Laura Pereira ainda se lembra da chatice que era quando os clientes da padaria dos pais não traziam o saco de pano para levar o pão para casa. Na década de 60 ou 70, e sem sacos de plástico para o transporte, era obrigada a embrulhar tudo em folhas de papel. "Tentava encontrar os pães que tivessem o mesmo tamanho, punha em filas de três ou quatro muito juntinhos de maneira a que nenhum me saísse do embrulho", conta à MAGG. Embrulho esse que era feito com cordel. Fita cola é coisa de outros tempos.
Também nessa altura, o pão chegava dos fornos em cestos e, para encomendas grandes, usavam-se os sacos grandes de farinha para que os clientes o pudessem levar para casa ou, na maior parte das vezes, para os restaurantes.
Não falamos aqui do homo sapiens, falamos dos nossos pais. Os mesmos que desaprenderam a viver sem o plástico que lhes veio facilitar a vida. Herdámos essa facilidade e agora lutamos para fazer reset a esse processo que nos levou ao ponto de estarmos prestes a ter mais plástico do que peixes no oceano.
Abrem-se mercearias a granel, anda tudo com os saquinhos reutilizáveis e ai de quem ouse usar uma palhinha de plástico. Mas, na verdade, só temos que fazer aqui um exercício de "Conta-me como Foi" e voltar aos hábitos dos nosso avós, eles sim, nascidos na era pré-plástico.
A MAGG saiu à rua para perceber, entre as lojas mais tradicionais e com mais anos de atendimento ao público, como é que funcionava o comércio sem o plástico do nosso descontentamento.
Adília, de 85 anos, ainda se lembra de ir às compras de cesta. Mas é no Mercado da Ribeira, em Lisboa, que a apanhamos cheia de sacos de plástico. "Ai filha, agora é o plástico, depois é a carne, já não podemos fazer nada", diz, em tom irónico. Mas a verdade é que do outro lado da banca está Lídia Lourenço, que com décadas a vender fruta e legumes, já viu de tudo. "Ainda me lembro de toda a gente vir de alcofa de serapilheira às compras", diz. E depois de muitos anos a lidar com o inevitável plástico, nota agora que há cada vez mais clientes a recorrer ao saco de pano. "Até tenho aqui alguns para emprestar a quem me pede".
Ainda no Mercado da Ribeira, uns metros ao lado, está a Casa Africana que, nos últimos dias, se enche de gente à procura do melhor bacalhau. Joaquim Rodrigues ainda o embrulha em papel, como antigamente, mas diz que já é caso raro.
No entanto, lembra-se bem de vender pedaços de sabão ou bolachas — a granel — sempre embrulhado em papel. Ainda assim, e sem seguir modas, mantém há 35 anos os sacos de produtos a granel, desde feijão a grão, fécula de batata ou sémola de milho. "E só uso saco de plástico se pedirem", garante.
Também no Supermercado Japão, na Praça do Chile, em Lisboa, Jorge, proprietário desde 1983, ainda se lembra de embrulhar os produtos em papel e de a maioria dos clientes trazer saco de casa. "Coisa que durou pouco que nos anos 80 começou a haver plástico em todo o lado", conta. Mas o bacalhau, esse, é sagrado. Vai sempre embrulhado em papel pardo.
Fora do circuito das mercearias e mercados, visitámos os Armazéns do Minho, em Alvalade, uma loja de têxteis, que tem no toldo o aviso de que as portas ali estão abertas desde 1954.
Desses 65 anos de comércio, 62 tiveram à frente da loja a D. Mercedes, que ainda hoje, quais 82 anos, se divide entre atender telefonemas, responder aos clientes e escolher o atoalhado certo para cada freguês.
Mesmo os têxteis eram sempre embrulhados em papel, ou então bem condicionados em sacos que os clientes traziam de casa. "Mas não eram sacos destes, eram uns bem mais requintados, uns sacos muito jeitosos", explica. Já Elsa, que entrou como funcionária com 14 anos — hoje tem 56 anos —, lembra que as pessoas nunca deitavam fora o saco. "Tinha-se até muita vaidade em guardá-lo e em reutilizá-lo o mais possível."
O orgulho agora vê-se nos sacos de pano e nos frascos de quem quer voltar aos hábitos saudáveis dos que nasceram em berço reutilizável. Só na cidade de Lisboa, e segundo o site A Granel, existem 44 pontos de venda a granel. No Porto são 19 e, em todo o País, somam-se quase 200. É aproveitar o desembrulhar do bacalhau, que certamente comprou envolto em papel pardo — ai de si que diga que não — e tomar como resolução de ano novo esta brincadeira de, no fundo, voltarmos à década de 60, a mesma da mini saia e dos Beatles. Não nos parece mal.