Kim Kardashian atirou-se de cabeça ao mundo da beleza. O mais recente lançamento da Skims, a sua conhecida marca de shapewear, é um acessório que promete redefinir o contorno facial. Trata-se de uma máscara compressiva (ou face wrap), inspirada nas faixas utilizadas no pós-operatório de lifting facial, mas adaptada para o uso diário, que promete menos flacidez, mais tonicidade e, com o tempo, até uma pele mais lisa e hidratada graças à infusão de fios de colagénio.

A proposta parece apelativa, especialmente quando é vendida por uma das maiores celebridades do mundo, mas será mesmo possível remodelar o rosto com um acessório de pano que custa 62€? Para perceber até que ponto isto é ciência ou apenas marketing bem embrulhado em promessas incumpríveis, consultámos Ana Silva Guerra, diretora da clínica homónima e médica especialista em cirurgia plástica, que não escondeu o ceticismo em relação a esta novidade.

“As máscaras não nos são desconhecidas", começou por dizer. "Nós usamo-las única e exclusivamente como faixas compressivas no pós-operatório”, acrescentou, afirmando que isto se trata de algo completamente diferente. “[No que toca à Skims] estamos a entrar por outro caminho. Isto é muito mais marketing do que outra coisa", enfatizou. Mas porque é que não funciona? E pode trazer malefícios? Como é que podemos, então, conseguir o que a máscara promete? Fomos à procura de respostas.

As promessas não têm base científica

Todos queremos acordar com o rosto no sítio certo, é um facto, mas, ao que tudo indica, não será o novo produto da Skims a ajudar-nos a atingir esse feito. É que, de acordo com Ana Silva Guerra, estamos perante um produto criado para seduzir as massas com resultados instantâneos e, no mínimo, ilusórios. “Não é possível dizermos que uma máscara destas poderá exercer um efeito lifting-like ou poderá hidratar a pele com ácido hialurónico”, afirma de imediato.

Isto não significa que não se vá notar uma diferença, mais que não seja durante escassos segundos após a retirada da máscara. "Colocamos na face e o rosto fica comprimido naqueles minutos. A seguir, parece que a pele está toda mais justaposta, mas isso não tem qualquer sustentabilidade", frisa a especialista, dizendo que se trata de uma ilusão momentânea, que pode até convencer à primeira vista, mas que, assim que os músculos começam a mexer e a gravidade a dar o ar da sua graça, cairá tudo por terra (quase literalmente).

No que diz respeito aos ingredientes supostamente infundidos no tecido, como o ácido hialurónico ou o colagénio, Ana Silva Guerra reconhece que também não passa de marketing infundado. “São macromoléculas, partículas enormes. Nós não podemos sequer ponderar que alguma coisa penetre através da nossa pele desta forma", enfatizou, dizendo que "se já é difícil que os princípios ativos dos cremes penetrem [a pele], quanto mais uma macromolécula".

ana silva guerra
ana silva guerra Doutora Ana Silva Guerra

A par disto, por muito que a marca da socialite defenda que o face wrap ajuda a evitar a formação de rugas ao imobilizar a face, a realidade está longe de ser assim tão simples. “Não é uma máscara que nos vai paralisar os músculos”, reitera, acrescentando que "as rugas vão acontecer naturalmente", já que surgem única e exclusivamente do movimento dos músculos, e que passarão de "dinâmicas a estáticas" na mesma (a menos que haja uma intervenção estética para o evitar, claro).

Contudo, isto não significa que este género de máscaras não tenha uma finalidade adequada. Aliás, lembram o pós-operatório de certas intervenções precisamente porque são usadas para o efeito. "São úteis para diminuir o edema depois de cirurgias, para ajudar [os pacientes] a recuperar muito bem, porque tem o propósito de fazer um aconchego entre a pele e as estruturas mais internas", relata, dizendo que somente nesse contexto é que a ciência sustenta a sua utilização.

A sua utilização até pode ser "nefasta para a saúde"

Se não oferece benefícios duradouros nem sustentados, será que, pelo menos, é inofensivo? Bem, a resposta também é um redondo “não”. A utilização indevida e prolongada do face wrap pode até ser prejudicial para a saúde da pele, de acordo com a cirurgiã plástica. "O facto de estarmos com uma máscara que acumula calor, que não é lavada, é um ambiente propício a quadros de acne, foliculite ou dermatites irritativas", explica.

A obstrução dos poros, combinada com a proliferação de bactérias já existentes na pele, que é um órgão habitado por milhões de microrganismos naturalmente presentes na sua flora, pode dar origem a surtos inflamatórios difíceis de controlar. “Podemos ter pontos negros e até borbulhas inflamadas", alerta, admitindo ainda que há sempre o risco de reações ao material, que vão de irritações cutâneas a possíveis reações alérgicas.

Achava que o cocktail de desgraça se ficava por aqui? Desengane-se, porque Ana Silva Guerra admite ainda que o uso descuidado da máscara poderá levar a contaminações cruzadas, sobretudo se esta for partilhada ou até manuseada com as mãos sujas. “Outros microorganismos podem vir acrescer àquilo que já temos e podemos agravar problemas dermatológicos que já existem ou trazer novos", afiança.

Por isso, não há dúvidas de que a proposta é, além de ineficaz e pouco segura, "enganadora". “Não é durante o sono que vamos ter mais flacidez. O principal causador de flacidez é a radiação ultravioleta”, salienta a médica, enumerando outros fatos que influenciam negativamente a firmeza da pele, como o “tabaco, maus hábitos de higiene, maus hábitos de vida, pouco consumo de água" – tudo aquilo que uma máscara não consegue resolver.

O que fazer para conseguir o que o face wrap promete, mas não dá

Já percebemos que a máscara da Skims não funciona, de acordo com a especialista. Nesse sentido, o que pode ser feito para prevenir ou contrariar a flacidez, no caso de quem luta contra isso? “Depende da nossa idade e da altura em que estamos no processo de envelhecimento", começa por dizer, passando um bocadinho por todos esses momentos.

Para os mais jovens, há uma base sólida de cuidados fundamentais, como “uma boa proteção celular, cuidados de higiene, alimentação equilibrada e evitar o tabaco”. Com o passar dos anos, pode ser necessário recorrer a outras ferramentas, até porque as funções biológicas do nosso corpo começam a decair e a pele ressente-o, mas sempre com orientação médica.

Começamos com o ácido hialurónico, para sustentar os tecidos – não é para volumizar", frisa. Isto é, a ideia não é transformar as feições do paciente, mas devolver aos tecidos o suporte que vai sendo perdido com a idade. “Nós vamos perdendo massa óssea, os ligamentos vão ficando mais baixos e, portanto, há uma queda dos tecidos", explica.

Depois, os bioestimuladores podem ser um dos grandes aliados para reverter a situação, já que “vão melhorar a quantidade de colagénio que temos nos tecidos". Segundo Ana Silva Guerra, "nós perdemos colagénio todos os dias, a partir dos 20 anos", pelo que, ao aumentarmos o nosso arsenal estimulando a sua produção, combate-se a flacidez de forma mais eficaz. A par disso, a toxina botulínica também é útil para esta fase.

Com o tempo, acumulam-se também pequenas gorduras, como a papada, que podem ser corrigidas com micro-lipoaspiração. "Estamos a falar de um orifício de três milímetros, já é suficiente para darmos um contorno diferente ao rosto", frisa, acrescentando que, hoje em ainda, há ainda dispositivos térmicos que promovem retração cutânea após a remoção de gordura, “sem cicatrizes adicionais”.

Por fim, em rostos mais envelhecidos, por volta dos 60 anos, pode ser necessário um lifting facial. “É apenas uma cirurgia superficial, que trabalha nas camadas mais superficiais do rosto”, esclarece Ana Silva Guerra. Após isso, continuam a ser recomendados tratamentos como ácido hialurónico ou bioestimuladores. "A pele precisa sempre de cuidados. Tem é que ser sempre em conta, peso e medida – e sustentados na ciência", remata.