Marcamos o encontro para as nove da manhã mas um imprevisto de última hora impede o nosso fotógrafo de estar presente. "Pode passar cá à tarde para tirar umas fotografias?", arriscámos. Helena olha para a Marta, franze a cara em sinal de desconforto, mas acaba por aceitar. "É que não quero ter as bonecas muito tempo ao sol", explica.

Percebemos logo ali que, para esta dupla de colecionadoras, as Barbies são muito mais do que bonecas. É por isso que, desde a década de 60, altura em que Helena teve o seu primeiro exemplar, até agora, a coleção não parou de crescer e chega já aos 1.900 exemplares. "Ó mãe, não eram mil?", pergunta Marta. "Chiu, isso é aquilo que dizemos lá em casa para ninguém nos chatear".

É que, de facto, esta não é uma paixão comum nem tão pouco barata. Helena Duarte e Marta Botelho são mãe e filha e têm uma coleção conjunta avaliada em 300 mil euros, valor que podia ser maior caso não fossem 'deboxers', ou seja, colecionadoras que tiram as bonecas da caixa. "A partir do momento em que fazemos isso perdem automaticamente valor", explica Marta. "Mas de outra forma, como é que brincávamos?", interrompe Helena, já com a sua boneca preferida na mão. Deu-lhe o nome de Miranda — sim, porque aqui, aquelas que não têm já um nome de origem são batizadas pelas duas — e é a que Helena gosta mais de usar para vestir e pentear.

Quando Marta e Helena dizem que ainda brincam, brincam mesmo. Montam cenários, criam roupas e acessórios e até dão nome a cada uma das bonecas

Já Marta, admite ser incapaz de escolher uma favorita e prefere destacar a mais recente, oferecida pelo marido que, ainda que não ache grande piada ao dinheiro investido na coleção, recorre a ela sempre que fica sem ideias para Natais e aniversários. Está vestida de cor-de-rosa e tem uma faixa a dizer "since 1959", não fosse esta a boneca lançada pela Mattel para assinalar os 60 anos da Barbie. Este sábado, 9 de março, celebram-se seis décadas desde que a boneca chegou ao mercado pela primeira vez.

Uma loucura hereditária

Helena teve a sorte de nascer em Angola e ter uma Barbie pouco tempo depois de a boneca ter sido lançada no mercado. É que, a Portugal, a boneca só chegou em 1983.

"Até ali, era tudo muito 'abebezado', a imitar os recém-nascidos e, para termos algo diferente, eu e as minhas amigas fazíamos umas bonecas em papel, para vestir e despir", conta Helena, lembrando que, "no fundo, a Barbie veio responder àquilo que as crianças da altura procuravam".

Já aí, Helena tratava as bonecas com um cuidado fora do comum. "Tinham uma cama, vestiam o pijama quando eu vestia e, muitas vezes, eu e a boneca andávamos vestidas de igual", conta. Para isso contava com a cumplicidade da mãe, com quem passava horas a brincar. "Pensava que esta loucura vinha de onde?".

De África só trouxe duas bonecas, uma delas a primeira alguma vez lançada no mercado, e acabou por adormecer esta paixão até ter a primeira filha e ver que, sempre que iam aos hipermercados, os olhos de Marta caiam automaticamente sobre as Barbies.

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Marta lembra-se da primeira que lhe chegou às mãos, a Twist and Curl, e recorda as tardes a brincar em casa, uma espécie de oásis para todas as amigas que, claro, viam ali uma espécie de Barbielândia em plena Lisboa. Mas no parque de diversões de Marta havia regras. "Ainda me lembro do drama que foi quando uma amiga rasgou o fato de banho da minha Barbie".

Esta vontade de manter as bonecas intactas fez com que rapidamente passasse das Barbies de brincar para as de coleção. Se, tal como nós, achava que as Barbies eram todas para brincar, prepare-se. Juntos vamos entrar num mundo paralelo, no qual Helena e Marta se movem como se lá tivessem nascido.

O encantado mundo dos colecionadores

Vivem em Lisboa, mas as Barbies têm casa própria. É na vivenda de família, em Castelo de Bode, que está reservada uma sala com vitrines montadas especialmente para expor, "já muito encavalitadas umas em cima das outras", as 1.900 Barbies que as duas já conseguiram juntar.

Começam por apresentar a única alguma vez feita para Portugal, a propósito da Expo 98, e aquela que representa o País numa coleção alusiva as Jogos Olímpicos de 2000, em Sidney.

A partir daí, abre-se toda um caixa de Pandora. São duas vitrines cheias com os modelos criados para representar os vários países. Depois da indiana, da mexicana, da japonesa e da sul africana, passamos para a coleção que representa as profissões. "Durante muito tempo, a Barbie era considerada uma boneca demasiado sensual para uma criança brincar e dar-lhe uma profissão ajudou a humanizá-la", explica Helena. A primeira foi a Barbie Astronauta, em 1986, e a partir daí seguiram-se a professora, a oftalmologista, a jornalista, a bombeira e podíamos continuar numa lista que tanto Marta como Helena sabem de cor.

Há ainda as Barbies criadas por marcas, como o caso da Coca-Cola ou do Hard Rock, ou as que representam figuras como Cher, Olivia Newton John, Frida Kahlo ou Oprah.

Chegámos finalmente à coleção que faz bater ainda mais forte o coração de quem sente arritmias sempre que é lançada uma boneca nova. "As dos estilistas são mesmo as nossas preferidas", admite Marta, enquanto aponta para os exemplares da Versace, Oscar de la Renta, Christian Dior ou Christian Louboutin. Fica a faltar uma cuja compra Helena diz ser uma loucura, como que a tentar convencer-se disso. É a Barbie criada por Karl Lagerfeld que custava mil euros mas que agora, depois da sua morte, pode chegar aos 11 mil euros.

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Ainda que nunca tenham chegado a esse valor, já pagaram 500€ pela Barbie Ferrari, "com uns brincos e uns colares de prata lindos", descreve Helena. É que nem só de vestir e despir vive uma Barbie, pelo menos não as desta família de colecionadores.

Marta convenceu o sogro a trocar as miniaturas de carros que fez toda a vida pelas miniaturas feitas para que a Barbie ganhasse novos habitats. Agora, cria e vende, principalmente para o estrangeiro, móveis feitos à medida das bonecas, aos quais são acrescentados pormenores como frascos de perfume, joias, vasos de flores e candeeiros.

E como tudo isto era demasiado bom para ficar entre portas, todas as quartas, que passaram a designar de "as quartas-feiras loucas", qual Telepizza, abrem a casa a outros colecionadores para que juntos possam brincar. "Sim, brincar", reforça Helena. Vestem-se como Barbies e vestem as Barbies como a imaginação dita, criam cenários, penteiam, despenteiam e trocam ideias para os cenários da semana seguinte. No Natal vestem as Barbies com roupa natalícia, na passagem de ano com acessórios como se fossem festejar a meia-noite e, para as convenções que reúnem alguns dos maiores colecionadores do mundo, levam bonecas vestidas de gala. Marta criou ainda uma página de Instagram na qual partilha fotografias dos melhores cenários e o resultado dos encontros mais loucos. "Foi bom perceber que não estávamos sozinhas nisto", brinca.

As outras duas filhas de Helena pouco ligam a bonecas e até picam a mãe para que venda a coleção e compre antes um carro. "Nunca", respondem em uníssono. Mas expor a coleção a todos sim, é uma vontade das duas.

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"Sonho com um museu onde as bonecas tenham o espaço que merecem, sem terem que estar umas em cima das outras na casa de Castelo de Bode", refere Helena, que, um dia que consiga tornar real este projeto, impõe apenas uma condição. "Ainda me lembro de ir ao Museu do Brinquedo, em Sintra, e a primeira coisa que diziam, logo à entrada, é que não se podia tocar em nada. No meu museu, tem que haver um espaço para que as crianças possam brincar com Barbies. Afinal, não é para isso que elas servem?".