O caso tem 12 anos, mas nem essa distância temporal conseguiu minimizar o burburinho que se sentia na sala do El Corte Inglés, em Lisboa, que recebeu esta quinta-feira, 12 de setembro, jornalistas de vários órgãos de comunicação social para a apresentação do livro "Eu, Maria das Dores, Me Confesso".
Ao longo de 182 páginas, Maria das Dores confessa que mandou matar o marido num crime que terá sido motivado pelo ciúme e pelos maus-tratos de que era alvo.
Por ainda se encontrar a cumprir os 23 anos da pena de prisão a que foi condenada em 2008, esteve ausente da conferência e teve a representá-la o filho, David Motta, e Virginia López — a autora que ajudou a Maria das Dores durante o processo de escrita.
Apesar de o encontro com a imprensa estar marcado para as 15 horas, só começou 20 minutos depois. O ambiente era de grande tensão, até porque esta era a primeira vez que a ex-socialite tinha oportunidade de revelar a sua versão dos factos tal como os recordava. Mesmo ausente.
E o timing, se é que se pode falar disso num caso julgado há vários anos, decorre de um período de negação, de reflexão e de aceitação do crime já dentro da prisão. Quem o diz é David Motta, 33 anos, filho mais velho de Maria das Dores, recebido com o flash frenético dos fotógrafos assim que chegou à sala.
Apesar de reforçar a sua presença não como porta-voz mas como representante, o modelo explicou que a decisão da socialite, a quem David se refere carinhosamente como "a mãe", em lançar um livro e de conceder uma entrevista a Cristina Ferreira, surgiu depois de esta ter tomado consciência de que "está em risco iminente de partir".
É que depois de uma série de biopsias a várias partes do corpo de Maria, David revela que terão sido encontradas algumas calcificações na mama a que a médica "atribuiu uma grande probabilidade de serem malignas". "Desde aí a mãe entrou num estado de consciência de que o fim estava perto e decidiu que gostaria de deixar alguma coisa ao filho mais novo [Duarte], de chegar até ele e de lhe pedir perdão."
No entanto, não tem dúvidas de que este livro é um ato de coragem. Principalmente porque, nas palavras do modelo, Maria das Dores é a primeira mulher a mostrar que o status quo promove que o melhor é ficar silêncio. "Durante o julgamento houve muito bullying público mas quando a minha mãe tentou dizer alguma coisa mais pessoal, que nunca o fez até agora, isso já causou alarme social."
David refere-se ao facto de antes da entrevista a Cristina Ferreira, Maria das Dores usufruir de saídas precárias para reinserção social. No entanto, depois de ter falado à revista da apresentadora da SIC, Maria perdeu tudo e voltou à cela onde tinha sido confinada no início da pena.
À pergunta da MAGG sobre como Maria das Dores tem vindo a sentir o impacto da entrevista, David é pronto a responder: "Internamente, com o corpo de segurança e com as outras reclusas do Estabelecimento Prisional de Tires, o impacto é muito positivo. Visitei-a ontem [11 de setembro] e ela ria-se, dizia que agora até dava autógrafos."
Os problemas terão surgido da parte da diretora e da jurista estabelecimento. "Houve um papel, que não sei se posso chamar de processo disciplinar, que foi enviado para o Tribunal de Execução das Penas e onde se tenta explicar, com factos que não são verdadeiros — como o de não viver em Portugal ou o de a minha mãe ter pedido para sair a um dia da cadeia para fazer exames —, a retirada da minha mãe do regime de reinserção social. O papel está a ser refutado mas a verdade é que nem a diretora nem a jurista da prisão viram com bom olhos a exposição social da minha mãe", explica à MAGG.
Dirigindo-se novamente aos jornalistas da sala, e sempre com algum nervosismo e tremor na voz, o atual modelo garante que tem curiosidade na exposição mediática que este livro pode vir a receber já que contém material inédito "e muito doloroso de revisitar".
É que apesar de sempre ter estado do lado da mãe ("do lado humano", como reforçou várias vezes entre longas pausas entre frases e nas quais categorizou o crime de "hediondo"), diz que este é até agora o momento mais traumático da sua vida. "Desde que regressei a Lisboa que várias coisas me aconteceram. Já me partiram garrafas na cabeça, chamaram-me filho de uma assassina e barraram-me a entrada em vários sítios que frequentava social e profissionalmente".
Apesar do bullying violento que sofreu, não se considera uma vítima. Mas Maria das Dores também lhe pede perdão neste livro. Virginia Lopez toma a palavra e aborda o elefante na sala com a million dollar question que estava na cabeça de todos: como se conta a história de uma assassina, humanizando-a, mas sem correr o risco de lhe branquear os crimes e desculpabilizar os atos?
"Será que quero escrever a história da mulher que mandou matar o marido?", devolveu a pergunta aos jornalistas. Depois do silêncio, a explicação: "Perguntei-me isto durante muito tempo até que percebi que por detrás da socialite, desta figura que também eu recordava, há uma mulher que merece ser ouvida pela primeira vez — dando a conhecer as suas motivações, emoções e sentimentos."
Todo o processo de escrita, de recolha de testemunhos, e de análise de correspondência inédita demorou seis meses. E diz a escritora, apoiada nas declarações de David Motta, que é um ato de amor para com Duarte — o filho mais novo que não vê desde o primeiro dia em que entrou na prisão e que atualmente terá cerca de 21 anos e estará a estudar Medicina.
"Duarte, perdoa-me. A minha sentença não é a prisão, e saber que, por aquilo que te fiz, não mereço voltar a ver-te. Mas, se algo desejaria, antes de morrer, era que um dia pudéssemos voltar a estar os três, juntos outra vez", lê-se numa das páginas do livro de Maria das Dores.
"Eu, Maria das Dores, Me Confesso", editado pela Verso de Kapa, chega às livrarias portuguesas esta sexta-feira, 13 de setembro, e custa 15,50€.