Abriu como quem não quer a coisa, de mansinho, sem publicidade, quase que com medo de se mostrar. Não vemos razão para isso. Abram-se em par as portas à comida de verdade, àquela que sabe realmente aos ingredientes com que é feita. Lembram-se dessa sensação? Se a memória estiver demasiado temperada com especiarias, molhos e açúcares, aconselhamos uma visita ao Botanista, o novo vegano de Lisboa, no qual a ideia é mostrar o verdadeiro sabor da comida.
Catarina Gonçalves traz consigo uma bagagem de respeito. Afinal, é ela a cara por trás do 26 Vegan Food Project, que muitos apontam com o melhor restaurante vegano da cidade. E não é que esse espaço não lhe desse já trabalho — e orgulho — mas sentiu necessidade de criar um restaurante onde pudesse dar espaço ao seu lado mais natural e próximo dos ingredientes. Isto porque, se no 26 existe a tentativa de veganizar alguns dos pratos mais típicos da nossa gastronomia, no Botanista a ideia é ir ao que de mais natural os ingredientes podem ser. "O 26 continua a fazer sentido e lá os pratos adaptam-se às nossas memórias gostativas. Já o Botanista funciona quase como uma homenagem ao mundo vegetal", explica à MAGG a responsável.
Num sítio onde não entra qualquer tipo de produto de origem animal, são mesmo os vegetais a reinar. E para tornar isso possível, além de fazer questão de comprá-los a quem os sabe produzir, Catarina Gonçalves optou por reduzir ao mínimo indispensável tudo aquilo que, segundo ela, pode "mascarar sabores", como é o caso do sal, dos molhos e das especiarias.
Em conjunto com André Baptista, com quem já trabalhava no 26, criou uma carta com poucos processados e onde até o pão, as massas frescas e as bebidas vegetais são feitas no restaurante.
Dividiram o menu pelas diferentes opções, ainda que, na verdade, a comida aqui não tenha hora. Todos os itens do menu são servidos todo o dia, o que exige bastante da cozinha. "Temos que estar preparados para servir um revuelto de batata doce às 9 da manhã ou umas papas de aveia às 19 horas". Revuelto de batata doce? Falem-me mais sobre isso.
Uma carta para todas as horas e apetites
"Ao acordar". É assim que começa o menu do Botanista, com as opções que Catarina Gonçalves chama "mais convencionais", a pensar no pequeno-almoço. Por aqui é possível encontrar muffins de quinoa e framboesas (2,50€), papas de aveia com cardamomo, limão e damascos (4,5€), açaí cremoso com mirtlos e granola (6€) e, atentem ao nome, um trio de waffles (6,5€) com ingredientes como banana caramelizada, caramelo salgado, pêssegos assados, chocolate ou manteiga de amendoim. Podíamos ficar já por aqui, não era? Mas não.
A secção de brunch foi desenhada à imagem daquilo que Catarina assume como tal. "É aquela refeição em que já não apetece comer só um iogurte com granola, apetece algo mais composto e que se possa até partilhar", refere. É por isso que aqui a escolha pode direcionar-se para as bruschettas (4,5€ a 6€), as gyozas com salada sunomono (6,5€), a frigideira turca com tomatada e bacon de tempeh (6€), portobello recheado com quinoa, pimentos e pickles (6,5€) ou o tal revuelto de batata doce, feijão, tomate assado e crème fraiche (6€). Ainda nas opções de brunch, existem dois pratos crudívoros: o mil folhas de curgete e aipo com espuma de tomate e cogumelos (9€) e os crudles (noodles de curgete e cenoura) marinados com pesto e tofu (8,5€).
Já nos pratos principais, as opções vão desde noodles de arroz em caril frutado de manga (9,5€), hambúrguer de tempeh e cogumelos (9,5€) ou salteado de arroz integral, legumes grelhados e molho asiático (8€), o preferido de Catarina Gonçalves. "Até já lhe chamam a ração da patroa", brinca.
Mas é na última parte da carta que Catarina Gonçalves tem focado a sua atenção. "Virei-me recentemente para as sobremesas e quis que nenhuma fosse servida com açúcares refinados", explica. Tudo aqui é adoçado com açúcar de coco, tâmaras e agave, mas desengane-se quem acha que por isso se perde aquele doce que uma sobremesa pede. "Fiz uma mousse de chocolate tão parecida com a que fazia quando comia ovos, manteigas e açúcares, que até estranhei a primeira colherada", garante. Da lista de sobremesas fazem ainda parte a tarte de limão com tomilho (4,5€), a frigideira de pêssegos assados, crumble e gelado (4,20€) e o Caramelo nº 5, uma sobremesa que Catarina Gonçalves idealizou enquanto dormia. "Um dia sonhei com uma sobremesa daquelas que se podem levar para comer na rua, tipo queque, e que quando trincamos sai chantili pelos lados, estão a ver?". Foi assim que nasceu o Caramelo nº 5, um bolo cujo nome teve inspiração no Chanel Nº 5, porque, refere Catarina, "gostamos de plantas mas também somos sofisticados".
A carta fica completa com uma vasta lista de chás, cafés, smoothies, milkshakes, vinhos e refrescos. "Esta mistura de sabores foi muito divertida de se fazer", salienta a responsável. O resultado está em, por exemplo, milkshakes gulosos sem açúcares e refrescos feitos com tanto cuidado que passam bem por cocktails sem álcool.
Um espaço de partilha
Para já, apenas o amplo rés do chão está aberto ao público, mas é impossível deixar de reparar numa escadaria que dá acesso a um primeiro piso ainda em transformação. É que ali, além da cozinha, há um espaço que Catarina e André querem rentabilizar de forma a unir toda uma comunidade de veganos e, digamos, simpatizantes.
Vão começar por aulas de ioga, para já só com o staff, mas mais tardes abertas ao público. Além disso, a mesma sala poderá servir como espaço de partilha entre pessoas com os mesmos interesses. "Parece que não, mas a comunidade vegana, principalmente aquela com negócios na área, não é assim tão grande. Gostava de ter aqui um espaço onde nos pudéssemos reunir, com uma biblioteca, por exemplo, workshops ou simplesmente para trocar ideais".
André dá mais pormenores sobre a rentabilização do espaço e garante que, no futuro, pode servir de apoio a pequenos negócios na área. "Imaginemos que alguém tem uma marca de granola, mas não consegue produzi-la em casa, ou alguém que faz comida em casa para venda, mas de repente tem um evento para cem pessoas e precisa de um espaço maior para cozinhar". É no Botanista que vai encontrar a solução, com a possibilidade até de que os seus produtos, se aprovados pela gerência, possam vir a integrar a ementa.
Enquanto estas novidades não chegam, aproveitemos o piso térreo, aberto de segunda a sábado, com uma carta a funcionar sem hora marcada, a não ser a de abertura — 9 horas — e a de fecho, 20 horas.