Renato Godinho regressou às origens e está, desde 13 de novembro, em cena com a peça "Yerma", que assinala os 55 anos do Teatro Experimental de Cascais (TEC), onde se formou. O ator de 39 anos, que os telespectadores também podem ver na novela da SIC "Terra Brava", conversa com a MAGG sobre a importância do papel dos artistas e da cultura num ano tão atípico e difícil e mostra-se preocupado com o crescimento galopante do individualismo.
"Yerma" estreou-se nos 55 anos do Teatro Experimental de Cascais e também num dos piores anos de sempre para a cultura portuguesa. São responsabilidades acrescidas?
Parece-me que a responsabilidade dos artistas nunca foi tão grande. É imperativo sermos o garante da conexão da humanidade com o seu passado e com o seu futuro. A dormência intelectual e "espiritual", se quisermos, está cada vez mais densa, fruto da natureza descartável da nossa rede social, do sacrifício de valores em relação às necessidades materiais e do brutal relevo que a tecnologia assumiu no nosso quotidiano.
O que significa para si dar corpo a esta história e, em particular, a este Juan?
Significa preencher com muito subtexto uma personagem que, à primeira vista, não é tão complexa como demonstrou ser. É também esse o trabalho do ator, aprofundar o trabalho já de si profundo do autor.
Tal como Sara Matos, também se formou no TEC. Em retrospetiva, de que forma é que a formação teve impacto na sua ética de trabalho, nos seus rituais de construir personagens?
De uma forma absoluta. Aprendi a profissão com o Carlos Avilez. É o meu "pai" do Teatro. É fundamental o trabalho que faz na Escola Profissional de Teatro de Cascais, onde todos os anos forma dezenas de jovens que saem da escola com uma ideia mais mística em relação à profissão. É uma figura notável, o Carlos Avilez. Mais de 60 anos dedicados com inigualável paixão ao teatro, fazem dele um dos maiores embaixadores da nossa cultura. A mim ensinou-me que a profissão que escolhi é a mais bonita do mundo!
Tanto o Juan como a sua última personagem televisiva, Tiago de "Terra Brava", são de grande carga emocional, homens complexos. Como é que o Renato, enquanto ator, se protege emocionalmente para deixar estes homens fora de casa?
Não é uma questão de proteção. No meu processo, quanto mais exposto estiver, quanto mais fundo for, mais perto estou de deixar a personagem no camarim quando vou para casa. O que tenho a resolver com as personagens resolvo no palco ou no plateau. Não quer dizer que não exerçamos uma influência mútua. Sou de carne e osso. É normal que nos misturemos um pouco durante o processo, mas de uma maneira saudável.
Falando de emoções, como é que tem gerido, como ator, como cidadão, este ano?
Tenho gerido da mesma forma que giro o resto da minha vida: o que depende de mim, faço sempre com o maior dos positivismos, o que não controlo, deixo ir e não sofro. Costumo contar uma história antiga, da 1ª Guerra Mundial: a um soldado moribundo, ferido, às portas da morte, perguntaram por que sorria, e ele respondeu que sorria porque a alternativa era chorar.
O que é que o tem mantido animado e focado?
O papel fundamental que mencionei na primeira resposta. Sermos fundamentais na saúde das pessoas que nos procuram em busca de inspiração, respostas, perguntas ou simplesmente entretenimento — uma palavra que detesto.
Em termos sociais, o que é que o preocupa mais no conjunto imenso das consequências desta pandemia?
O aprofundamento do individualismo. Houve uma emancipação enorme do individualismo no séc. XX. As pessoas começaram a querer sair do rebanho. A ter uma voz, gostos próprios, uma identidade. Estamos numa era em que essa emancipação foi levada para além do limite, e não foram identidades individuais que se criaram, foram entidades individuais.
Costuma partilhar nas redes sociais a sua paixão por carros e motas. Se pudesse escolher uma viagem de sonho para fazer de mota, qual seria o percurso?
Toda a Europa. Começando pelo Sul, regressando pelo Norte. Está na lista.