Vou contar-vos uma história. Durante cinco anos, sempre que ia à triagem das urgências do hospital recebia uma pulseira com os meus dados. Nada de estranho até aqui, exceto que tinha um M de masculino na indicação do sexo. Caso não tenham apanhado o meu nome, chamo-me Marta. E sou do sexo feminino.

Foram cinco longos e tortuosos anos a ter de enfrentar gripes e constipações sabendo que alguém tinha olhado para mim um dia e achado que eu era um homem. Ou talvez se tenha simplesmente enganado. Fosse como fosse, fraca, debilitada e doente, tive que encontrar forças para lidar com isto. E aquele M estava em todo o lado, desde o meu pulso até aos resultados dos exames.

Obviamente que estou a ser irónica. Durante cinco anos, foi-me completamente indiferente se tinha um M ou um F na pulseira. Tanto que só me apercebi que o erro deveria ter sido detetado quando um dia olhei para o papel e tinha a letra certa. Certamente que se fosse um dos ofendidinhos com as questões de género, a esta altura estaria em tribunal a defender o direito a uma indemnização por ofensa ao bom nome, reputação ou danos morais. Quem sabe. O mundo enlouqueceu de tal forma que é tudo possível.

Estamos a ficar malucos com as questões de género. É óbvio que existem lutas a travar, que as mulheres continuam a ganhar menos do que os homens, que ainda existe discriminação e preconceito, e que tudo isso deve ser falado, discutido e comentado. Completamente diferente é estarmos a cair no ridículo. Mais do que ofendidos por sermos M ou F, o grande problema agora é as letras M ou F existirem. E isso eu não consigo mesmo compreender.

Queremos a todo o custo uma sociedade sem género. Parece que é a nova moda do politicamente correto, sem mulheres nem homens não ofendemos ninguém. Daqui a nada, somos todos Alex porque é um nome unissexo e assim todos os géneros são respeitados.

No início da semana passada, a jornalista Ana Luísa Bernardino escreveu um artigo sobre Eduardo, um aluno do 11.º ano que defendeu que a roupa não tem género e a professora não concordou.

O Eduardo é um bom exemplo neste assunto. Num teste de Inglês, ele defendeu que todas as peças podem ser usadas por homens e mulheres, incluindo gravata, boné e collants. Na minha opinião, isto é um exagero — é apenas um teste — e é óbvio que tudo pode ser usado por toda a gente, mas continua a haver uma maioria. E a verdade é que a maioria dos homens não usa collants e a maioria das mulheres não usa gravata.

Para mim, que tenho 29 anos, considerar isto ofensivo é estranho. Mas o adolescente tem 16 anos, é um ativista quase desde que começou a falar e quis, mais do que ver as suas respostas certas, discutir o assunto. E isso sim foi o grande erro nesta história toda: em vez de dar abertura para que se discutisse o tema na aula, a professora ameaçou-o com uma falta disciplinar.

Tendo em conta que estamos numa era em que este é um assunto premente, e o público-alvo eram jovens ainda em formação de personalidade, fazia todo o sentido que o assunto fosse abordado. Certo. Concordo. Completamente diferente é tornar isto numa batalha global, travada quase exclusivamente nas redes sociais. Neste momento fica bem dizer que se é contra o cor-de-rosa e o azul, ou contra as palavras homem e mulher. Sabem que mais? É também estúpido.

A verdade é que a maioria das miúdas gostam de cor-de-rosa e a maioria dos miúdos gosta de azul. Vou ficar chateada porque o meu filho quer brincar com a Barbie ou andar de cor-de-rosa? Não. Mas também não vou criar uma revolução porque a maioria da roupa de bebé é azul.

Estamos a cair no ridículo quando a Porto Editora fica debaixo de fogo porque lança livros para meninas e para meninas e a McDonald’s deixa de ter brinquedos diferentes para meninas e meninos. O sexo masculino é diferente do feminino. É biológico, não é uma convenção da sociedade. Se o meu filho, repito, gostar muito de coisas para raparigas, se calhar eu compro-lhe o livro para as meninas ou peço o boneco cor-de-rosa. E pronto, o assunto fica resolvido.

Nas escolas francesas, o governo queria abolir as designações “mãe” e “pai”. Por cá, o cartão de cidade podia perder a referência ao género — ou não, não sabemos muito bem, porque o governo diz que afinal foi um “lapso”. Onde é que isto vai parar? Caramba, daqui a nada já não posso dizer que sou mulher. “Não, o termo correto é ‘ser humano’.”

Não tenho nada contra as pessoas que não se identificam com nenhum género e querem ter a possibilidade de mostrar isso nos seus documentos legais. Pelo contrário, têm tanto direito a isso como eu tenho de ser mulher. Mas deixem-me lá gostar de cor-de-rosa e dizer que sou do género F, ok? Ou M. No final do dia, não magoa ninguém.

Esta semana, a MAGG lançou o primeiro episódio de “Looking Fab”. A convidada foi Vanessa Martins, uma das maiores influenciadoras digitais nacionais. Do athleisure às combinações improváveis, sem esquecer a alimentação ou os segredos da autora de “Frederica“, contamos-lhe tudo.

Mas há mais. A jornalista Inês Ribeiro conta-nos a história de Andreia Lima, uma jovem que anda sempre com um saco para onde vão as fezes e fala com humor da doença. Já Marta Cerqueira sentou-se à conversa com Irene Flunser Pimentel, que acaba de lançar um novo livro sobre o Estado Novo e garante: “Ninguém nasce torturador”.

Contamos-lhe ainda histórias de pessoas que perderam o seu animal de estimação, de mulheres que escolheram não se depilar e mostramos-lhe um frente a frente sobre Conan Osíris — Tozé Brito defende a relevância do artista, José de Pina diz que o músico é como “uma instalação da Joana Vasconcelos.”

Qualquer coisa, dúvida, um só um olá, estou aqui: martamiranda@magg.pt. Até sexta e bom fim de semana.

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