Um dia antes de falar com a MAGG, Vanessa José bebeu um litro de sumo de laranja de manhã e fez mais duas grandes refeições: uma na qual comeu dez figos e outra na qual triturou dez bananas congeladas para comer como se fosse um gelado. Não divide o dia entre pequeno-almoço, almoço e jantar porque come intuitivamente. "Como quando tenho fome, não quando o relógio manda", conta.
Esta forma de encarar a comida, que atualmente se baseia maioritariamente em fruta fresca, é consequência de anos de uma rotina ditada por tudo, menos pela sua vontade.
Aos 18 anos, a estudar Direito em Lisboa, começou a sentir aquilo que tudo indicava ser ataques epiléticos. "Passei por dezenas de médicos, estava constantemente a fazer exames, análises, sentia-me um rato de laboratório", admite. Na pior fase, chegou a tomar 14 comprimidos por dia. "Eram eles que ditavam a que horas acordava, a que horas comia e a que horas podia ir dormir".
Foi assim durante cinco anos, durante os quais voltou para o Algarve, de onde é natural, para estudar Economia, curso que não conseguiu acabar porque a medicação não a deixava com forças nem para sair da cama, quanto mais para pensar em fiscalidade ou estatística.
Quando foi viver para o Porto com o então namorado, decidiu dar uma última oportunidade à medicina e foi ver um médico especializado em epilepsia que, basicamente, lhe disse que ela não era epilética. "Foi uma revolta enorme, mas ao mesmo tempo um alívio", confessa, que serviu como clique para começar a tratar o problema de outra forma.
Depois de ler muito sobre o assunto e de falar com as pessoas certas — ou aquelas que lhe começaram a dar as respostas que procurava — percebeu que o seu problema era mais energético que médico e, depois do desmame da medicação, começou a praticar ioga e a querer saber mais sobre o que punha no prato. Isto porque, apesar de vegetariana desde os 16 anos e vegana desde os 20, admite que não tinha a melhor das alimentações. "Comia pouca fruta, poucas verduras, muita massa, muito pão e tudo levava molho", lembra.
Começar a comer cru
Com vontade de desintoxicar corpo e mente, decidiu experimentar o crudivorismo. "Quando disse ao meu namorado que ia passar a comer cru disse que eu estava maluca, mas decidi avançar, pouco a pouco". Começou por trocar o pequeno-almoço, que de uma torrada e bebida vegetal com chocolate passou a um batido de fruta. Passou a incluir saladas nas refeições principais, fruta durante o dia e cortou nos condimentos. "Passei a cozinhar os legumes só ao vapor e o arroz e as batatas, por exemplo, eram apenas cozidos, sem qualquer tipo de gordura".
Aos poucos, o corpo foi deixando de pedir outras comidas e passou a sentir-se cada vez melhor com as escolhas que fazia. Aproveitou uma viagem aos Açores feita no final do ano passado para experimentar passar uns dias apenas a fruta e frutos secos e foi aí que se deu a mudança final.
Apesar de não gostar de rótulos, Vanessa José é frugívora, ou seja, alimenta-se apenas de fruta. Muita fruta. "Como cerca de dez bananas por dia", conta, ainda que tenha dificuldade em falar em quantidades. "Vou comendo até ficar satisfeita e ao meu ritmo", explica. Prefere comer sozinha, porque o faz fora das horas habituais da família e porque gosta daquele momento só seu. Se tiver que comer com outras pessoas, come o seu prato feito com fruta e só mesmo em restaurantes é que a coisa complica. "Quando peço fruta vem uma ou duas peças, isso para mim não chega", garante.
Houve quem a chamasse maluca, quem achasse que estava a cair em extremismos e quem duvidasse que teria os nutrientes suficientes para o dia a dia, mas a todos eles Vanessa José responde com um bem-estar geral e umas análises como nunca antes tinha tido. "Cheguei a sofrer de anemia e tinha colesterol alto. Agora nem doente fico e nunca me senti com tanta energia". De tal forma que até a família foi contagiada. "Comem de tudo, mas já fazem refeições sem carne ou peixe, a minha mãe come muita mais fruta e todos os dias vejo o meu pai sair para o trabalho com uma banana na mão".
Mas será a fruta suficiente?
A fruta tem vitaminas (não todas), minerais, fibra e hidratos. Mas não tem proteína e isso pode ser um problema. "E mesmo a gordura, só mesmo no coco e no abacate", esclarece a nutricionista Leonor Pereira de Almeida, lembrando que a longo prazo, pode haver défice de de vitamina B12 — tal como acontece numa dieta vegana, uma vez que este nutriente chega ao nosso organismo quase que exclusivamente de alimentos de origem animal — e também de colagénio, uma proteína fundamental para a pele e articulações.
Apesar de nunca ter tido no seu consultório alguém frugívoro, já seguiu pelo menos duas pessoas crudívoras, ou seja, que se alimentam apenas de alimentos crus, sejam eles fruta ou legumes. "Neste caso, como era veganas, não consumiam qualquer tipo de proteína animal e a ingestão de gordura também era mínima", conta. A primeira consequência foi a amenorreia (ausência de menstruação) que conseguiram reverter quando a nutricionista as aconselhou a introduzir na alimentação leguminosas como o feijão, a soja ou o grão — alimentos ricos em proteína — e gordura em forma de abacate, mas também sementes, nozes, amendoins e também óleo de coco ou de sésamo.
Quando se fala em alimentação e estilos de vida, não há receitas chapa cinco. "Cada caso tem que ser analisado de forma individual, ainda mais quando se trata de mulheres, devido a toda a questão hormonal associada". Mesmo assim, há números que funcionam quase de forma universal. "Uma mulher deve ter uma massa gorda a rondar os 24% e nunca abaixo dos 18%". Mas independentemente do sexo, Leonor Pereira de Almeida lembra que, seja qual for a dieta ou estio de vida, nunca é aconselhável cortar totalmente com um macronutriente: proteínas, lípidos e hidratos. "É por isso que digo que o frugivorismo não é viável a longo prazo".
Em Portugal, é certo que são poucos os seguidores desta dieta, mas lá fora já é bastante comum. De tal forma que Vanessa José já tem viagem marcada para Inglaterra, onde acontece em julho o Fruit Fest, um festival dedicado aos fãs do frugivorismo.