O pivô da TVI José Alberto Carvalho emocionou o País ao usar o final do "Jornal das 8" de domingo, 29 de março, para contar um episódio pessoal. "Hoje foi sepultada uma pessoa da minha família, que sempre foi muito importante na minha vida. Sucumbiu aos 93 anos, não foi vítima da COVID-19, mas o vírus impediu-me que me despedisse dela. A cerimónia fúnebre foi reduzida a meia dúzia de pessoas, sem um abraço de conforto, sem o pegar na mão para dizer força". E continua: "O vírus rouba-nos até esta exigência moral da humanidade que é despedirmo-nos dos nossos mortos".

A despedida pode ser feita mas, de facto, nada é como era. Francisca Barbosa, por exemplo, não só não se pôde despedir da avó, que morreu vítima de COVID-19 a 21 de março, como nem sequer teve hipótese de confortar a família. "A minha avó morreu e eu nem pude abraçar o meu pai, que tinha acabado de perder a mãe", conta à MAGG.

A avó foi infetada no lar de idosos onde vivia, em Braga, por uma das pessoas contratadas para que nunca ficasse sozinha. "Além do pessoal do lar, havia sempre uma espécie de 'dama de companhia' que a ajudava e que, acima de tudo, lhe fazia muita companhia", explica Francisca. Uma dessas auxiliares foi diagnosticada com COVID-19 e acabou por infetar Adelaide que, com 97 anos, não resistiu ao vírus.

Acabou por morrer no hospital e, sem velório, o corpo partiu diretamente para o cemitério. "O meu pai, que tudo fez para que nunca se sentisse sozinha, não se perdoa por ela ter, no fundo, morrido sem nenhum de nós por perto", conta.

O ambiente na hora do funeral "é do mais frio que alguma vez senti", admite. Só estavam permitidas dez pessoas, mas nem chegaram a preencher o número mínimo. "Alguns dos filhos da minha avó já são eles também idosos, outros familiares vivem fora do País e outros, com crianças em casa, não quiseram arriscar".

Um padre disse uma oração muito breve e os poucos familiares presentes não se puderam aproximar do caixão que, por sua vez, estava fechado por escolha da família, mas que é também uma regra imposta para evitar contaminação.

Ainda nesse dia, Francisca pediu a um padre jesuíta amigo para fazer uma missa em nome da avó, à qual toda a família assistiu, mais uma vez, separados uns dos outros. Também já houve uma missa de sétimo dia, mas a família, católica praticante, já está a pensar naquela que vai acontecer assim que a pandemia acabar. "Vai ter um coro, vai ser bonita e alegre. Tudo a ver connosco e, principalmente, com a minha avó".

"Nós, gentes funerários, corremos riscos todos os dias"

Sérgio Rodrigues tinha acabado de chegar de um funeral quando falou com a MAGG. Sabe que as indicações do governo dizem que os funerais devem decorrer apenas com os familiares mais próximos. "Mas e quando acontece numa família como esta última, em que só filhos são dez? Com as noras são vinte pessoas, juntando netos facilmente se chega a uma família de 50".

O agente funerário acredita que as regras têm que ser mais apertadas. "Dizer que o funeral deve decorrer com o menor número possível de pessoas é muito vago", admite. E ainda que tenha lidado até agora com famílias cumpridoras, salienta que é impossível garantir se estão ou não presentes familiares que vieram de fora do País para a cerimónia, e se cumpriram ou não o período de quarentena.

Além do perigo para a saúde pública, Sérgio sabe que a sua integridade física, pelo contacto diário com dezenas de pessoas diariamente, está em causa. "Nós, agentes funerários, corremos riscos todos os dias".

Os cortejos fúnebres estão proibidos, mas velórios não, ainda que sejam muitos os que optam por não fazer. "O corpo vai da morgue diretamente para o cemitério, onde está o padre, que faz uma pequena oração e pronto", explica Sérgio, "se o funeral já é por si triste, assim ainda é muito mais".

São males necessários para evitar contágios e que cada funerária adota da forma que lhe parece mais certa, sempre debaixo de algumas normas gerais da DGS.

Agora, por exemplo, o cadáver não é preparado pelos agentes funerários. Segundo as normas da autoridade de saúde, o cadáver não deve estar vestido e deve ser colocado num saco impermeável — “preferencialmente dupla embalagem”. Depois, o corpo deve ser posto num caixão que não deve voltar a ser aberto. "De preferência, cremar os cadáveres, embora não seja obrigatório fazê-lo", pode ler-se na norma da DGS.

A Associação Nacional de Empresas Lutuosas (ANEL) decidiu reforçar as orientações da DGS com indicações mais específicas. Assim, aconselha que o primeiro contacto entre o agente funerário e a família, na hora de assinatura de contratos e decidir orçamentos, seja feito na agência funerária. "Desta forma, é mais fácil para o operador funerário controlar com mais segurança a higiene do espaço da sala de atendimento e poder fornecer luvas, gel para as mãos e máscaras aos intervenientes", pode ler-se no seu site. Ainda assim, aconselham a que todo esse processo seja feito todo online.

Nas viaturas funerárias não devem circular familiares e a associação aconselha que não sejam feitos velórios. O cemitério deve ser o mais próximo do local de óbito e estas cerimónias podem contar com a presença de um celebrante junto da sepultura ou do crematório”. O número de pessoas não deve ser superior a 10, restringindo a presença aos familiares mais próximos do falecido.