma maneira geral, fala muito na gastronomia virada para os restaurantes e o que queria mostrar é que existe uma cultura gastronómica por detrás desses pratos populares muito consumidos", explica o jornalista e co-responsável da revista.

Este quase manual gastronómico é semestral e cada edição, com mais de 100 páginas, é focada numa receita. Mas não há receitas. Nas várias páginas são contadas histórias dos pratos, de quem os faz, de quem os come e de quem os venera.

"Tentamos trabalhar o prato não só do ponto de vista gastronómico, como também do ponto de vista cultural. Ou seja, por exemplo, nesta primeira edição sobre a francesinha, contamos a história das pessoas que fazem francesinha. Ou quais são os limites da francesinha. E a relação dos portuenses com a francesinha: porque é que virou quase um ex-líbris no Porto", refere Rafael.

A revista "Farta" é uma ideia de Rafael, que assume que sempre adorou revistas, e de Bruno Soares, Eduardo Rodrigues e Ricardo Barbosa do estúdio de design Another Collective, que partilham o mesmo gosto, incluindo por comida.

Como escolher um segundo número?

A nova revista é sobre a cultura gastronómica portuguesa, mas o que é facto é que está a conquistar o mundo, em especial a Ásia. Afinal, não somos só conhecidos pelos pastéis de nata ou pelos pastéis de "bacalhau".

"A 'Farta' acabou de ser lançada, ainda nem temos em muitos retalhos em Portugal, e já vendemos para a Inglaterra, para a França, para o Japão", conta Rafael. "Um japonês mandou uma mensagem a dizer: 'Olha, vi que estão a lançar uma revista sobre uma sanduíche portuguesa, então eu quero. Manda-me 10 cópias'. Ele nem sabia sobre o que era", continua.

Rafael Tonon já previa que a nova revista tivesse potencial a nível mundial, por isso, a "Farta" foi projetada desde início como uma revista bilíngue de modo a chegar a um público maior.

A nós, portugueses, interessa-nos a coluna na língua mãe, mas há um fator que é universal: as fotos. Só a capa da primeira edição revela que o interior está cheio de tentações em forma de "sanduíche portuguesa", que é como quem diz: uma bela francesinha.

É possível comprar (não a francesinha, a revista) no site, pelo valor de 18€, e também em alguns pontos físicos em Lisboa e Porto. São eles o Stay Wise, no Porto, e a Kitchenette e o espaço Under the Cover, em Lisboa. Além da revista, é ainda possível adquirir a arte que está dentro das centenas de páginas apetitosas. 

"Nesta edição, temos uma ilustração de uma ilustradora do Porto, a Min, do que ela imaginava que era uma francesinha desconstruída. Temos também um ensaio de um fotógrafo que visitou os sítios de francesinha preferidos dele e fez fotos da mesa só com a francesinha, sem ninguém. Uma foto dele e uma ilustração também estão à venda no site para colocar na parede de casa", refere Rafael Tonon.

Escolher o primeiro prato foi fácil, dado que Rafael vive no Porto e o Another Collective tem sede em Matosinhos. Já o segundo, que fará parte da edição lançada no segundo semestre do ano, está ainda a ser preparado porque não há um consenso sobre o apetite.

Ideias não faltam, tanto pode ser um croquete como um pão de ló, mas até que isso aconteça, pode descobrir as histórias da francesinha ao folhear a nova revista de que se vai fartar a meio por uma razão: vontade incontrolável de comer uma verdadeira francesinha.