Os hotéis ou unidades de turismo que não permitem a entrada a crianças começam a surgir cada vez mais em Portugal, embora a tendência já não seja novidade em pontos de interesse turístico por todo o mundo. Por exemplo, em destinos como Punta Cana e Varadero, existem tantos resorts dedicados a famílias, como outros para adultos.
Mas a questão de limitar a permanência a crianças não é assim tão simples de descortinar. E independentemente de concordar ou não com a existência de espaços apenas para adultos — há pais que ficam horrorizados só de pensar em locais que não deixam entrar os filhos, outros agradecem aos céus uma oportunidade de passar dias sem gritos e bombas de água —, há outro ponto bastante mais pertinente. Esta prática é legal?
"Em princípio, quando estejam em causa empreendimentos turísticos, a lei não permite a recusa indiscriminada de acesso a uma parte da população, nomeadamente a crianças ou menores. A regra geral, sujeita a exceções, é que os empreendimentos turísticos são e têm que ser de livre acesso, e existem coimas estabelecidas para a não aplicação desta regra, salvo as exceções previstas na lei", explica Miguel Duarte Santos, advogado, à MAGG.
E que exceções são estas? De acordo com o artigo 48.º do decreto-lei 39/2008 de 7 de março, que estabelece o livre acesso aos empreendimentos turísticos, está previsto que estas unidades podem recusar o acesso a quem perturbe o seu funcionamento normal.
Para além disso, e tal como está descrito no número três do mesmo artigo, os empreendimentos turísticos também podem recusar acesso em situações de "afectação total ou parcial dos empreendimentos turísticos à utilização exclusiva por associados ou beneficiários das entidades proprietárias ou da entidade exploradora", ou de "reserva temporária de parte ou da totalidade do empreendimento turístico", "desde que devidamente publicitadas".
Fora estas exceções, por princípio, impedir a entrada de crianças será ilegal, mesmo tratando-se de propriedade privada. "Efetivamente, os empreendimentos turísticos são privados. Logo, teoricamente, poderiam limitar o acesso a determinadas pessoas ou grupos. A questão é que algumas destas unidades estão sujeitas ao regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, que é estabelecida no decreto-lei 39/2008", descreve Miguel Duarte Santos.
"A proibição de livre acesso aos empreendimentos turísticos em casos não previstos no artigo 48.º dá direito a uma contraordenação que vai dos 125€ aos 3.250€ para pessoas singulares, e de 1.250€ a 35.500€ para pessoas coletivas"
Mas o jurista é o primeiro afirmar que toda esta questão é muito complexa. "Não é simples e já levantou muitas dúvidas e pronúncias ao longo do tempo. Também existe alguma falta de clarificação na lei e de conhecimento, pelas unidades e pelos cidadãos, quanto à posição da entidade a quem competirá atuar, que seria a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE). E tudo isto deve-se a uma falta de clareza da lei, bem como à falta de divulgação de eventuais medidas sancionatórias ou de entendimentos clarificadores ."
Multas podem ir até aos 35.500€
E as coimas existem para o incumprimento desta regra de livre acesso e recusa fora das exceções previstas, devendo ser aplicadas pela ASAE . "A proibição de livre acesso aos empreendimentos turísticos em casos não previstos no artigo 48.º pode resultar numa contraordenação que vai dos 125€ aos 3.250€ para pessoas singulares, e de 1.250€ a 35.500€ para pessoas coletivas", indica Miguel Duarte Santos, que acrescenta que, "se alguém quisesse levar a questão até às ultimas consequências, possivelmente poderia ir junto da ASAE, cabendo à Autoridade verificar se no caso concreto a situação é ou não permitida ".
No entanto, o advogado afirma que este organismo não tem tido uma "posição suficientemente divulgada " quanto à questão do impedimento de crianças em alguns empreendimentos turísticos, e acredita que as confusões vão permanecer. "Vamos continuar a ter muitas dúvidas quanto ao tema. Aliás, creio que a própria ASAE lê a lei, e lê as exceções previstas no artigo 48.º, e continua a ter dúvidas."
Para além disso, Miguel Duarte Santos explica que estes são os princípios gerais, e que cada caso teria de ser analisado individualmente num cenário de denúncia de hotel. Nem todas as unidades estão sujeitas ao regime e, mesmo quando estão, "um hotel pode, eventualmente, conseguir fundamentar que se aplica uma das exceções previstas no artigo 48.º de forma a impedir a entrada de crianças, mas só no caso concreto se podia avaliar".