Maria Luísa Batel tem 86 anos, mas a idade não lhe tira energia, ainda mais se é para ajudar os outros. Em março deste ano, logo após o inicio do confinamento, decidiu que estava na altura de voltar a pegar na máquina de costura e nada melhor do que arranjar uma finalidade para as suas criações.

"Comecei a dar volta às minhas gavetas e achei muitos retalhos, muitas trouxas de roupa que eu tinha feito, e um dia lembrei-me 'porque é que eu não vou aproveitar estas roupinhas todas e vou fazer vestidinhos para os meninos de Moçambique?'", começa por contar à MAGG. Assim o fez, mas o que começou por ser apenas uma distração para ocupar o tempo passado em casa, ganhou uma dimensão nunca esperada.

Quase impossibilitada de andar, devido a problemas de saúde, é na sala de costura da sua casa, em Ílhavo, que fez mais de 37 vestidos, 26 sais, 10 calções e 10 tops. "A ideia era que quando o meu filho, que está a viver em Maputo, cá viesse, levasse o que já tivesse feito", conta Maria Luísa. A pandemia impediu o filho de viajar, mas nem isso fez com que as roupas deixassem de chegar ao destino.

António Batel, o filho, é diretor da OSWELA  —  uma ONG dedicada à promoção da ciência. Foi esta ligação que fez com que as roupas chegassem a quem mais fazem falta.

"A minha mãe começou por querer fazer vestidos para as pessoas que trabalham comigo e a dada altura eu disse-lhe 'mas porque é que não fazes para as crianças daqui? Existem tantas crianças para vestir'. E foi esta frase que desencadeou este processo de começar a levar a costura e este projeto a sério", revela António à MAGG, acrescentando que estas roupas acabram por ser entregues às crianças do infantário 1º de Maio, em Maputo, que, pela primeira vez, receberam roupa feita especialmente para elas. "Encontrámos neste projeto um aspeto diferente de olhar a ajuda. Em vez de se enviar roupa usada para Moçambique, esta roupa é costurada e é nova. A ideia é criar alguma dignidade nas crianças", admite. A dedicação foi tal que Maria Luísa bordou em cada peça de roupa o nome da criança a quem se destinava, depois de o filho lhe fazer chegar uma lista dos destinatários.

A iniciativa de Maria Luísa tornou-se conhecida a nível nacional e até mundial. A linha aérea de Moçambique, depois de saber do projeto, comprometeu-se a enviar, todos os meses, de forma gratuita, caixotes com até 50 quilos de roupa para as crianças de Moçambique. A primeira leva de roupa foi entregue  no dia 30 de novembro e Maria Luísa teve a oportunidade de assistir a tudo através de videochamada, o que a deixou muito emocionada. "Eu vi os meus vestidinhos e o meu calçadinho todo naqueles meninos. Foi uma alegria muito grande. Eles são crianças muito pobres que não têm ninguém, estão no orfanato. Senti-me muito feliz e o que mais me preocupa é vê-los felizes e saber que eles têm mais qualquer coisa", confessa Maria Luísa.

Moçambique
Moçambique Maria Luísa Batel assistiu à distribuição de roupa por videochamada créditos: Divulgação

Para além do que costurou, Maria Luísa fez ainda questão de comprar algumas peças de roupa interior, calçado e material escolar. "Ajudámos as crianças do infantário 1º de Maio, que vão passar o Natal  já com roupa nova e vamos agora encontrar mais uma escola para continuar a ajudar", afirma António Batel.

Recentemente, várias amigas de Maria Luísa ofereceram tecidos e dinheiro que vai juntado para enviar para Moçambique. Quanto ao trabalho de costura, afirma que continua a fazê-lo sozinha, mas que receberia ajuda com todo o gosto. "Toda a ajuda era boa. Até hoje, e estou aqui há oito meses, ainda ninguém me ajudou a fazer nada. Faço tudo pelas minhas mãos. Cada saia ao seu feitio, cada pormenor ao seu feitio, tudo igual como se estivesse a trabalhar para as minhas netas. Faço tudo nas perfeições que eu sei e assim vou continuando", garante. "Agora já estou a juntar mais vinte vestidos feitos, já tenho mais 14 saias e espero que sejam enviados ainda este ano."

António Batel não podia estar mais satisfeito com a iniciativa da mãe. "No infantário 1ª de Maio existem várias crianças institucionalizadas que nunca tiveram acesso a estas coisas com esta dedicação e este carinho, portanto tornou-se um projeto muito bonito", afirma o filho. "Por trás de tudo isto há um sentimento que vai para lá da ajuda. É o carinho, é o amor com que as coisas são feitas, é a dedicação, tudo isso ultrapassa, e muito, a simples ajuda."

Além do altruísmo da ação, António considera ainda que com esta iniciativa a mãe "ganhou anos de vida". "A minha mãe tem um projeto, uma responsabilidade, tem não sei quantas peças de tecido que lhe ofereceram para fazer vestidos. Como o projeto teve uma repercussão muito grande ela sentiu-se muito feliz e acho que, para ela, só lhe fez bem."

António Batel considera que a mãe é um exemplo para muita gente. "Quando uma coisa destas, proposta por uma senhora de 86 anos, dá resultado, acho que dá o exemplo para todas as pessoas, e sobretudo para as pessoas mais idosas, que às vezes não sabem como ocupar o tempo e certamente sabem fazer alguma coisa que pode ajudar a vida dos e até as suas", remata.

Veja aqui o vídeo do momento em que as roupas foram entregues às crianças.