Jorge Paiva vive na Praia da Barra, em Aveiro, mas é como se vivesse numa ilha. Afinal, decidiu que dificilmente a sua vida iria acontecer fora de um perímetro de 50 quilómetros que estabeleceu como o seu limite máximo de deslocação.

Vendeu o carro há muitos anos e desloca-se maioritariamente a pé e de bicicleta. Desta equação tão restrita está fora, claro, o avião.

À MAGG, Jorge conta que só andou duas vezes, ainda em criança. Foi a Madrid e a Frankfurt com os pais e agora, com 50 anos, lembra que nessa altura as viagens eram momentos raros e especiais. "Não é como agora que vai tudo para uma despedida de solteiro em Paris ou que vai almoçar a Londres porque há voos a 9,99€. E aqueles que têm um mapa para riscar os sítios que já visitaram? As pessoas perderam a noção".

Jorge Paiva, numa das suas ações de sensibilização para a destruição meio ambiente.

Aquilo que para o comum dos mortais é normal — podemos não ter ido a Londres almoçar, mas atire a primeira pedra quem nunca marcou uma viagem que não custou nem uma nota de 10€ — é para Jorge um sinal de egoísmo.

Este ativista ambiental e líder da organização Não Lixes, tenta levar uma vida com o menor impacto possível, e isso não passa apenas por evitar andar de avião.

"Nas minhas gavetas existem sete T-shirts brancas, três calças pretas, três calças de fato de treino, dois casacos e dois kispos. Não perco tempo a pensar no que vestir", garante. Jorge prefere usar esse tempo para surfar — é também instrutor de surf — ou para ir a escolas falar com crianças sobre esta parte da sua vida.

E mesmo para esse trabalho sabe que os tais 50 quilómetros de perímetro ditam a decisão de ir, ou de pedir a um colega que o faça. Quando é a sua vez, opta pelos transportes públicos e só quando não existem é que pede à família o carro emprestado.

Ainda que Jorge leve a sua opção a outro nível, são cada vez mais as pessoas a pensar duas vezes antes de entrar num avião. Não é o medo das alturas nem o preço dos bilhetes que levam a esta hesitação, é mesmo o impacto ambiental que aquela viagem acarreta.

É por isso que as companhias aéreas começam agora a presentar alternativas mais ecológicas. A Hi Fly já faz voos sem plástico a bordo e a easyJet será a primeira companhia aérea no mundo a conseguir a neutralidade carbónica através das compensações. 

Mas, ainda que as companhias aéreas tenham um longo caminho a percorrer neste setor, há ações que podem partir do consumidor. É o caso da escolha dos assentos, uma vez que viajar em económica tem um impacto menor do que em executiva, ou o levar uma mala mais pequena. Reduzir 15 quilos do peso da sua bagagem diminui entre 50 e 100 quilos de emissões de dióxido de carbono num voo de quatro horas e meia, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

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Ou então podem fazer como Ana Milhazes que, depois de dez anos sem viajar de avião, quando voltou a fazê-lo decidiu que seria com o menor impacto possível. Leva sempre a sua garrafa de plástico para encher de água e recusa a comida do avião. "Bem sei que há quem diga que irá para o lixo, mas se mais pessoas recusassem, talvez as companhias aéreas começassem a perguntar a cada cliente antes do voo se quer ou não refeição", refere a líder do movimento Lixo Zero Portugal.

Quando chega ao destino e se instala no hotel, põe sempre o aviso de "Não incomodar" na porta, para que não lhe troquem as toalhas nem limpem o quarto quando a estadia é curta. Além disso, não usa nenhum dos amenities que os hotéis oferecem e viaja sempre com um kit de higiene, e do qual fazem parte o champô sólido e a pasta de dentes feita à base de produtos naturais.

Ana Milhazes não viaja sem este kit, que inclui sacos reutilizáveis, garrafa de água, um lenço e um kit de talheres.

Ana viajou até aos Açores este ano por questões de trabalho, depois de dez anos sem entrar num avião. E agora não pensa fazê-lo tão cedo. "Tenho só uma viagem de sonho, que é a Índia", conta à MAGG, sonho que tem adiado por questões ambientais. Mas este ano conheceu a Macro Viagens, uma agência que tem como base uma filosofia sustentável, e talvez dessa forma volte a ponderar essa possibilidade. "Como eu dou palestras sobre zero waste, posso compensar a minha pegada ecológica ao ensinar mais sobre o tema no meu destino".

De facto, o impacto ambiental do turismo é digno de nota. A indústria dos transportes para chegar ao destino é responsável por 2,5-3% das emissões de gases com efeito de estufa. Mas se a isto juntarmos o impacto dos serviços usados durante a estadia — alojamento, alimentação, transporte local, compras — a percentagem sobe para 8%.

É por isso que, tal como Jorge e Ana, também Philipp Angler decidiu que iria limitar as suas viagens ao máximo. Dentro da Alemanha, onde vive, recusa-se a apanhar um voo doméstico que, na sua opinião, deviam até ser proibidos. "Uma viagem de comboio entre Munique e Berlim dura quatro horas e de avião é 1h30. Mas se juntarmos a antecedência com que temos que estar no aeroporto, o check-in, a recolha da bagagem e a viagem até ao centro da cidade, nunca dura menos de três, quatro horas. É que nem em tempo o avião compensa", refere à MAGG.

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Mas Philipp levou esta sua decisão além fronteiras e decidiu que dentro da Europa, não volta a andar de avião. A última vez que o fez foi este verão, quando a namorada se mudou para Lisboa e optaram pelo avião para poderem trazer mais bagagem. "Paguei uma taxa adicional para compensar as emissões de dióxido de carbono e acalmar a minha consciência", admite.

A semana passada voltou a Lisboa e desta vez optou pelo comboio, numa viagem que durou 25 horas. "Só tive que mudar de comboio duas vezes. Foi super fácil e como apanhei um comboio noturno, passei grande parte da viagem a dormir".

Ainda que algumas destas ideias sejam impensáveis para a maioria que dedica esta semana a fazer refresh no site do Ryanair para ver as promoções da Black Friday, Ana, Philip e Jorge já não se sentem sozinhos nesta luta.

Ana recebe bastante feedback sempre que partilha as suas tentativas de ser zero waste em viagem e Jorge já não se sente um alien quando que aborda uma nova audiência. "Agora, pelo menos, os jovens já me ouvem e mostram algum interesse. Mas ainda me perguntam muitas vezes se não sinto claustrofobia por ter decidido viver nos meus 50 quilómetros". E não sente? "Claustrofóbico, eu? Viver assim é brutal".