Quem viu a série "The Crown" muito provavelmente recorda-se de como o rei Eduardo VIII abdicou do trono em 1936 para poder viver o seu grande amor com uma mulher norte-americana que ainda era casada e atravessava um processo de divórcio, Wallis Simpson. No momento da abdicação o seu olhar era triste, sorumbático, devastado. Precisamente o mesmo olhar que o biógrafo real Hugo Vickers identificou em Harry agora que abdicou de vez — e foi afastado de forma mais ou menos evidente — de todas as suas funções na casa real britânica. "Ele pareceu-me profundamente infeliz, miserável", disse Vickers ao "Daily Mail". "Tal como os olhos do rei Eduardo VIII, os de Harry "pareciam irradiar tristeza" quando cortou de vez laços com a família real, comparou o biógrafo.
A imagem da abdicação de Eduardo VIII, em 1936, apenas meses após ter sido coroado rei, faz parte da história recente britânica. "Nunca tinha visto ninguém com olhos tão tristes", recorda Hugo Vickers. Eduardo VIII optou por desistir da sua função enquanto rei porque a casa real, bem como o governo, não aceitaram, e jamais iriam aceitar, a sua relação, que era pública, com a norte-americana Wallis Simpson, uma mulher ainda casada. A igreja era contra, o governo era contra, o povo estava desconfortável, e entre a coroa e o amor, Eduardo VIII escolheu o amor e abdicou em favor de Jorge VI. Com Harry não foi tão sério, já que não era rei, nem era o próximo na linha da sucessão, mas a sua decisão de casar com uma mulher divorciada (Meghan Markle formalizou a separação de Trevor Engelson em 2013, e conheceu o príncipe em 2016), e ainda por cima norte-americana, caiu muito mal junto de toda a coroa, a começar na rainha Isabel II. Mas manteve-se fiel à sua decisão, e em 2020, abdicou mesmo de todas as obrigações reais e deixou o Reino Unido, mudando-se para Los Angeles.
Não foi seguramente inocente a publicação, este domingo, 2 de outubro, de uma fotografia oficial do novo rei, Carlos III, com a mulher, a rainha consorte Camilla Parker-Bowles, e o herdeiro ao trono, o príncipe William e a mulher Kate Winslet. A imagem, partilhada na conta oficial da família real, e tirada durante as cerimónias fúnebres de Isabel II (daí o luto de todos), mostra aquele que o rei considera ser o seu núcleo duro, uma forma de mostrar ao mundo que Harry e Meghan — que foram excluídos (e souberam disso pela imprensa) desse evento — não fazem parte desse mesmo núcleo.
Mas Harry e Meghan quiseram mostrar, precisamente, que a vida deles é agora outra e noutro lugar. E publicaram também eles uma primeira imagem de retrato oficial do casal, a dois, de mão dada, num registo muito mais informal, que marca esta nova etapa da vida, totalmente desligados de obrigações e formalismos da coroa. A imagem foi captada ainda antes do falecimento da rainha, em setembro, no decorrer da cimeira One Young World, que decorreu em Manchester. Mas o que conta é o simbolismo da mesma, uma união simples, descontraída e livre.
Toda a arquitetura da foto faz sentido e parece ter sido propositada. Meghan está de vermelho (que simboliza irreverência), com um anel e brincos de ouro volumosos, sinal de poder e conquista individual. O olhar da mulher é sério e penetrante, num sinal de confiança e otimismo. Atrás dela está Harry, com um sorriso irreverente, mas mantendo a postura formal com fato e gravata, optando por não fechar o casaco, uma forma de contrariar a imagem imposta pelas obrigações reais. A forma como seguram a mão um do outro também não é um acaso e representa a união entre ambos. A foto faz lembrar a sessão fotográfica que ambos fizeram para a revista "Time", em que foram a capa, em 2021.
A foto libertada por Harry e Meghan acabou por se tornar o tema do dia no Reino Unido, ofuscando por completo a primeira visita oficial pública do novo rei, Carlos III, que concedeu o estatuto de cidade à até então vila de Dunfermline, na Escócia. O ato mereceu muito menos atenção mediática do que a guerra de imagens entre a nova família real e o casal Harry e Meghan, o que terá desagradado à coroa. A verdade é que quando faziam parte do núcleo familiar, Harry e Meghan eram obrigados a conciliar as ações públicas com as dos restantes membros da família real, precisamente para não haver dois focos de interesse mediático, algo que não acontece agora e o que já está a gerar mal-estar.