Eram 12h30 quando os cinco exploradores urbanos chegaram a uma base militar na Hungria. Depois de 15 minutos de caminhada pelo meio do mato — o trajeto mais seguro para conseguirem entrar no local sem serem vistos —, aproximaram-se com cautela do sítio onde sabiam que iriam encontrar 34 MiGs abandonados. E estavam lá, conforme lhes tinham prometido outros caçadores de lugares devolutos.
Construídos pela empresa Mikoyan-Gurevich Design Bureau no início dos anos 60, esta coleção de caças soviéticos fez parte da força aérea húngara, e foi utilizada nas rotas de treino de novos pilotos. Abandonados desde 2000, é impossível pô-los no ar (os tanques e motores estão cheios de betão) mas são um retrato impressionante da história militar. As fotografias são incríveis, mas tirá-las foi um verdadeiro desafio — o maior de toda a viagem, garante Paulo Santos, um dos cinco homens que fez esta viagem.
"Tínhamos de ter muito cuidado. Como a pista fica mais ou menos a um quilómetro, cada vez que um avião levantava ou aterrava nós tínhamos de nos atirar para debaixo dos MiGs para ninguém nos ver", conta à MAGG. "Foi o local mais arriscado que visitámos. Quando estávamos a sair, vimos ao longe um carro a fazer a ronda. Não nos devem ter visto, mas nós vimo-lo. Desatámos a correr dali para fora."
Oito países, nove dias, 6.455 quilómetros de carro e mais de 30 locais abandonados. Na Bélgica, Itália, Áustria, França, Alemanha, Luxemburgo, República Checa e Hungria, os fotógrafos estiveram em chateaus, prisões, comboios, escolas, igrejas e, claro, estes emblemáticos caças soviéticos.
Carlos Queiroz, Gonçalo Gouveia (autor de GG Photography), Paulo Santos (Pr0j3ct URBEX), Ricardo Delaunay (Athon) e Rui Pereira (Visuallogic@photography e Project: LostM3mori3s) são os protagonistas desta viagem. Informáticos, desenhadores, empresários, técnicos da indústria automóvel, pintores de telas e de grafites. Têm entre 28 e 43 anos, são naturais de Lisboa e arredores e conheceram-se todos na página de Facebook Lugares Abandonados. Não é difícil perceber o que os levou a fazer esta viagem: nos seus tempos livres, é a caça por locais onde o tempo parou que os apaixona.
Dormiram no Château Banana
Começamos com uma curiosidade. Se por acaso é seguidor assíduo de páginas de locais abandonados, já deve ter reparado que os exploradores gostam de dar nomes aos sítios que descobrem. Nalguns casos isso não se justifica — ninguém se lembraria de arranjar uma nova denominação para o Presídio da Trafaria, Palácio da Comenda ou Teatro Variedades. Quando falamos de sítios menos emblemáticos, como casas, moradias ou chateaus que foram descobertos intactos, a história é outra. Há sempre um nome associado — só que lá fora há mais uniformização do que cá dentro.
"Isto vê-se sobretudo nos sites internacionais de urbex. As pessoas vão aos mesmos sítios e os nomes são sempre os mesmos. Cá raramente fazemos isso — se formos a uma casa em Portugal, começamos a publicar e cada um dá-lhe o nome que lhe apetece", explica à MAGG Paulo Santos.
Château Banana é mesmo o nome original da casa senhorial que os cinco exploradores fotografaram em França. E porquê este batismo tão original? Porque num anexo da casa havia (e ainda há) dezenas de caixas de bananas vazias.
Chegaram a esta casa logo na primeira noite da viagem. Como já era de noite, não havia hotéis ali perto e o espaço estava relativamente composto (a pior parte eram as casas de banho), os fotógrafos decidiram passar a noite no local.
Entrar na casa não foi difícil: a porta estava aberta. O pior foi o que aconteceu por volta da uma da manhã, quando Carlos Queiroz acordou os amigos porque tinha ouvido uns barulhos estranhos. "Acho que anda alguém aqui dentro", disse. Tinha razão: quando se aproximaram de uma das janelas, viram umas luzes a apontar para dentro da casa.
Os fotógrafos tinham preparado bem o terreno: a porta principal da casa estava trancada com uma tábua de madeira, no fundo das escadas tinham sido colocados uns plásticos e entulho que os iriam alertar se alguém invadisse o local durante a noite. Ainda assim, corriam sempre o risco de alguém conseguir entrar por uma janela.
A solução foi enfrentar o problema: "O Carlos foi até à porta e acendeu também a lanterna. Quem estava lá fora deve ter visto a luz e apagou a lanterna. E ficou por ali, não voltou mais."
Um château francês e a pergunta — as casas estão mesmo assim ou é tudo encenado?
Este château chama-se Château Succession e fica em França. "Há cerca de um ano, esta casa estava praticamente completa. Quando fomos lá estava toda destruída, tivemos de refazer a sala toda."
É um dos grandes problemas que os exploradores urbanos têm de enfrentar: o risco de publicar fotos de sítios incríveis que sejam depois vandalizados e roubados. É por isso que na página Lugares Abandonados, por exemplo, é expressamente proibido revelar localizações dos sítios fotografados — nem toda a gente tem intenções meramente fotográficas, e nem todos os que as têm são capazes de resistir à tentação de levar qualquer coisa para casa.
Este artigo também não foi exceção: embora em alguns casos não seja muito difícil descobrir onde ficam alguns destes locais abandonados, os fotógrafos optaram por revelar apenas o país. Acima de tudo, é uma questão de preservar estes locais — qualquer explorador urbano que se preze coloca esta regra no topo da lista de prioridades.
Mas isso significa que os fotógrafos criem cenários nos locais descobertos? A resposta é nem por isso. "É muito raro refazermos cenários. O que às vezes pode acontecer é estarmos a fotografar e termos mais atenção a alguns pormenores como a luz ou os reflexos. Posso desviar um objeto para não ficar ao sol ou fechar uma janela."
E é só. "Fazer montagens não é muito habitual". No caso do Château Succession tiveram de o fazer porque o mobiliário estava literalmente virado ao contrário. "Tentámos pôr o espaço como ele estava originalmente."
Uma máquina monstruosa que escavou milhares de toneladas de carvão em minas de céu aberto — e tem uns impressionantes 113 metros de comprimento e 58 de altura. Um comboio-hospital encontrado intacto na Alemanha, uma Igreja dos Fantasmas na República Checa ou um château que tem um canhão no meio da sala. A MAGG pediu aos cinco fotógrafos que escolhessem as melhores fotografias da sua viagem e nos contassem as suas histórias. Revelamos-lhe tudo.