Em outubro foi divulgada a notícia: a Algés chegaria no final de novembro a Capital do Natal, o maior parque temático do País dedicado a esta época festiva e o maior Christimas Fun Park da Europa. A narrativa estava bem definida: uma menina sonhou que queria um Natal diferente em Portugal, com muita neve e gelo, tal e qual como no imaginário da Lapónia. Pediu o desejo e ele concretizou-se na forma deste parque temático. Ou será que não? É discutível — mas já lá vamos.

“Cada visitante vai ter uma experiência imersiva. Vai interagir com a história", disse, pela altura, João Godinho, um dos responsáveis pela promoção do projeto, ao jornal "Público". As expectativas eram elevadas: prometeu-se uma "recriação total da Lapónia", escreveu o mesmo jornal, vivida numa experiência com direito a tudo o que neste universo mágico existe, desde os elfos à neve verdadeira. Uma das imagens promocionais dava sinais do mesmo: um universo cheio de luzes natalícias, incluindo uma aurora boreal. A única condição para viver a experiência passava por pagar a entrada: 25€ para crianças até aos 12 anos e 30€ para adultos.

O cartaz promocional do parque temático

A 30 de novembro abriram as portas do parque. E dois dias depois começaram a chover críticas ao espaço e aos promotores do evento. Falava-se em "fraude", falava-se em "publicidade enganosa", criticavam-se as longas filas de espera, a falta de neve, de atividades e de um ambiente que vá ao encontro daquele que foi prometido. Os principais queixosos foram os espanhóis (a Capital do Natal teve muita divulgação mediática em Espanha) que vieram a Portugal viver a experiência. E o descontentamento foi tanto que a Unión de Consumidores de Extremadura recebeu mais de 100 chamadas a reclamar. Foi também criado um grupo no Facebook com os "lesados" da Capital do Natal, já com milhares de aderentes.

No Twitter também não param de cair duras críticas ao parque temático, sendo que até já figuras públicas se mostraram indignadas com a falta de condições com que se mantêm renas no parque temático — uma delas descrita pelo autarca socialista Jorge Rato como “escanzelada a pastar em alcatifa", numa Assembleia Municipal de Oeiras.

“As renas que estiveram no parque Capital de Natal pertencem à entidade ‘Burros do Magoito’, uma entidade idónea e fidedigna, conhecida pelo tratamento exemplar que dá aos seus animais.

Durante a sua permanência no recinto, os animais foram acompanhados em permanência por um tratador com conhecimentos adequados para garantir o maneio, alimentação, limpeza ou qualquer outra necessidade para o seu bem estar, bem como por um veterinário.

As renas estiveram sempre soltas em exposição, numa área de cerca de 200 metros quadrados, muito para além do mínimo recomendável, de forma a assegurar o seu bem-estar e adequada segurança.

Apesar de considerarmos estarem reunidas todas as condições ideais para o bem-estar dos animais, condições essas que foram atestadas por todas as entidades envolvidas no processo de certificação, antes e após a abertura do Parque, somos sensíveis aos comentários e diferentes perceções que temos recebido, e optámos por retirar as renas do recinto, de forma a não ferir a suscetibilidade de quem nos visita.”

Entretanto as renas foram retiradas da Capital do Natal, na sequência da o IRA — Intervenção e Resgate Animal ter contactado o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), que, cita o "Público", "procedeu a uma ação de fiscalização no local, tendo verificado que apesar da espécie de Rena da Lapónia (Rangifer tarandus) não estar inscrita nos anexos da Convenção sobre o Comércio das Espécies da Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES), e portanto isenta de licenciamento ao abrigo desta convenção, a entidade responsável pelo evento não era detentora da necessária licença para exposição de animais exóticos”.

Já sem renas, a MAGG quis ir conhecer o parque e tirar as suas conclusões. A resposta é complexa, porque há muitos pontos a considerar. É que há indignações que fazem sentido, outras que podem ser, talvez, fruto da avalanche de ódio que facilmente se cria e engrandece pelas redes sociais. Por último, mas não menos importante, há os aspetos que, podem, efetivamente, ser melhorados. Mas vamos por partes.

Primeiro ponto. Expectativa Vs. realidade

Não é o que imaginávamos na sequência do que foi comunicado à imprensa. Mas não podemos afirmar que, no caso português, houve publicidade enganosa. Houve apenas um elevar de expectativas não correspondidas.

Vejamos. Encontrámos no parque temático tudo o que foi prometido no seu período de promoção: a roda gigante (ou Grande Roda do Ártico), a pista de gelo (ou Dança no Céu de Gelo), a árvore de Natal (ou Árvore do Tempo Infinito), o Bosque dos Elfos e as respetivas atividades para os miúdos (desde uma peça de teatro escrita pela autora Sara Roddi, ao posto dos Correios onde as crianças podem escrever uma carta ao Pai Natal), sem esquecer o Expresso dos Cinco Sentidos (um comboio que circula no recinto) ou a Montanha do Vento Corajoso (uma espécie de escorrega gigante, para descer em cima de boias).

Os elfos também estavam lá a entreter os miúdos, enquanto comunicavam num idioma impercetível. Também vimos a prometida neve verdadeira, presente naquele que é o ponto alto do parque temático: no Palácio dos Guardiões da Neve, com 1.300 metros quadrados, estão temperaturas negativas, o chão e as paredes estão cobertos de neve . Também há esculturas de gelo, na forma de animais, espalhadas pelo espaço, escorregas de gelo e uma zona para atirar bolas de neve.

Agora, a existência das atrações que foram comunicadas transportam-nos para o Círculo Polar Ártico? Pois, nem por isso. O Passeio Marítimo de Algés continua a ser sempre o Passeio Marítimo de Algés. Quem comprou bilhete à espera de ser levado para um imaginário fantástico, repleto de luzinhas, de trenós, de neve e de criaturas fantásticas poderá não encontrar aquilo que esperava.

Para isto contribuem vários aspetos. Os tapetes verdes, a replicar uma relva manhosa, cobrem o chão e lembram-nos o concerto a que assistimos no Alive do ano passado. Os materiais que tornam todas as atrações possíveis estão mal camuflados nuns bastidores que estão visíveis aos olhos de todos. A dispersão das atrações, espalhadas pelos 72 mil metros quadrados que o parque temático ocupa, criam um défice de narrativa e incapacidade de imersão no mundo fantástico da época, até porque, tendo em conta a dimensão, não há decoração e iluminação suficientes para a criação do postal natalício tão desejado.

Quanto à música, é intermitente. Tanto se ouve o "All I Want for Christmas is You" ou o "A Todos um Bom Natal", como se tem como banda sonora os sons da cidade. Não sabemos o que é que é pior. Soma-se a isto um potencial problema de filas: visitámos no início da tarde de terça-feira, 3 de dezembro, e, apesar de estar calmo, conseguimos vislumbrar as filas que ali se montam ao fim de semana, quando as famílias têm disponibilidade para visitar a Capital do Natal.

Portanto, as atrações prometidas estão todas lá e nenhum português pode alegar que, neste aspeto, foi enganado — não foi. Agora, a Capital do Natal é de uma beleza arrebatadora, que faz jus ao imaginário alimentado, em parte, pela organização?  Pois, talvez não. Pagar 30€? Aqui do nosso ponto de vista, talvez também não.

O problema da insatisfação espanhola

Portugueses podem ter saído do parque desiludidos, mas o caso espanhol é bem mais grave. É que aqui a expressão "publicidade enganosa" faz, de facto, sentido. De acordo com o que Rui Madureira, da organização da Capital de Natal, explicou à MAGG, a imprensa de Espanha vendeu o parque temático de uma forma que não correspondia à realidade. "Havia pessoas quase equipadas para virem para uma estância de esqui", conta.

"Depois da inauguração, tivemos sete mil visitantes no recinto, muitos dos quais eram espanhóis. Verificámos alguma insatisfação ao longo do dia — começámos a ver as redes sociais e percebemos que existia um problema e começámos a tentar perceber o que é que se estava a passar", explica.

De acordo com o que relata o membro da organização, foram à procura da raiz do mal. "Diziam que estávamos a entregar algo diferente do que tínhamos publicitado. E aí percebemos que houve sites em Espanha a fazer um overselling brutal da Capital do Natal: pegaram em reportagens de meios de comunicação social portugueses e fizeram uma tradução livre, que resultou, por exemplo, em notícias que diziam que ia haver uma pista de esqui com neve real."

Com estas notícias, as agências de viagens começaram a criar pacotes que induziam as pessoas em erro. Na sequência disto, instalou-se o caos da insatisfação. O mau tempo no fim de semana também não ajudou, tendo transformado a experiência — para portugueses e espanhóis — pouco positiva. “Como somos um espaço outdoor, veio influenciar a experiência dos nossos visitantes", diz Rui Madureira.

E, assim, começa o vírus do descontentamento a circular nas redes sociais — ou, como lhe chamou Francisco Gonçalves, vice-presidente da Câmara Municipal de Oeiras, uma "histeria coletiva" —,  que começou com os visitantes espanhóis, alastrando-se para um público português desiludido com a experiência.

Rui Madureira compreende a "insatisfação" destes clientes, mas chama a atenção para o facto de o descontentamento ter origem em problemas com as entidades espanholas.

Para as pessoas que reclamaram e exigiram o reembolso, o responsável explica que será dada uma segunda oportunidade para que, gratuitamente, possam visitar novamente a Capital do Natal numa data à escolha, até ao final do projeto, a 12 de janeiro. "Queremos que as pessoas voltem e percebem o que queremos proporcionar."

Sobre o escorrer de críticas que apontam uma péssima relação qualidade preço, Rui Madureira chama atenção para o facto de o valor da entrada permitir usufruir de tudo o que existe no parque, as vezes que o visitante desejar, sem pagar mais por isso. "Os 30€ permitem usufruir de todas as atrações, sem limite de utilização, o que acaba por ser muito barato. Domingo tive o cuidado de interagir com muitos visitantes nas filas. E a realidade é que as pessoas comentavam: quando vim para aqui achava que era caro, mas o meu filho já desceu não sei quantas vezes este escorrega.”

"Fomos buscar o melhor que existe"

Assumindo que há aspetos a melhorar, Rui Madureira garante que não faltou empenho na criação da Capital do Natal.

“Este ano é a nossa primeira edição e como qualquer outra, acabada de nascer, temos um longo caminho a percorrer, somos humildes e queremos sempre melhorar o que for possível na experiência", diz. No entanto, destaca: "Como Parque Temático de Natal, nada foi construído assim. Estivemos dois anos a estudar a temática do Natal e nunca vi nada assim feito em Portugal. Fomos buscar o melhor que existe."

Chama a atenção para vários aspetos. “A nossa pista de gelo é feita de gelo real. Não temos um acrílico frio, como é costume. Temos a maior pista do País, com mil metros quadrados, com capacidade para 120 pessoas ao mesmo tempo", salienta, destancando, de seguida, os esforços dedicados ao Palácio dos Guardiões do Gelo.

"Não há perceção do desafio técnico e tecnológico para produzir neve e gelo ao lado do rio Tejo — foi um desafio gigante, que resultou numa soma de investimento bastante avultada. Investimos mais de um milhão só para isso. Entrámos no terreno a 8 de outubro e posso dizer que nos primeiros 15 a 20 dias sofremos para controlar todas as viráveis: a humidade, salinidade, temperatura do terreno, a água. Aquela tenda insuflável [que cria bolsa de água que permite absorver a diferença de temperatura] não existe em Portugal — teve de vir da Finlândia.”

Para Rui Madureira, é nesta atração que está a tal "recriação do Círculo Polar Ártico": "São 1.300 metros quadrados, repletos de construções de gelo feitas com um grau de detalhe que, do ponto de vista artístico, é fabuloso. Trouxemos 50 toneladas de blocos de gelo da Finlândia, em contentores frigoríficos, que foram cortados no terreno. Uma equipa de escultores russos construiu aquelas peças, esculpidas no terreno. Não houve moldes ou processo industrial por detrás. Foi tudo à mão.”

A construção do parque incluiu, conta o organizador, visitas à Finlândia. E tem alusões a uma tribo, que estará na génese do Natal. “No Bosque dos Elfos, há tendas tipi, que não estão lá por acaso: são uma alusão à tribo indígena Sami, que faz parte da génese do Natal. Mais do que copiarmos aquilo que já foi feito, fomos à matriz da época, fomos buscar uma série de cores e de tradições, para a recriarmos”, diz, acrescentando que até a roupa dos elfos foi inspirada nesta tribo — assim como o símbolo presente no pórtico da entrada, que representa o dia e a noite nesta cultura, na qual o conceito de horas é inexistente.

Rui Madureira chama ainda a atenção para qualidade das tendas utilizadas, assim como das empresas contratadas para a montagem do espaço, para a zona de restauração e ainda para a criação do branding.

E reforça: "Somos humildes e sabemos que há coisas a melhorar, porque acabámos de nascer. Seria arrogante não termos uma tónica de melhoria continua. Agora, achamos que aquilo que conseguimos materializar está muito acima daquilo que são as experiências de Natal de Portugal."

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