A sexta temporada de "Príncipes do Nada" estreia na próxima segunda-feira, dia 6 de dezembro, às 22h30. O programa, conduzido por Catarina Furtado, dá a conhecer o trabalho inspirador de várias organizações. Criada em 2006, esta série documental realizada por Ricardo Freitas celebra agora 15 anos. A MAGG conversou com Catarina Furtado, apresentadora do programa e Embaixadora de Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População, acerca da nova edição e deste marco que se assinala.

O programa "Príncipes do Nada" dá palco a quem se dedica ao trabalho na área do desenvolvimento humano — quer em países em vias de desenvolvimento, quer em Portugal. Aborda problemáticas que ainda não têm a devida atenção e dá a conhecer aqueles que fazem tudo para melhorar, ajudar e transformar a vida de quem mais precisa, e menos tem. O propósito do programa, segundo Catarina Furtado, é "alertar para realidades muito difíceis onde a desigualdade, a discriminação e a violência são parte integrante do dia a dia das pessoas, quer em países em desenvolvimento, quer em países que estão em situação de emergência humanitária."

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15 anos depois, um novo formato para "Príncipes do Nada"

O formato foi ligeiramente alterado. Ao fim de 15 anos e ao contrário do que se sucedeu nas edições anteriores, desta vez, cada episódio irá focar-se em apenas uma instituição. "No outro, cada programa tinha duas histórias de duas organizações diferentes. Dá mais possibilidade de cada associação ter o seu programa", explicou Catarina Furtado. Mas as mudanças não ficam por aqui.

Os 13 episódios que compõem esta sexta temporada terão a duração de 50 minutos — mais do que a meia hora que lhes estava destinada até agora. E, pela primeira vez, o foco é Portugal. Devido aos constrangimentos impostos pela pandemia, esta temporada foi gravada apenas em território nacional e destacando só instituições portuguesas, o que, para Catarina Furtado, "não é menos emocionante nem menos importante. É uma forma de aprofundar um bocadinho mais a nossa própria realidade."

Príncipes do Nada
A inclusão social de pessoas com deficiência é explorada em "Príncipes do Nada".

A estreia marcada para o mês do Natal não é coincidência, tal como elucidou José Fragoso, diretor de programas da RTP, durante a apresentação da nova temporada de "Príncipes do Nada", que aconteceu esta segunda-feira na Biblioteca Palácio Galveias, em Lisboa. José Fragoso esclareceu que optaram por marcar o regresso do programa para dezembro por se tratar de um mês "mais ligado à partilha e à família" e para que as pessoas possam "passar um Natal mais informado".

Passados 15 anos, o objetivo permanece o mesmo: dar visibilidade e mais margem de intervenção a organizações desconhecidas que têm um papel fulcral na sociedade, mas não são tão mediatizadas quanto deveriam. Nesta sexta temporada, que estreia na próxima semana, o destaque vai para questões ligadas ao direito à habitação, à doença mental, ao abandono, à inclusão social de pessoas com deficiências, ao despovoamento do interior, à integração de migrantes e refugiados, às questões de género e LGBTQI+, às crianças carenciadas e vulneráveis, à fome, à pobreza, à etnia cigana e aos cuidadores informais. Alguns dos entrevistados e protagonistas dos episódios marcaram presença no lançamento da temporada.

Príncipes do Nada
Catarina Furtado é a cara do programa "Príncipes do Nada", efetuando as entrevistas e a pesquisa que o compõem.

Catarina Furtado dá voz e corpo a um movimento pelos direitos humanos. "Recebo milhares de mensagens nas várias plataformas que tenho. Mensagens de incentivo, de pessoas que querem ajudar, que para mim é o mais importante", disse à MAGG. Em "21 anos enquanto embaixadora da ONU", conclui que "no mundo inteiro, quem mais sofre são as mulheres e as crianças" e que "a diversidade é absolutamente enriquecedora para que possamos ter um mundo mais rico".

O combate à indiferença por parte desta "plataforma de conhecimento" que é o "Príncipes do Nada", como apelida Catarina, já dura há 15 anos. O balanço? É "muito positivo", garante a apresentadora. "Ao inspirarmos através do relato dessas histórias, dando o microfone" e não a voz, "porque as pessoas têm voz", a quem sofre todos os dias, Catarina garante que têm de facto "inspirado outras pessoas a agir".

Mas conquistas assinaladas até hoje, como a nível da educação para as crianças, "não são garantidas", alerta a apresentadora. "O exercício da preservação e da promoção dos direitos humanos tem de ser praticado todos os dias. Não está nada adquirido nem garantido", sublinha, ressaltando a importância do papel das organizações não-governamentais neste sentido. Com "Príncipes do Nada", pretendem valorizá-las. "É fundamental que elas tenham esse valor" por garantirem respostas sociais "que às vezes são absolutamente vitais ou complementares", esclarece.

"O que eu quero mais é pôr o meu privilégio ao serviço de quem não tem essas possibilidades"

Por lidar de forma tão próxima com as realidades retratadas em "Príncipes do Nada", Catarina Furtado relembra-se diariamente do privilégio que tem: "Sou muito intransigente comigo própria. Todos os dias eu penso no privilégio que tenho na vida. Claro que foi fruto de muito trabalho e rigor, são 30 anos a fazer televisão, mas sou uma privilegiada. E todos os dias o que eu quero mais é pôr o meu privilégio ao serviço de quem não tem essas possibilidades."

A apresentadora garante aplicar a mesma atitude para com a família, rejeitando ser flexível "quando não dão valor às coisas, quando não percebem o desperdício, quando não valorizam cada dia, quando não são gratos".

Príncipes do Nada
Um dos temas em destaque em "Príncipes do Nada" é o abandono de idosos.

Embora todas estas realidades mexam com a apresentadora, algumas fazem-no de um modo particular. Catarina Furtado sente-se "revoltada" e "indignada" quando testemunha situações em que as pessoas vivem em condições consideradas precárias, sem qualquer dignidade. Para a apresentadora, "isso é absolutamente revoltante", tal como as "mortes que são completamente evitáveis" no caso de existir "vontade política" e de serem canalizados os "recursos que estão disponíveis para outras pessoas e não para aquelas que não interessam".

Estas "inquietações humanitárias", como lhes chama a apresentadora, são "verdadeiros socos no estômago". "É evidente que me toca", confessa. "Preocupa-me em particular a crescente onda de populismo, da extrema direita", diz a embaixadora da ONU, que calcula que esta ascensão se deva ao facto de as populações não estarem tranquilas. "As pessoas estão descontentes com uma série de coisas, e portanto cresce aqui um movimento que pode ser mais discriminatório ainda. Pode excluir ainda mais as pessoas e combater a inclusão" pela qual se tem vindo a lutar.

"Eu tenho uma noção clara de que há muitas coisas que podem ser feitas se houver vontade. Não são impossíveis. E, enquanto isso não acontecer, eu tentarei sempre, junto da minha pequena contribuição — ter uma câmara, um microfone —, denunciar algumas situações", reforça Catarina Furtado.

"É absolutamente revoltante. Porque é que as pessoas ficam indiferentes a estas realidades?"

Também a crise dos refugiados toca a apresentadora. São "aquelas realidades onde as pessoas tinham vidas como as nossas". "Os refugiados da Síria, por exemplo, eram pessoas que tinham a vida como a nossa", começa por explicar. Relembra situações em que está em campos de refugiados e se depara com traços em comum entre o seu percurso e o dos demais.  "De repente, estou a entrevistar uma pessoa que tinha uma vida parecida com a minha. Ou era professor, ou era arquiteto, e tinha os seus filhos na escola, e de um momento para o outro teve de estar a viver num sítio onde nem casa de banho tem", recorda.

"Não têm comida, estão três e quatro horas numa fila de espera para poderem ter um copo de água ou um bocadinho de comida. É absolutamente revoltante. Porque é que as pessoas ficam indiferentes a estas realidades?", questiona. "Porque é que não pensam 'e se fosse comigo?' Porque podia ser connosco. Portugal podia não ser um país de paz", relembra. O regresso aos campos de refugiados acontecerá, mais tarde ou mais cedo. Até porque, como explica a embaixadora da ONU, "enquanto as coisas não estiverem resolvidas" e "a Europa continuar a assobiar para o lado", é crucial garantir visibilidade ao tema, impedindo-o de ser secundarizado.

"O nosso caminho é, todos os dias, tentar que as coisas melhorem"

Príncipes do Nada
Esta temporada de "Príncipes do Nada" contará com 13 episódios de 50 minutos.

Ainda que existam "sempre temáticas demolidoras do ponto de vista do otimismo", como as guerras, Catarina Furtado crê que existe importância no menor dos contributos: "O nosso caminho é todos os dias tentar que as coisas melhorem. Não pode ser nunca o de resolver tudo, porque isso sabemos que é impossível. Ficaríamos numa espécie de uma banheira de impotência, porque não ajuda, paralisa".

Através do trabalho realizado e retratado em "Príncipes do Nada", conseguem "convocar os decisores políticos, a sociedade civil em geral, a responsabilidade social das empresas" a agir, explicou Catarina Furtado. "Nós temos sempre a vontade de demonstrar o que está mal", diz, e fazem-no evidenciando "o trabalho sério, transparente, de compromisso árduo das ONGs, das associações, dos voluntários que combatem estas realidades." "Tem sempre uma perspetiva muito positiva, ainda que mostrando realidades muito negativas."