Aos 11 anos, Mikaila Ulmer criou a Me & The Bees Lemonade, uma limonada adoçada com mel, doando parte do seu lucro para a proteção do habitat das abelhas. Com 16 anos, a americana Maya Penn já era uma empreendedora, tendo criado uma linha de roupa e acessórios sustentáveis, doando 10 a 20% dos seus lucros a organizações ambientais. Com a mesma idade, o americano Xiuhtezcatl Martinez, era líder da organização mundial “Guardiões da Terra” e utilizava a música como forma de alertar para para a importância de proteger o ambiente. Mais recentemente, Greta Thunberg, a ativista sueca de 16 anos, faltou sistematicamente às aulas para protestar frente ao parlamento sueco para que medidas fossem postas em prática para travar a calamidade ambiental por que passamos. Foi ela que discursou a 23 de setembro na Assembleia Geral da ONU, fazendo frente aos tubarões que governam o mundo, sem medo de os acusar de incompetência.
A lógica diz-nos que são os adultos a dar o exemplo às crianças, mas é cada vez mais flagrante a prova de que o inverso também acontece. No que toca ao ambiente é óbvio. Estudantes de 28 cidades, de norte a sul de Portugal, voltam a sair à rua esta sexta-feira, 27 de setembro, para participarem na Greve Climática Global, evento inserido na Semana Global pelo Clima. A iniciativa surge depois de outros dois protestos mundiais, em março e em maio, que resultaram em milhões de jovens de todo o mundo na rua a exigirem aos governos medidas rápidas, no sentido de travar a catástrofe ambiental.
"Segundo nos informa a melhor ciência, a viabilidade material de um futuro com estabilidade climática não poderá ser alcançada sem uma modificação fundamental do nosso sistema produtivo, energético, de transportes, alimentação, florestas, entre outros", pode ler-se no manifesto do movimento Salvar o Clima.
No terceiro protesto global continua a exigir-se a proibição de novas construções com grandes portes ambientais, como a do aeroporto do Montijo, a importação de gás natural e de outros combustíveis fósseis para o país, mas há mais reivindicações que surgem na sequência de dezenas de associações se terem juntado à causa dos jovens. Relacionadas com a reflorestação, a agroeconomia, o comércio justo e um sistema de transportes públicos gratuitos, tudo somado vai ao encontro do principal objetivo e exigência: a neutralidade da pegada de carbono em Portugal, até 2030.
Só que desta vez os jovens não querem estar sozinhos."Estamos a pedir ao apoio de toda a gente, até porque esta é a Greve Climática Global e não estudantil", diz à MAGG Alice Vale de Gato, 17 anos, estudante da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa e membro da Greve Climática Estudantil, movimento inserido no Fridays for Future, iniciado pela ativista sueca de 16 anos Greta Thunberg.
"A ideia deste movimento é ser uma onda crescente, que mobilize cada vez mais pessoas", acrescenta a jovem que, desde se juntou ao coletivo Climáximo, aos 15 anos, está envolvida no ativismo ambiental.
"Comecei a ficar frustrada e a sentir incompreensão", diz, numa alusão ao motivo que a fez juntar-se à causa. "Como é que se pode deixar que isto aconteça? Como é que podemos ter um futuro habitável assim?"
Alice é um dos elementos responsáveis por este movimento e está também na organização do protesto desta sexta-feira, 27 de setembro. "A Greve Climática envolve preparar reuniões, palestras, pintar faixas, pensar num esquema para a manifestação. Fazemos todos de tudo um pouco", explica.
O desejo de neutralizar o fator idade poderá estar a dar frutos. Adultos de várias faixas etárias preparam-se para marcar presença na terceira Greve Climática Global organizada por estudantes. Tanto assim é que mais de 30 associações, coletivos e sindicatos portugueses subscreveram a Greve Climática Global, incluindo a Federação Nacional dos Professores (Fenprof), o Sindicato de Todos os Professores (STOP) e o Sindicato dos Trabalhadores da Saúde, Solidariedade e Segurança Social (STSSSS).
Criado pela ativista Greta Thunberg, o protesto vai, novamente, decorrer em todo o mundo: a expectativa é de que pessoas de 170 países saiam à rua, num um total de 7 mil protestos agendados.
"Esta é a rainha de todas as lutas"
O artista e comediante Jel tem estado a apelar à participação dos seus seguidores nas redes sociais. Num novo vídeo partilhado no Facebook e Instagram surge-nos com as suas típicas camisas divertidas e a dançar, mas desta vez não está sozinho: a filha faz-lhe companhia, enquanto segura num cartaz que alerta para a importância de salvar o ambiente.
"É na juventude que está a energia romântica da mudança", diz à MAGG o humorista, que reconhece que "esta é a rainha de todas as lutas". Ninguém fica de fora:"Se a perdermos [a luta], perdemos todos, sem exceção."
Mas esta não é uma luta fácil de ganhar. "Só conseguimos surtir efeito através da força de protestos como este. Toda a gente, mas sobretudo os mais novos — que em teoria vão sofrer mais as consequências de tudo o que está a acontecer — vai ter de olhar para isto como um projeto de vida."
O humorista vai na companhia da filha e de outros amigos. "Vamos todos aqui da vizinhança em peregrinação, de comboio", conta. "Espero que esteja muita gente, não só em Lisboa, mas em todo o País."
Sobre a polarização de opiniões, que de um lado aplaudem as exigências ambientais, e de outro criticam os alegados radicalismos, Jel acredita que o moralismo é dispensável e que o equilíbrio é crucial.
"A mensagem que há a passar é que todos temos de mudar e não recriminar. Temos de conversar e pressionar, sobretudo os que mandam, que são os políticos", considera. "Dialogo, comunhão, partilha e vontade são o único caminho possível para esta batalha, que não sabemos em que ponto é que na realidade está. É tudo uma grande incerteza. É uma relação com a natureza, que é maior e mais forte do que nós."
No seu quotidiano Jel já alterou alguns hábitos. Além da reciclagem, evita os plásticos e passou a usar um carro GPL. Não desconsiderando estes esforços pessoais, que considera cruciais, o humorista não deixa de destacar a urgência da mudança vir da decisão política. "Neste mundo do capitalismo, gastam-se recursos de forma irracional. Isso tem de ser corrigido. O sistema tem de ser corrigido a nível global."
Marta Camacho, 39 anos, engenheira do ambiente, a trabalhar por conta própria num projeto ligado à sustentabilidade, também vai manifestar-se, mas em Braga. Ainda sem certezas sobre se vai acompanhada pelo filho, explica-nos que a sua presença serve para prestar apoio aos estudantes e à própria causa ambiental.
"Devagar, devagarinho", diz, consegue sensibilizar-se a classe política para a urgência das alterações que respeitem o ambiente e evitem a catástrofe. "Quantos mais formos a fazer chegar a mensagem de que é preciso fazer alguma coisa — não para amanhã, mas para agora — mais ganhamos."
"Gostava que o meu filho se preocupasse mais com isto"
Joana Portugal, investigadora da Universidade de Lisboa, na área das operações climáticas, dá-nos três motivos claros que a levam a participar na greve que, em Lisboa, terá lugar no Cais Sodré, a partir das 15 horas.
"Sou investigadora na área das operações climáticas; sou mãe de uma menina com cinco anos e, portanto, preocupo-me com o ambiente que vamos deixar às nossas crianças", diz. "Acho importante que ela venha comigo e que fique sensibilizada para estas questões."
Como cientista ligada ao ambiente, assume que a sua classe não tem tido força suficiente para surtir efeitos políticos capazes de alterar as estruturas, no sentido de preservar e respeitar o ambiente. "Nós [cientistas] estamos a trabalhar com políticos há mais de 20 anos e desde então que estamos a tentar que sejam tomadas medidas para evitar impactos ambientais previstos há muito tempo."
Também não tem sido fácil passar este conhecimento ao público, porque nem sempre o jargão científico é fácil de decifrar e de traduzir. "Passar a mensagem cientifica para o publico geral e para os políticos é sempre complicado, mas é preciso decifrar a mensagem e deixar de se fazer ciência só por fazer ciência", diz.
Tendo em conta esta cenário, Joana Portugal deposita esperanças em ações que chamem a atenção mediática, como é o caso destas greves climáticas ou de discursos como aquele proferido por Greta Thunberg na Assembleia Geral da ONU. "Tenho alguma esperança de que seja a opinião publica a conseguir surtir mudanças."
Rute Rocha, 40 anos, e Pedro Barbeito, 41, são casados e juntos vão protestar ao lado de outros adultos e estudantes. "Não é uma importância, é uma urgência", diz o ator, numa alusão à causa.
"Eu espero que ela [a greve] crie impacto, porque o planeta está a fazer um shut down. Sinto que muitas pessoas, sobretudo os políticos — que têm mais força do que nós — não estão a dar valor ao problema. Países grandes como os Estados Unidos, a Rússia ou a China pensam só em lucros e não no futuro. Acho que ainda há muitas pessoas que preferem ignorar o problema", diz a também atriz e encenadora.
O casal tem consciência ecológica vincada desde há muito. Mas com as notícias dos últimos tempos, o nível de alerta aumenta. "Preocupa-me deixar um legado que está bastante estragado", confessa Pedro Barbeito.
Embora o role de greves pelo clima tenha na sua origem o esforço de jovens, há ainda uma grande parte das camadas mais novas da sociedade que não está sensibilizada e consciente do estado do Planeta. "Gostava que o meu filho se preocupasse mais com isto. Os pais preocupam-se mais do que ele. E ele não é o único, vejo alguns colegas dele que não estão minimamente preocupados."