
Numa altura em que os extremismo aumenta por todo o mundo, em que a crença na classe política anda em níveis idênticos aos da bandidagem, e em que cada vez mais gente começa a questionar se a democracia é mesmo o melhor sistema à excessão de todos os outros, os moderados, os partidos de centro, democratas, responsáveis, assumem uma função cada vez mais importante. Decisiva, até.
É a eles que cabe a função de mostrar que sabem resistir ao populismo e à demagogia. É a eles que cabe a função de mostrar às pessoas que o caminho da correção, da honestidade, da verticalidade é o único, mesmo que seja aquele que pareça mais difícil, e mesmo que assumir isso implique perder votos.
Ser um político sério e responsável não é prometer aumentos para os pensionistas sabendo que a sustentabilidade da Segurança Social está comprometida e não haverá dinheiro para pensões daqui a 20 anos.
Ser um político sério e responsável não é querer destruir um adversário político direto mesmo sabendo que esse adversário faz parte do núcleo dos moderados, dos não-populistas, dos democratas — porque isso só vai abrir caminho para os extremistas.
Ser um político sério e responsável é tomar decisões que não vão agradar a muita gente no curto prazo, mas que irão beneficiar muitas mais no futuro. É mudar, reformar o que está mal, e ter a capacidade de inverter caminhos se as políticas em que acreditámos não resultarem — e meter a ideologia na gaveta, se a ideologia nos estiver a levar ao abismo.
Ser um político sério e responsável é pensar no bem do País, das pessoas, e colocar Portugal e os interesses da Nação acima da sede de poder, de protagonismo e de ambições pessoais.
Portugal tem cada vez menos políticos sérios e responsáveis — é olhar para a composição do Parlamento atual. E os dois políticos que deveriam liderar este processo de normalização da vida política, de recentralização e moderação do pensamento político — Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos — estão a falhar em toda a linha.
O preço que ambos pagam por isso é que cada vez menos pessoas acreditam no pensamento moderado, votam nos partidos moderados, porque simplesmente deixaram de acreditar que os políticos moderados vão fazer política a pensar nelas, porque acham que, em primeiro lugar, vão fazer é pela sua vidinha e pela vidinha dos seus camaradas de partido.
Claro que os populistas têm a solução para isto — como têm sempre uma solução simples para os problemas mais complexos — que é: vamos correr com estes todos dali, vamos limpar a política desta gente. E isto cola. Claro que ninguém que vota nos partidos demagogos e moralistas se pergunta “e depois?”. É. E depois? Quem é que vai para lá? São os Arrudas das malas que nos vão governar? Os Blocos moralistas que despedem mulheres acabadas de ser mães e contratam ex-líderes? São os comunistas que apoiam a Rússia e continuam com a cassete do “grande capital”? Isso não interessa nada. O que importa é correr de lá com estes. E muita gente vai nisto.
Por estes dias, e durante os próximos meses, vamos assistir a um espectáculo deprimente de uma luta na lama dos dois partidos que deviam ser os adultos na sala. Ambos irão olhar para os portugueses como um grupo de mentecaptos e vão tentar convencer-nos de que a culpa da crise política é do outro. E unicamente do outro. Vai ser isto a campanha eleitoral. Isto, e a devassa da vida privada, familiar e profissional de Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, em busca de podres que possam levantar dúvidas legais, éticas ou morais sobre o adversário.
Não se vão discutir as horas de espera nas urgência, a falta de professores, a sustentabilidade da segurança social, a necessária e eternamente adiada reforma da Justiça, os baixos salários, o preço das casas, a falta de futuro para os nossos filhos, que são as coisas que verdadeiramente interessam para a nossa vida. Não. PS e PSD vão discutir a culpa. De quem é a culpa. Como se nós — os tais mentecaptos — votássemos unicamente em função da culpa.
Perguntem aos eleitores de Oeiras se Isaltino Morais teve culpa de ter sido preso. Teve. Toda a gente sabe que teve. E perguntem-lhes depois em quem votaram nas duas últimas eleições autárquicas.
Eu sou dos que jamais votariam num candidato condenado por crimes no exercício da função de cargos públicos, independentemente da competência com que tenha executado a função. Prefiro um candidato não tão bom, mas honesto, do que um Ronaldo da política que compra árbitros e vicia resultados para ganhar dinheiro por fora. Mas isso sou eu. Muita gente não pensa assim. O “rouba mas faz” ainda domina o pensamento de muita gente, e é com isto que temos de viver. Mas, felizmente, não são todos assim. E não acredito (ou não desejo) sequer que a maioria seja assim. Mas não sei, ninguém sabe, são instintos, não há sondagens sobre estas coisas.
Isto para dizer que na hora de ir às urnas os portugueses vão querer saber, sobretudo, quem é que os vai governar melhor. E não se quem nos vai governar teve 60, 70 ou 80% da culpa na crise política. Essa discussão interessa sobretudo aos que vivem na bolha da política e da comunicação.
Só que Luís Montenegro não é Isaltino Morais, porque não teve tempo para construir a obra que Isaltino deixou em décadas em Oeiras. Mas também não é Isaltino Morais porque não cometeu qualquer crime. Não há sequer indícios de crime. Há erros (claro), há possíveis conflitos de interesse futuros, e há suspeição de conversa de café, que vem sobretudo de quem não vota à direita.
Ou seja, Montenegro não teve tempo suficiente para construir obra, legado, para agora o mostrar. Lá está, há bons indicadores económicos, há sinais importantes (resolveu a guerra com os professores e agentes de segurança, inverteu o rumo nas políticas de imigração, conseguiu atrair negócios relevantes como a construção do novo elétrico da Wolksvagen na AuroEuropa), mas isso não lhe serve para uma maioria absoluta, como talvez acreditasse que poderia ter quando não travou esta crise a tempo.
Isto vai resultar numa campanha em que o PSD não tem assim tanto para dizer sobre política, o PS não tem assim tanto para atacar com argumentos políticos, restar-nos-á a lama. O ataque pessoal. A suspeição mesquinha de café levada para comícios. O escarafunchar no passado para trazer à tona algo que se assemelhe a uma falha legal, ética, moral, vale tudo, é o que se encontrar. Se não se encontrar nada, especula-se, não há problema. Valerá tudo.
É o que temos. Infelizmente.
(Esta crónica não é para discutir culpa ou de quem é a culpa, até porque isso não vale uma crónica, quando mais dois meses de discussão até às eleições. Isso resolve-se numa linha. Os culpados são os dois, em doses iguais. Ponto.)