Nos últimos anos, as redes sociais têm influenciado e trazido à discussão alguns dos temas mais pertinentes sobre relações amorosas. Quer sejam conversas sobre violência doméstica quer sejam conversas sobre atos irrepreensíveis (como toda a discussão sobre os jovens influenciadores que se gravaram a violar uma jovem), a verdade é que há cada vez mais pessoas a questionar certos assuntos. No entanto, também há cada vez mais pessoas a fazê-los. 

A alegada masculinidade tóxica é, hoje em dia, um desses temas que se tem falado cada vez mais, especialmente por existirem criadores de conteúdos que perpetuam esse tipo de discurso. Mas será isto uma novidade ou é algo que, simplesmente, tinha sido deixado para trás? “Os comportamentos machistas não desapareceram propriamente. Aquilo que nós assistimos foi a várias ações de empoderamento das raparigas e das mulheres, mas isso não significa que tenhamos conseguido eliminar os comportamentos machistas”, começou por explicar à MAGG Cláudia Morais, psicóloga e terapeuta de casais.

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A verdade é que deixamos um bocadinho os rapazes para trás. Ou seja, por um lado o feminismo, e bem, tem crescido, e portanto estamos todos mais conscientes de que as mulheres podem ser e fazer aquilo que elas quiserem. Por outro, esquecemo-nos um bocadinho da educação dos rapazes e nomeadamente da educação para as emoções”, acrescentou, explicando assim que o machismo tóxico nunca se foi embora, até porque normalmente acontece mais dentro de quatro paredes sem ninguém a ver, mas que as redes sociais são um grande potencializador para que, com a educação esquecida, os jovens procurem resposta noutro lado. 

Mas como é que a masculinidade tóxica atua nas relações? “Para além da própria violência física, nós estamos a falar de comentários que quase sempre diminuem a mulher, que a subjugam, atribuindo-lhe até papéis que durante muito tempo foram efetivamente associados ao género feminino, nomeadamente tudo aquilo que diga respeito à limpeza da casa. Ou seja, muitas vezes aquilo que acontece é que, apesar do tal discurso feminista, depois nas relações há esta atribuição, esta diminuição das mulheres”, explicou Cláudia Morais.

Um caso que está a ser bastante polémico nas redes sociais é precisamente com um criador de conteúdos, o youtuber Numeiro, sobre um comentário que, para alguns, diminuiu a mulher, quando este afirmou que mulheres comprometidas não deviam sair à noite. Este tipo de comentários faz com que possíveis pensamentos mais retrógradas sejam incutidos nas novas gerações, o que cria um problema. “A verdade é que estas figuras públicas acabam efetivamente por utilizar muitas vezes um discurso com que se identificam, mas acabam por utilizá-lo para rentabilizar porque sabem que vão viralizar”, disse. 

“Aquilo que posso observar é que influenciam, pelo menos, alguns homens, e seguramente muitos rapazes”, acrescentou Cláudia Morais, explicando que o facto de estes influenciadores ostentarem outro tipo de coisas, nomeadamente mulheres, não ajuda ao desenvolvimento. “Estamos a falar de influenciadores que, paralelamente a este discurso machista, acabam por apresentar nas redes sociais uma vida extraordinariamente luxuosa, rodeada de mulheres, acabando muitas vezes por captar a atenção e a admiração de jovens cuja personalidade está em desenvolvimento”, explica a psicóloga. 

No entanto, Cláudia Morais afirma que este tipo de comportamentos não podem ser atribuídos apenas aos criadores de conteúdo, uma vez que todo o ensinamento começa em casa. “Quando nós falamos da masculinidade tóxica, nós falamos sobretudo da inexistência de uma figura masculina que esteja emocionalmente disponível. Ora, isto não significa que esta figura não esteja fisicamente presente, mas muitos dos jovens que estão nesta situação acabam por ser violentos nas suas relações, acabam por reproduzir estes discursos machistas”, começou por explicar. 

“Os pais até podem ter valores morais sérios, mas como não estão emocionalmente presentes, não estão emocionalmente disponíveis para ouvir os filhos, para conversar com os filhos sobre respeito, sobre consentimento, sobre violência, e acaba por se criar aqui um vazio. Se eu não tenho em casa um adulto, uma figura masculina que me mostre pelo exemplo, não é pelo sermão, que me mostre pelo exemplo como é que são as relações saudáveis, como é que nos relacionamos com as mulheres, eu vou precisar de pertencer a algum grupo. E estes influenciadores estão de facto muito presentes, é fácil trazerem esse sentimento de pertença”, disse Cláudia Morais. 

Algo que também está a fazer com que este tipo de comentários surjam cada vez mais — ou pelo menos o à vontade para os dizer — é o grande destaque que os partidos de extrema-direita têm recebido nos últimos anos, fazendo com que os seus valores e ideais tenham cada vez mais audiência. “Há certamente um grande investimento, até de um ponto de vista financeiro, para potenciar estes discursos machistas, especialmente junto dos jovens, até para garantir um determinado eleitorado, porque os adolescentes e os jovens adultos de hoje são os eleitores da manhã”, explicou a psicóloga. 

Nós sabemos que a extrema direita vai investindo muito, nomeadamente nas redes sociais, e depois temos grandes milionários como o Elon Musk a incentivar e a facilitar também o discurso extremista”, acrescentou ainda, dando também o exemplo do empresário Andrew Tate. “Nós sabemos que há alguns partidos, nomeadamente os partidos mais extremistas, que crescem à conta do populismo e, portanto, das fragilidades que existem, e muitas vezes têm um discurso que até é muito típico dos adolescentes, que é o discurso da oposição. Ou seja, ‘eu estou contra’”. 

Olhando para o futuro, Cláudia Morais acredita que este é um fenómeno preocupante, mas espera que o outro lado da moeda das redes sociais possa falar mais alto. “Acredito sinceramente que, em primeiro lugar, este fenómeno é preocupante, mas por outro lado, e sendo eu uma otimista, também olho para as redes sociais e para todas as ferramentas que hoje temos ao nosso dispor como uma imensa força contrária. Nós vamo-nos influenciando a todos, e as redes sociais permitem que qualquer um de nós possa denunciar, refletir e, inclusivamente, convidar outros a refletir também”, explicou. 

No entanto, as redes sociais não são a solução total. “Da mesma forma que não chega nós escrevermos nos maços de tabaco que fumar mata, também não chega apenas informarem-se. Portanto, os jovens vão aprender através de um fenómeno que se chama integração, e essa integração vai ter uma componente emocional e é por isso que a educação começa, sobretudo, dentro de casa”, rematou Cláudia Morais.