Já ouvia fado na barriga da mãe. Aos 3 anos, foi ao primeiro concerto e, aos 8, sozinha e sem autorização dos pais, foi bater à porta da escola de música do bairro na esperança de encontrar uma oportunidade para dar voz ao fado. E encontrou.

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Cantou, cantou, cantou e começou a trabalhar aos 10 anos. À data, cantava quatro fados por noite, recebia 20 euros e saía porta fora radiante, porque tinha dinheiro suficiente para comprar a revista "Bravo".  Isto, sem a mínima noção de que, aos 28 anos, estaria prestes a atuar num dos maiores festivais do mundo, o Rock in Rio, depois de ter sido descoberta por uma editora musical, de cerveja e cigarro na mão, num bar, em Alfama. Qual futebolista surpreendido por um olheiro.  

Falamos de Sara Correia, a artista que dá voz a temas como "Quero é Viver", "Lisboa e o Tejo" ou "Quando o Fado Passa" e que, no próximo dia 18 de junho, vai levar o fado, na sua forma tradicional, mas com o seu cunho pessoal, a um festival de rock.

"Vou fazer tantos festivais fora do meu País, por amor de Deus, aceitem-no cá também"

Em entrevista à MAGG, a cantora revela, de sorriso na cara, como recebeu o convite. "É daquelas coisas que queremos tanto, mas achamos sempre que vai demorar imenso a acontecer ou que, se calhar, nunca vai acontecer – e, afinal, aconteceu", começou por dizer.

"Quando fazemos parte desta indústria, pensamos sempre 'ah, adorava estar ali naquele palco ou cantar neste festival' – e chegou a minha vez. Agora, é agarrar com unhas e dentes e mostrar aquilo que, na verdade, eu sou. Acima de tudo, acho que, em palco, por muito que eu goste de cantar, tem de haver a junção daquilo que canto com quem sou. É isso que as pessoas entendem e recebem".

Esta é a primeira vez que Sara Correia vai atuar num festival de grandes dimensões no País onde nasceu, cresceu e sempre trabalhou. No entanto, lá fora, já havia riscado este sonho da sua lista de objetivos. "Já fiz vários festivais fora de Portugal. Na Noruega, na América do Sul, na Índia e em outros sítios", começou por explicar, confessando que tinha sempre um pensamento presente: "vou fazer tantos festivais fora do meu País, por amor de Deus, aceitem-no cá também".

Agora, está em contagem decrescente para o dia em que vai finalmente viver a experiência de levar fado a um festival em Portugal, mas garante que não vai mudar nada no seu registo habitual.

"Não vai mudar nada [em relação ao que costumo fazer]. Acho que os meus concertos são bastante divertidos, porque são assim divididos em duas partes: uma com o lado mais sério do fado e outra em que quero é que as pessoas batam palmas, cantem comigo e vivam a alegria. Até porque o fado é isto tudo. O fado não é só triste. Fado é as emoções todas que existem", começou por explicar.

"Quero mesmo que as pessoas sintam o fado tradicional, sintam a mágoa e sintam a alegria. Nós também cantamos histórias felizes", acrescentou.

"Então tu cantas fado? Isso não é para pessoas mais velhas?"

Confrontada com a faixa etária predominante neste tipo de festivais, como o Rock in Rio Lisboa, Sara Correia descarta a ideia de que fado é um registo musical direcionado para um público mais velho. Admite que há quem tenda a etiquetá-lo dessa forma, mas confessa que como "nasceu no fado", palavras da própria, nunca considerou que se tratasse de um registo datado.

"Quando comecei a cantar, era muito vista assim: ‘então tu cantas fado? Isso não é para pessoas mais velhas?’. Mas não. Eu também como nasci no fado, é uma coisa super natural. Para mim, nunca foi uma coisa datada", conta.

E a verdade é que o fado faz parte da vida desta jovem de 28 anos desde que se lembra. "Eu vou aos fados desde a barriga da minha mãe. O primeiro concerto que vi foi no Coliseu dos Recreios, a Grande Noite do Fado. Desde aí, sempre fui aos fados. Sempre, sempre, sempre", diz. 

"Fui criada também com os meus avós e todos os dias ouvia fado. Na rádio, nas cassetes. Estava sempre a ouvir e a cantarolar e, ali por volta dos 8/9 anos, fui bater à porta de uma escola de fados, aqui, no meu bairro. É do senhor Armando Tavares e chama-se Amigos do Fado, ainda existe e continuam a dar aulas à segunda-feira e ao domingo à tarde há fado".

"Na altura, fui lá bater à porta e disseram-me: ‘tu podes cantar, mas tens de ir pedir autorização à tua mãe’ – porque eu fui sozinha. Sempre fui muito desenrascada nesse sentido. Se quero, vou", acrescenta. 

"Cantava quatro fados e davam-me 20 euros"

À data, Sara Correia diz que não conhecia mais do que "três ou quatro" jovens a cantar fado. Foi Armando Tavares, dono da escola de música Amigos do Fado, em Marvila, quem lhe deu a mão desde o primeiro dia e a levou a conhecer as principais casas de fado de Lisboa, onde, não muito mais tarde, viria a atuar.

"Comecei a cantar em casas de fado e já tinha trabalho, apesar de que, para mim, naquela altura, não era trabalho. Cantava quatro fados e davam-me 20 euros. Isto, com 10/11 anos", conta.

A artista explica que não havia uma conversa de "quero que venhas cá, cantas X e damos-te isto". Cantava por gosto e, como os donos das casas de fado gostavam de a ouvir, ofereciam-lhe dinheiro. "Era incrível. Ficava mega contente. Conseguia ter dinheiro para comprar a revista ‘Bravo’ e estava ótimo", recorda.

Já aos 12 anos, o fado ganhou um outro peso na vida da artista. Sara Correia começou por cantar em casas de fado aos fins de semana e, aos 14, começou a trabalhar sete dias por semana.

"Cheguei a cantar 40 fados por noite"

A fadista conta que, à data, chegou a fazer "seis casas de fado numa noite". "Fazia várias casas, porque as pessoas ligavam-me e eu ia. Então fazia três casas em Alfama, apanhava o táxi e ia para o Bairro Alto. Isto, das 20 horas até às 1h30 da manhã. Cheguei a cantar 40 fados por noite. Equivale assim a dois concertos", explica.

Ainda assim, garante que não se arrepende do ritmo alucinante a que trabalhava. "Agradeço mesmo ter feito isso tudo. Sinto que me deu estaleca e aquilo de que preciso para hoje estar em palco e fazer cinco ou seis concertos seguidos, entre viagens e nesta loucura total", admite.

No que a arrependimentos diz respeito, ainda que não o reconheça como um "erro", a artista recorda apenas o disco que gravou quando tinha 14/15 anos, como prémio do Grande Noite do Fado, competição em que se consagrou vencedora.

"Não digo que foi um erro, mas era muito cedo. Chama-se 'Destino', mas já não está à venda. Se procurarem 'Destino' e encontrarem online uma rapariga que parece ter 50 anos, sou eu", diz, em tom de brincadeira.

Sara Correia
Capa do disco "Destino", o primeiro disco de Sara Correia, lançado em 2008. créditos: FNAC

A vida de Sara Correia mudou depois de uma atuação em Alfama

No que toca à gravação de um disco, a artista admite que gravou o primeiro disco em 2018, quando tinha 24 anos, naquele que foi o momento certo para o fazer. "O Diogo Clemente sempre me disse: ‘temos de gravar um disco. Quando ganhares a maturidade certa, vamos gravar um disco’. E eu gravei esse disco quando tinha 24 anos, que foi a altura certa", explica.

"Na altura, fiquei com o disco parado, porque não sabia o que queria fazer na verdade. Tinha de enviar os discos para algum lado, para alguém ouvir e perceber se queria trabalhar comigo ou não. Só que, entretanto, aconteceu uma coisa incrível", acrescenta.

Depois de uma atuação na Madeira, Sara Correia aterrou em Lisboa e foi jantar fora. Às tantas, Diogo Clemente liga-lhe e diz "olha, estou no Bairro Alto, vou tocar à Tasca do Chico, estou aqui com uns amigos, se quiseres aparece lá" — e foi precisamente o que a jovem de Marvila decidiu fazer, longe de adivinhar como terminaria a noite.

"Agarrei, acabei de jantar e fui. E, no fim da noite, como me conheciam, disseram para fechar a noite e cantar dois fados. Bem, acabei por cantar sete. E, no final dessa noite, estava lá a minha editora, a Universal. Estavam a assistir e eu não sabia. Vim cá para fora, com uma cerveja na mão, a fumar o meu cigarro e aparece a editora à minha volta a dizer que adorou ouvir-me cantar e que queria marcar uma reunião comigo", conta.

"Foi por acaso. O Diogo também não sabia, estava ali a tocar com uns amigos. A Universal estava lá como está muitas vezes. É como se fazem os olheiros no futebol", explica.

Agora, em pleno 2022, Sara Correia continua a fazer parte da Universal. Por isso, escusado será dizer que a reunião correu bem e que o proposta de contrato foi aceite pela artista.

A partir desse momento, segundo conta, foi um processo gradual. As redes sociais e plataformas como Spotify ou Apple Music foram cruciais para que a sua música chegasse a mais gente, mas é seguro dizer que o tema "Quero É Viver", uma adaptação do tema original de António Variações e genérico da novela da TVI com o mesmo nome, também foi um marco importante na carreira da artista. Ainda que, inicialmente, muito gente cantasse o tema sem saber quem lhe dava voz.

"O Shazam

, por exemplo, é uma cena incrível. Quando gravei a 'Quero é Viver' as pessoas não sabiam quem eu era e, a partir da novela, foram pesquisar".

"O meu nome tem vindo a ser cada vez mais pesquisado e eu agradeço imenso", acrescenta.

De Marvila para Londres: Sara Correia atuou na Union Chapel

Segundo a artista, recompensas pelo seu esforço e dedicação têm chegado de forma gradual e um dos último concertos internacionais da artista é prova disso.

Recentemente, no final de abril, Sara Correia atuou na icónica Union Chapel, local de culto religioso e musical no bairro de Islington, em Londres, Inglaterra. "Foi muito intenso. Era uma viagem que eu sempre quis fazer. E depois tive o privilégio de poder fazer duas coisas de que eu gosto ao mesmo tempo: viajar e cantar", começou por explicar.

"É uma igreja linda de morrer. As pessoas aderiram muito bem ao concerto. Gostei do facto de estarem ali muito ingleses a sentir o nosso fado. Foi inacreditável. Ainda estou assim um bocadinho a tremer. Aquela adrenalina ainda cá está", confidenciou, com a ressalva de que sente uma responsabilidade acrescida sempre que toca para um público estrangeiro.

"Quando faço a viagem de avião, a primeira coisa em que penso é sempre essa: ‘estou neste momento a ir para outro país, porque o meu País me deu esta oportunidade de ser fadista’. Esta música é nossa e é sempre uma grande responsabilidade levar Portugal comigo", explica.

Para Sara Correia, um dos motivos pelos quais o fado é tão bem recebido noutros países passa pela crença de que "nem tudo é letra". "Acho que a forma como nos expressamos, até mesmo com o corpo, também importa muito. Uma pessoa pode não entender a letra, mas se mexe ali alguma coisa, é porque, de certa forma, sentiu a música – e isso para mim é tudo", frisa.

Sara Correia
créditos: Cláudia Santos

Um dueto com Billie Eilish?

E é precisamente com a premissa de que fado é muito mais do que letra que a artista confidencia à MAGG que trabalhar com músicos estrangeiros faz parte dos planos. Ainda sem autorização para revelar nomes, Sara Correia avança que, ainda este ano, vamos poder ouvir um dueto seu com um artista internacional. "Vai sair um dueto com uma pessoa internacional, mas ainda não posso dizer o nome. Mas é para este ano", revelou.

"Fico mesmo muito contente pelos convites caírem do lado de lá. É muito fixe. É uma sensação top. Neste caso, já o tinha conhecido nos Grammys Latinos, em Las Vegas, e já conhecia o artista em si e foi incrível", acrescenta, deixando o suspense no ar.

Sem qualquer confirmação num futuro próximo está uma colaboração com a artista norte-americana Billie Eilish, mas Sara Correia admite que é um objetivo.

"Porque não? Acho que podíamos criar uma coisa nova, original e de raiz e acho que sim. São essas barreiras que temos de quebrar. E quero muito. Eu adoro. Quem é que não gosta de Billie Eilish?", remata.

"Temos é de encontrar um caminho e descobrir o que é possível fazer, mas acho mesmo que tudo é possível. Acho que era giro cantar em inglês e um bocado em português, assim a junção das duas coisas".

O futuro é incerto, mas, para já, o que é certo é que no próximo dia 18 de junho, Sara Correia vai atuar na Rock Your Street, no Rock in Rio Lisboa 2022. Os bilhetes já estão disponíveis aqui.

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