João Maria Pinho é um rapaz de 20 anos diagnosticado com autismo que, contra todos os obstáculos que foi vivendo ao longo da vida, conseguiu ingressar no curso profissional de Técnico de Ação Educativa, na EPET (Escola Profissional de Estudos Técnicos), em Lisboa, encontrando-se neste momento no 11º ano. Durante a sua formação, o João (tal como os restantes colegas), tem de fazer vários estágios curriculares, pelo menos um por cada ano escolar, com a duração de um mês, o que constitui uma dificuldade acrescida, quando comparado aos seus pares, revela a mãe.
Face a este problema, em fevereiro, Sofia Paço, partilhou o sucedido nas suas redes sociais, e só recentemente conseguiu ter uma reunião com a direção da escola, juntamente com a coordenadora de estágios do filho, para tentar saber quais teriam sido as escolas que o recusaram durante o processo de atribuição de estágios. De acordo com a mãe, na reunião, Inês Rodrigues, diretora da EPET, e Catarina Ramos, diretora de turma e coordenadora de estágios, recusaram-se a indicar os nomes das escolas.
"O João Maria é um menino que foi diagnosticado com autismo, num grau em que nunca iria falar, nunca iria escrever, tivemos professores que se recusaram a ensinar a ler, fui eu que tive de começar esse processo", contou a mãe, Sofia Paço. "A verdade é que, com muita pressão, e contra todas estas barreiras, ele está neste momento a tirar um curso profissional de Técnico de Ação Educativa na EPET, uma escola que o aceitou. Esta escola é incansável, o problema não é a escola onde ele está inserido", refere.
Na altura, Sofia contou em entrevista à MAGG que "a turma toda" estaria "integrada em estágios menos o João", dada a indicação de que é autista. "Neste momento ele nem é autista profundo, está no espetro do autismo, é um rapaz super funcional. Tem dois irmãos mais novos e relaciona-se perfeitamente com eles, inclusive no ano passado esteve a trabalhar numa colónia de férias. Não foi um estágio, esteve mesmo a trabalhar, e algumas escolas em Lisboa estão a recusá-lo por este motivo. A partir do momento em que é autista, não é aceite", afirma Sofia Paço.
"Nós somos todos diferentes, vemos o mundo de formas diferentes. O João não é deficiente, o João tem uma condição diferente, aprende de forma diferente, mas não é uma pessoa que não é capaz de fazer. Não é porque tem um diagnóstico, uma condição, um nome, que diz que está no espetro do autismo. (...) Os rótulos são para as embalagens, não são para as pessoas". "O João tem sempre de provar mais que os outros que tem capacidades, pior do que isto é que temos de implorar para que deem uma oportunidade, para mostrar que tem capacidades", revela a mãe.
"Ele chama-se 'João Maria', não se chama 'João, o Autista', e tem de ter as mesmas oportunidades"
No que diz respeito ao processo de atribuição de estágios, a mãe explica que "é a escola, nomeadamente a coordenadora de estágios, que contacta outras escolas para saber se aceitam os estagiários", e de seguida é feito um enquadramento do aluno, para perceber onde se poderá encaixar. "As escolas, a partir do momento em que sabem que ele é autista, nem sequer se dão ao trabalho de o querer conhecer", diz.
"Se ele foi aceite no curso, e está a fazer o curso tal e qual como os seus pares, tem os mesmos direitos que os seus colegas. Depois de ser aceite, efetivamente, tem de se traçar o perfil do aluno, e não se pode dizer que ele não é autista, tem de se dizer a sua condição, tal como de todos os outros alunos, agora não pode é ser recusado por causa disso", diz Sofia Paço.
Face à exposição do caso nas redes sociais, a mãe acabou por encontrar um local de estágio para o filho. "Felizmente, a Internet também tem estas coisas boas, não são só coisas más". O João acabou por ser inserido no Colégio da Beloura, "um colégio que queria muito que o João lá fizesse o estágio, porque é uma escola com um ensino muito diferente, queria dar uma visão diferente ao João em relação ao ensino tradicional, (...) e tem adorado, está super feliz". Contudo, Sofia Paço recusa-se a cruzar os braços, e quer descobrir os nomes das escolas que, alegadamente, terão recusado acolher o João no âmbito do seu estágio curricular.
"Quando faço estas denúncias e quando faço estas partilhas, eu não tenho dúvidas de que iria arranjar uma escola para o João. (...) É a mentalidade, isto ainda acontece, acho que é desumano, porque ele chama-se 'João Maria', não se chama 'João, o Autista', e tem de ter as mesmas oportunidades. Ele foi aceite na escola, não tem de provar mais nada, apenas o mesmo que os outros, nas mesmas condições".
Sofia não foi logo informada de que João estaria a ser recusado dos estágios. Em fevereiro, questionou a escola. Os estágios estariam prestes a começar e ainda não tinha conhecimento de nenhum local para o filho. "Foi quando recebi o e-mail com a explicação". Em conversa com Catarina Ramos, coordenadora de estágios do filho, Sofia conta que esta lhe deu a entender que o João estaria a ser rejeitado pelas escolas devido ao facto de ser autista. À época, a mãe afirma que questionou a coordenadora se o filho não estaria a conseguir ingressar num estágio "devido à sua condição", ao que a professora respondeu que "tinha a sensação que sim".
A reunião com a direção para descobrir quais as escolas que teriam recusado o João
Porém, após a publicação de Sofia nas redes sociais a partilhar o caso, o discurso alterou-se. "Isto são escolas com parcerias com eles, e portanto eles querem manter as suas parcerias". "Aquilo que eu fui fazer na reunião, foi no sentido de querer saber quais os nomes das escolas para poder, de alguma forma, tomar as minhas devidas providências, porque é ilegal as escolas por algum motivo, ou pela cor, pelo diagnóstico, pela idade, por ser rapaz, negarem um estágio".
"Estive a falar mesmo com a direção da escola, não só com a coordenadora, e elas já estavam alinhadas para aquilo que queriam falar comigo. Tinham ali um problema em mãos e sabiam perfeitamente aquilo que estava em causa". Sofia alega que a coordenadora do estágio desmentiu o que havia sido dito anteriormente por escrito e afirmou que as escolas "não disseram diretamente" isso, e que foi mais "uma sensação da parte dela, mas que se calhar errada", argumentando que se teria "precipitado a escrever".
Na reunião, Sofia diz que voltou a sublinhar que a sua luta não era contra a escola do filho. "Eu não tenho nada contra a EPET, até porque foi uma escola que foi uma bolha de oxigénio para nós porque aceitou o João, tem aplicado toda a lei que está prevista a nível de adaptações de testes, de condições e de apoios para este jovem, uma vez que o conteúdo das matérias, ele tem de o saber, mas a forma como se aplica não tem necessariamente de ser igual à dos seus pares, o que importa é que os conteúdos estejam adquiridos. Esta escola tem feito esse trabalho de forma exemplar, e eu estou sempre em cima, obviamente".
Contudo, sublinha o desagrado perante o facto de não denunciarem as escolas que terão, alegadamente, rejeitado o filho. "Só fico chocada que compactuem com este tipo de comportamentos destas escolas. Acho que há aqui uma tentativa de camuflar o que realmente aconteceu, não querem assumir", conta a mãe do João. De acordo com Sofia, na reunião, a direção da escola afirmou que não poderia fornecer os nomes das escolas que teriam recusado um estágio com o filho devido à "proteção de dados", e que "nenhuma delas lhe disse diretamente que era esse o motivo", afirmando ainda que "não ganho nada com isso", referiu a mãe do João.
Sofia Paço conta ainda que foi questionada pela diretora e pela coordenadora, relativamente ao porquê de "não seguir em frente" e esquecer este assunto, uma vez que "a situação do João estava resolvida". "A situação do João está resolvida, sim, é verdade, mas eu não posso fechar os olhos ao que aconteceu, e tenho de pensar que as crianças de ontem vão ser os adultos de amanhã, e eu não sou aquela pessoa que vive à volta do meu umbigo, não posso". "Eu sofro como sofro, o João sofre como sofre, porque toda a gente fecha os olhos, enfia a cabeça na areia e finge que não vê nada e fecha os olhos à injustiça e a tudo o que está à nossa volta".
"Não houve nenhuma entidade contactada que tivesse manifestado menos abertura na aceitação do João", diz escola
A MAGG entrou em contacto com a EPET (Escola Profissional de Estudos Técnicos) para perceber a posição da escola neste assunto, juntamente com os eventuais motivos que levaram à recusa da exposição dos nomes das escolas que teriam recusado o aluno. Por email, Inês Rodrigues deixou o seu esclarecimento, que não coincide com a versão partilhada pela mãe do João, Sofia Paço.
A diretora da EPET refere que a escola "é um espaço em que o aluno se sente perfeitamente integrado e bem acolhido participando de todas as dinâmicas projetadas para a turma em que está inseridos e nas que estão previstas no Projeto de Escola", e que "a nível escolar, tem cumprido com os objetivos pedagógicos".
Quanto à situação dos estágios, a diretora diz que "não existe qualquer normativa que implique que as entidades estabeleçam protocolos de parceria e a acolham alunos" e que "este acolhimento de alunos pode ter constrangimentos a nível da gestão de recursos humanos e da prossecução do Plano de Atividades da instituição". "Reforço, tal como informado à Encarregada de Educação, Sofia Paço, não houve nenhuma entidade contactada que tivesse manifestado menos abertura na aceitação do João Pinho, até porque enquanto escola inclusiva não estabeleceríamos parceria com a mesma, pois vai contra os nossos valores e princípios enquanto escola e enquanto grupo de ensino".
De acordo com a direção da EPET, "sendo política da escola proporcionar aos alunos estágios diferentes todos os anos e em valências diferentes, procurou-se que, este ano letivo, o aluno João Pinho realizasse a sua FCT num jardim de infância e não em creches ou berçários. Contudo, as entidades contactadas apenas tinham vagas nestas valências e não em jardim de infância, tal como pretendíamos para o plano delineado para o João Pinho, daí não ter sido possível alocar o aluno em nenhuma destas entidades".
Assim, Inês Rodrigues afirma: "Não poderíamos indicar o nome de nenhuma instituição porque não houve recusa de nenhuma, apenas a indisponibilidade no que diz respeito ao âmbito da FCT na valência pretendia para o João Pinho".
Já quanto ao comentário transmitido em reunião à mãe, Sofia Paço, de que deveria "seguir em frente", a diretora indica que "expressão surge inserida num contexto que aqui não se encontra enquadrado". "Após as explicações dos motivos pelos quais foi difícil encontrar um local para o João Pinho realizar a sua FCT, (...) a encarregada de educação continuou a não aceitar a nossa explicação de que não houve uma recusa do João Pinho enquanto estagiário, mas sim uma indisponibilidade no que diz respeito às vagas para estagiário na valência de Jardim de Infância", referiu Inês Rodrigues, diretora da EPET.