Várias figuras públicas estão a recorrer às redes sociais para partilhar e denunciar a existência de dívidas acumuladas no mundo das dobragens em Portugal, nomeadamente por parte dos estúdios LisbonWorks e 112 Studios.

Apesar de este trabalho ser “muito precário e intermitente” e, em “regra geral”, os pagamentos serem feitos “a 60 ou 90 dias”, os próprios atores admitem que pode “haver atrasos, que são sempre muito tolerados e considerados aceitáveis”. Contudo, em 2023, as dívidas acumuladas “avolumaram-se substancialmente” nos estúdios 112 Studios e LisbonWorks, para “dezenas de profissionais das dobragens”.

“As dívidas passaram de 3 meses a 5, 6, 9 e, em alguns casos, ultrapassaram os 12 meses. Começámos finalmente a falar entre nós e percebemos este ano que muitos tinham dívida e ninguém estava a receber há vários meses destes dois estúdios. Simultaneamente, continuávamos a acumular dívida porque demos voz a projetos de continuidade e porque acreditávamos que iriam acabar por pagar”, lê-se na publicação feita pela atriz Rita Cruz, que dá vida a Lukenia na nova novela da TVI “A Fazenda”.

Ao pressionarem os estúdios, obtiveram “total indiferença ou promessas de pagamento que não foram cumpridas, à exceção de alguns casos pontuais ou pagamentos parciais”. Como tal, com a ajuda do CENA [Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos], começaram a “acionar os mecanismos legais” para tentarem reaver os montantes e informar os clientes que contratam os estúdios.

A MAGG falou com o ator e diretor de atores João Araújo, que nos explicou melhor esta situação. “No caso da 112 [Studios], as dívidas atingem valores superiores a 30 mil euros, só um dos nossos colegas tem uma dívida de 10 mil. Isto também é um bocadinho culpa nossa de deixarmos protelar esta situação durante este tempo todo, porque as dívidas já têm dois anos, muitas das dívidas chegam a ultrapassar os 365 dias. O que acontece neste estúdio é que eles vão garantindo que a gente continue a trabalhar lá, porque nos vão continuando a dar trabalho”, diz.

João Araújo refere que, normalmente, apesar de o estipulado por lei ser o pagamento a 60 dias, são pagos a 90 ou 120 dias. “Não só neste mas noutros estúdios também, é comum o facto de não pagarem atempadamente”, realça. Numa série em que João era diretor de atores, tendo iniciado o trabalho em julho de 2023, a LisbonWorks apenas lhe pagou em janeiro deste ano. No caso dos colegas atores, que iniciaram as gravações em outubro de 2023, apenas começaram a receber em março de 2024. Contudo, mesmo tendo passado mais de um ano, uma pessoa ainda continua sem receber.

Como tal, acionaram o CENA e pediram ajuda a Rui Galveias, o dirigente, estando a “colaborar com eles e com o apoio jurídico deles”. “A bem não vamos conseguir resolver, só judicialmente e já foram acionados alguns processos”, garantiu.

Quanto à série abordada anteriormente, decidiram abordar o cliente, a WarnerMedia, que, “no próprio dia”, quando ficou a par da “prática” da LisbonWorks, “retirou-lhes a série, a segunda temporada, e colocou-a noutro estúdio”, uma decisão que “agradou imenso” os profissionais.

Contudo, o caso da 112 Studios é “mais complicado”. “Clientes como o Panda e a RTP não querem saber, não sei, não sei como é que eles agem perante estas situações. Não sei se compactuam com isto ou se não querem saber simplesmente. O caso da Nickelodeon é um bom exemplo também. A Nickelodeon Portugal, já depois de saber disto, continuou a atribuir-lhes trabalhos. O sindicato trocou vários e-mails com a responsável da Polónia, com o conhecimento do José Pedro, o responsável pela Nickelodeon Portugal, e o José Pedro simplesmente demarcou-se de qualquer situação que pudesse vir a acontecer. Os argumentos que utilizou foi que não tinha razões de queixa do comportamento do 112 [Studios] durante estes 10 anos de colaboração. E foi-lhe explicado que eles tinham dívidas para com os atores, dívidas essas enormes, e ele simplesmente não quis saber. Eu enviei um e-mail em nome do coletivo – e não do sindicato – para a responsável internacional que opera em Milão e ela disse que ia averiguar a situação. Passadas três semanas, o José Pedro foi despedido da Nickelodeon Portugal e, pelo menos, as séries da Nickelodeon estão a começar a ser retiradas desse estúdio”, explica.

José Luiz Alves, CEO da 112 Studios que a MAGG tentou contactar e não obteve resposta, ao perceber que os atores fizeram “um boicote às gravações”, parando de gravar, e como tem séries que tem de entregar ao cliente gravadas, “substituiu as pessoas”. “Além de não lhes pagar, substituiu-as por outros colegas. Muitos deles não sabiam a informação, não sabiam o porquê destas substituições”, conta.

Exemplificando, a atriz Paloma del Pillar foi substituída por uma colega do Porto, que “não sabia de nada desta informação” e, ao questionar o motivo da substituição, “foi-lhe informado que a Paloma não queria fazer a série”. “Temos colegas que deviam estar mais unidos nesta situação connosco, porque é uma questão de empatia. Hoje está a acontecer connosco e amanhã vai acontecer com eles. Os colegas que nos foram substituir vão ficar a pedir o dinheiro deles durante muito tempo”, alerta.

João Araújo revela ainda que José Luiz Alves está a utilizar o dinheiro que deve aos atores para “pagar as dívidas que tem ao Estado”, algo que o próprio lhes disse. “Ele contraiu uma dívida muito grande há uns anos com um trabalho para um cliente sul-africano e angolano. Todos nós ganhámos muito dinheiro nessa altura, inclusive eu, mas ele não precaveu o futuro e gastou o dinheiro em coisas que não devia ter gastado, tinha de pagar o IVA e pronto”, esclarece.

A MAGG falou também com Francisco Vicente, um dos sócios da LisbonWorks, que revela ter ficado “surpreso” com a partilha dos atores. “Às vezes pode haver pontuais atrasos, que não deviam acontecer, mas estamos a pagar à maioria das pessoas que trabalham connosco. Temos uma ou duas, ou duas ou três, vá, situações que estão entre advogados a ser resolvidas, portanto da nossa parte ficámos um tanto ou quanto surpreendidos. Até tivemos a ler o que partilharam e eles próprios afirmam lá que a LisbonWorks tem grande parte dos pagamentos pagos”, diz, acrescentando que “a maioria dos casos têm sido resolvidos”.

Francisco Vicente confirma a demora nos pagamentos, mas mostra o desagrado face à polémica. “Eu percebo o que eles dizem, mas muitas vezes mesmo os nossos clientes demoram imenso tempo a pagar-nos. Mas não percebemos porque tomou estas proporções honestamente e achamos, aliás, que é de muito mau tom e isso está a ser analisado pelo nosso departamento jurídico, estarem envolvidas pessoas com quem nem nunca trabalhámos ou que trabalham connosco há 10 anos”, refere, acrescentando que alguns dos profissionais pedem os pagamentos ainda antes de enviarem “o recibo ou a fatura”.

“Só para terem noção de como é que isto funciona. Muitas vezes, eles gravam agora. O filme ou a série só é concluída, vamos supor, em fevereiro, que é quando o cliente aprova. Só a partir de fevereiro é que nós podemos emitir uma fatura e temos alguns que só pagam a 90 dias. Logo aí são cinco/seis meses. Não é má vontade, é assim que funciona nesses casos”, explica, garantindo que isto é do conhecimento dos profissionais.

Quanto à série para a WarnerMedia, Francisco Vicente adianta que “não achou correto” os profissionais terem enviado e-mail para o “cliente para o qual estavam a prestar serviço”. “Não devia ter sido resolvido assim”, diz. “Claro que isto prejudica a Lisbonworks, ninguém gosta de ser difamado”, lamenta.