Trocámos as escadas rolantes e as filas pela típica calçada portuguesa e fomos à procura de prendas para toda a família no comércio local da baixa de Faro. Apesar de termos conseguido perceber que é possível e que nestas lojas existe muito mais do que a maioria de nós pensa, percebemos também que por aqui não se vivem dias nada fáceis.

Estamos a poucas semanas do Natal, é véspera de feriado, e nesta altura, em anos normais, já se começava a sentir a correria em busca dos presentes perfeitos para toda a família. A verdade é que este ano nada é normal e os comerciantes com quem falámos têm plena noção disso.

Há uns tempos atrevíamo-nos a dizer que o comércio local só morria se deixássemos, mas com a pandemia acreditamos que já não seja bem assim e os proprietários das lojas acham o mesmo. Estamos no sul de Portugal, a chamada "capital do turismo". Por algum motivo assim é designada e é também a falta dele que faz com que dezenas de famílias já tenham vivido dias melhores.

Numa das transversais, entramos numa loja que nos parece ser o seguimento de outras duas que se localizam na mesma rua. Dina recebe-nos com toda a simpatia e tempo visto que clientela é coisa que não andava por ali. "Olhe, hoje ainda não entrou aqui ninguém", começa por dizer quando lhe perguntamos como vai o negócio e como está a ver a situação atual. Não é a proprietária, mas tem assistido à evolução e também a todas as fases menos boas visto que já aqui trabalha há 33 anos. Em tempos, era aqui que grande parte da população da cidade fazia compras de roupa, tanto de dia a dia como interior visto que a loja do lado, também dos mesmo proprietários, é mais destinada a essas peças. Explica-nos que o local teve obras recentes tornando-se mais moderno, mas as mudanças não se sentiram só na decoração. Ao contrário do que acontecia há vários anos, em que os dias eram atarefados, Dina passa agora horas sem ver entrar um única pessoa na loja. Mostra-nos os artigos com todo o gosto e apresenta-nos ainda às proprietárias que se encontram na porta ao lado.

Passamos da "Mini Mundo", uma loja com mais de 50 anos de existência, para a "Perfil" onde temos o prazer de conhecer a Joana, a Fernanda e a Cristina que nos contam a história dos três estabelecimentos.

Faro
Cristina e Fernanda, as donas do negócio créditos: MAGG

"Começámos a sentir uma grande quebra principalmente agora com a pandemia", diz logo Fernanda. "Mas é uma quebra que já vem de alguns anos", acrescenta Cristina que se encontra mais ao fundo da loja explicando que com a abertura dos centros comerciais as superfícies pequenas sentiram mais. "Se dizem para as pessoas ficarem em casa é normal que saiam menos e que aqui isso se faça logo sentir também. Nesta loja como é de roupa mais jovem ainda temos clientes porque esses saem, mas aqui ao lado o público é de pessoas de mais idade que têm receio de apanhar o vírus", explica.

Estamos a falar de lojas antigas que não estão associadas a nenhuma plataforma digital. "Quem quer comprar tem mesmo de cá vir", explica Joana dizendo que a "Perfil", por se tratar de uma loja mais jovem, é a única que já tem uma página online. Ao contrário do que acontece com a tia e com mãe, a idade dá-lhe vontade para apostar noutros meios e diz que para fazer face à situação atual estão já a pensar lançar um site. "Se o fizéssemos para as outras casas era o mesmo que nada, visto que as pessoas mais velhas não ligam a essas coisas", afirma Cristina.

Na "Mini Mundo Íntimo" Joana dá-nos a conhecer a Isabel que, tal como Dina, dá a cara pelo negócio há vários anos. Numa loja onde se vende de tudo um pouco — pijamas, atoalhados, lingerie, lençóis e muito mais — nem a variedade salva o negócio. Isabel diz que não tem noção de quantas peças vende a menos, mas consegue afirmar que são bastantes. "Podemos dizer que estamos a assistir a uma quebra de cerca de mais de 50%, uns 70, talvez", afirma Cristina, uma das donas, enquanto nos mostra as melhores peças da loja. Apesar da pouca clientela, continuam a apostar na qualidade do que vendem. Tanto a "Mini Mundo", como a "Mini Mundo Intimo" e a "Perfil", são lojas multimarcas onde se encontra de tudo um pouco e para todas as carteiras. Desde os casacos requintados aos pijamas quentinhos.

Umas ruas mais a baixo chama-nos à atenção uma montra repleta de máscaras feitas à mão. Decidimos entrar e qual não é nosso espanto quando encontramos duas pessoas a costurar em plena loja. Os artigos de destaque espelham na perfeição os tempos que se vivem. "Temos de produzir consoante a procura", explica a proprietária. Ao contrária das donas da Mini Mundo, Glória não consegue fazer um paralelismo com o negócio antes da pandemia. "Não noto muita diferença porque estou aqui há pouco tempo. Não sabia como ia ser se não estivéssemos nesta pandemia, por isso não me posso queixar muito", afirma acrescentando que acredita que se tivesse aberto noutra altura os clientes eram mais. "Ainda apanhei o agosto e com o turismo vendi. Agora já não se vê os turistas, é mais complicado."

Faro
Glória abriu o negócio recentemente na Baixa de Faro créditos: MAGG

Rapidamente passou do balcão, onde fala connosco, para se jogar à máquina de costura e continuar o trabalho. Para além dos artigos que vendem de produção própria têm ainda uma parceria com outra marca. Numa loja pequena, Glória trabalha em conjunto com mais uma pessoa que não quis ser fotografada.

Em plena Rua de Santo António encontramos uma loja mais direcionada para a decoração. Há vários artigos de Natal na montra, mas ainda assim, por aqui não se vê entrar ninguém. A responsável não nos deixa fotografar, mas refere que o comércio local, para além da pandemia, é também muito afetado pelo estacionamento. "Aqui paga-se estacionamentos, as pessoas vêm a correr, fazem uma compra e estão sempre preocupadas com o carro que deixaram mal estacionado ou que está quase a tingir a hora limite, nos centros comerciais isso não acontece. Nós estacionamentos no parque estamos descansados, não apanhamos chuva, não pagamos estacionamento, corremos as lojas todas e devido a isso acho que baixou muito aqui as vendas no comércio."

Antigamente, a movimentação era outra, principalmente ao sábado de manhã. "Agora já nem as promoções nos salvam", refere quando perguntamos como correu o negócio na Black Friday. "Entraram mais um ou duas pessoas nesse dia."

Faro
Maria Antónia à porta da loja de calçado créditos: MAGG

Maria Antónia é quem dá a cara pela loja onde se pode encontrar todo o tipo de calçado. Há semelhança da loja anterior, não é a dona do negócio, mas a idade e a experiência permitem-lhe ter perfeita noção de todos os momentos pelos quais a casa já passou. Na Valério Sports há vários ténis em promoção, sandálias que não se encontram em mais lado nenhum, paez e crocs, ideias para oferecer este Natal consoante os gostos e carteiras de cada um. Quanto ao negócio, a situação não é diferente das restantes, mas Maria teme, principalmente, pelas gerações mais jovens. "Eu já vivi tudo, daqui a pouco vou para a reforma. O pior vai ser para vocês, jovens, que agora estão a começar. Tenho muito medo pelos meus filhos", afirma com um ar ternurento enquanto nos leva à porta.

Na loja onde Manel Martins trabalha há mais de 15 anos, temos de esperar à porta para poder entrar. Isto porque é um sítio pequeno onde já estava um cliente — o primeiro com o qual nos cruzamos desde o início. É só um, mas a verdade é que faz diferente em dias em que por vezes não entra ninguém, explica o trabalhador. A loja é a típica paragem obrigatória de um grupo de turistas. Há ímanes para o frigorifico, postais, artigos tradicionais da região e de Portugal e são estas características que fazem com que aqui já se tenha vivido dias melhores.

Os artigos de pele são os que mais nos chamam à atenção. Manuel explica que os objetos que os turistas mais querem comprar já vêm no seguimento de fazer face à crise. "Inicialmente a loja era só de peles, agora nada nos vale. Estamos outra vez a adaptarmo-nos à situação." Com um olhar desgostoso e incerto quanto ao futuro confessa que o mais provável é que tenham mesmo de fechar. "Isto está muito parado comparado com os outros anos. Mesmo a crise anterior que tivemos não tem nada a ver com isto. Estamos com a carta na mesa para fechar agora em Março. Já está mais ou menos decido", responde quando perguntamos se acha que o negócio vai conseguir suportar a situação atual. "O que o estado não está a gastar agora para ajudar os comerciantes vai ter de gastar mais tarde para me dar o fundo de desemprego", refere revoltado com as medidas atuais e remata: "Olhe, o que é preciso é ter saúde".

Aqui, encontrámos o avental que qualquer chefe de cozinha ambiciona ter, um conjunto de estojo e leque, ideal para os dias de teletrabalho de maior calor, e ainda umas pequenas malas para os mais novos.

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Pantufas de criança (7€) créditos: MAGG

Uns metros à frente, falamos com Sílvia que, cuidadosamente, ajeita umas pantufas de bebé num dos balcões. Trabalha na loja há 23 anos e recorda com saudade os tempos em que ainda precisava de companhia para dar conta do recado. "Até ao ano passado tínhamos sempre duas funcionárias, pelo menos ao fim de semana, agora já não compensa. Isto está muito mau."

Com a pandemia também perdeu grande parte da clientela que se fazia mais de turistas. "Com as excursões, passavam sempre aqui e acabavam por comprar qualquer coisa. Agora aparece um ou outro, mas não tem nada a ver." Fazer comparações com a antiga crise é inevitável, a maioria passou pelas duas, mas afirma, com toda a certeza, que esta está a ser muito pior. Agora, os comerciantes esperam ansiosos por melhores dias e pelo regresso do turismo que aqui faz tanta diferença.

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Rui Martins continuou o negócio do pai na Relojoaria Farense créditos: MAGG

Na relojoaria farense falamos com Rui Martins que pegou no negócio do pai, com mais de 40 anos. Há peças bonitas para todos os gostos e idades. Rui diz que percebe a correria para os centros comerciais, principalmente, devido à dificuldade de estacionamento, mas lamenta que assim seja. "Os artigos até podem ser os mesmos, mas o atendimento não é", afirma referindo que as pessoas fazem cada vez mais compras por impulso, mas quando têm algum problema com as peças acabam por preferir estas lojas mais pequenas. "Faz parte. Eu costumo dizer que isto dá para todos e penso que a fatia que os centros comerciais comeram também já não muda muito porque agora estão eles em luta entre eles."

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Dina Silva é a responsável pela galeria de arte créditos: MAGG

Uma casa com muito menos anos de vida é a Galeria de Arte "Porta do Nascente" onde encontramos a Dina Silva sentada em frente a um computador.  Aqui há quadros, várias peças pintadas à mão e quando era possível faziam-se workshops. "Agora não temos feito e tem sido uma quebra mesmo muito grande. Estou aqui desde as 10h da manhã e ainda não entrou ninguém. Só mesmo os amigos é que têm ajudado. Deixou de haver as tours e os turistas já não passam aqui." Na página de Facebook vai partilhando as suas criações, tentando, desta forma, chamar mais gente, mas nem assim se torna fácil. "Às vezes, até fico aqui fora da hora para ver se apanho as pessoas depois de saírem do emprego, mas não tem vindo quase ninguém." Automaticamente somos interrompidas por um turista que entra, vê as peças,  mas não leva nada. "A minha sorte é que não vivo apenas disto", remata Dina. A porta da nascente tem os presentes ideais para quem gosta de artigos exclusivos, desde as caneca aos quadros únicos.