Chama-se Catarina Lowndes, tem 30 anos, mas toda a gente a conhece por SEA3PO. É considerada a maior youtuber feminina portuguesa, contando com mais de 900 mil subscritores nesta plataforma. Também no Instagram é seguida por quase 400 mil pessoas que diariamente ouvem aquilo que tem para contar.

Iniciou o percurso no Youtube em 2011, enquanto se encontrava a estudar cinema nos Estudos Unidos. A partir daí nunca mais parou e utiliza a plataforma para partilhar, não só a sua história, como também para entreter os outros. Atinge um público maioritariamente jovem e o cabelo às cores é a 'imagem de marca'. O nome artístico, SEA3PO, surgiu do gosto pelo oceano aliado à admiração pela personagem C3PO da saga "Star Wars".

Em 2017, Catarina Lowndes lançou o primeiro livro, "Como ser um unicórnio". Este ano, decidiu dar continuidade a uma história de superação. Um "conto de fadas do tempos modernos" que relata as peripécias de uma menina que soube sempre que era diferente, mas que nunca deixou de acreditar nas suas capacidades. À MAGG, a youtuber conta o que a levou a escrever o livro "Sea, a rapariga que caiu do céu" e fala do bullying de que foi alvo na infância.

Sempre se sentiu diferente?
Sim, especialmente em Portugal, senti que era o 'alien'. É um sítio de que gosto muito, eu adoro Portugal, mas efetivamente sentia-me diferente. Muito dado também ao facto de ter estudado numa escola internacional, onde estava envolvida com várias culturas diferentes, e depois mudei-me para uma escola privada portuguesa e foi aí onde realmente desenvolvi este sentimento de "eu sinto-me diferente".  Também porque as pessoas à minha volta me faziam sentir isso. Eu sempre cresci habituada a aceitar a achar a diferença como uma coisa gira e interessante e que me fizesse crescer enquanto pessoa. Foi na escola portuguesa que fui mesmo posta à parte, e isso foi estranho.

E a vontade de mudar o mundo sempre esteve presente?
Vontade de mudar o mundo sempre tive. Eu tenho a maior sorte por ter nascido numa família que sempre me deu tudo. Sinto-me muito abençoada porque nunca me faltou nada e sempre me fez muita confusão saber que há pessoas que não têm essa sorte. Acho que toda a gente merece ter essa oportunidade e acho que foi essa vontade de que, já que eu tenho tanto, querer também que toda a gente tenha aquilo que eu tenho. O que eu tive formou a pessoa que eu sou e só quero que os outros também tenham essa oportunidade.

Sente que o Youtube lhe deu essa possibilidade?
Com o Youtube eu faço isso inconscientemente. Não gosto de dizer que estou aqui para mudar o mundo, mas tenho como missão que é fazer com que as outras pessoas encontrem a sua felicidade e tenham a coragem de serem elas próprias. Quero que as pessoas sintam que há um cantinho no mundo onde podem ser livres. Eu posso não as conhecer, mas tenho mesmo um carinho e aceitação gigantes por elas. O cantinho que eu tenho na minha família, eu gostava de o criar para todas as pessoas que não têm. De certa forma tentei fazer isso com o Youtube, mas não como missão.

Foi algo que foi surgindo?
Sim. É algo que já vem dentro de mim. Para além de fazer audiências de canal, eu tento fazer isto em todas a interações que eu tenho com pessoas, á algo importante para mim.

Nós somos responsáveis pelo que pomos lá fora e temos de pensar como é que isso vai afetar as outras pessoas.

Qual a responsabilidade que uma rapariga de 30 anos sente por ser um ídolo para pessoas tão jovens?
É muita pressão porque eu não gosto de me ver como ídolo. Sinto-me mais como uma pessoa "normal", mas, ao mesmo tempo, sei que tenho uma plataforma onde chego a várias pessoas muito novas e acho que, para mim, foi sempre muito importante ser responsável dentro desta plataforma. Eu acho que qualquer criador de conteúdo tem de ser responsável pelo conteúdo que põe lá, especialmente sabendo o público que está a ver.  Nós somos responsáveis pelo que pomos lá fora e temos de pensar como é que isso vai afetar as outras pessoas. Mesmo em termos de mensagem, acho que temos de tentar dar o máximo para mandar uma mensagem positiva e boa. As coisas negativas que temos lá fora já chegam. Nós ligamos a televisão e é negatividade ao máximo, por isso acho que não custa nada e é meu dever não trazer ao mundo mais negatividade porque isso, a longo prazo, não dá nada de positivo às pessoas.

Como é que vê/descreve o mundo do Youtube atualmente?
Completamente diferente do que encontrei quando comecei. Eu comecei na brincadeira, em 2011, escrevendo uma tese para uma disciplina de antropologia cultural. Criei o meu canal e nessa altura era muito inocente. Não havia muita gente a fazer Youtube e eu acho que a comunidade era muito nova. Não se podia fazer dinheiro nessa altura então o conteúdo era mesmo à base de criatividade e as pessoas que estavam lá era porque realmente queriam. Não eram motivadas por outra coisa para além de criar e do sentido de criatividade. Depois houve um momento onde o Youtube adicionou a remuneração, o que não acho que seja mau. Acho que as pessoas que estão a fazer conteúdo têm de ser remuneradas porque não deixa de ser trabalho, mas ao mesmo tempo adicionou uma motivação que, para certos canais, não foi muito bom. Às tantas havia pessoas a criar conteúdo só para ganhar dinheiro.

Sente que a rivalidade também tem vindo a aumentar?
Não, de todo. Eu acho sempre que no Youtube há espaço para toda a gente. Há público suficiente em qualquer parte do mundo para uma pessoa ter sucesso. Não há assim tantos youtubers hoje em dia a fazer conteúdo, o que é muito estranho. A maioria dos meus amigos  já não faz conteúdos, decidiram migrar para outras coisas, nomeadamente a música. Não sinto que haja tantas pessoas a fazer isto como havia antes. Confesso que o Youtube não é uma plataforma fácil em Portugal, de todo. Não temos muitas pessoas no País, portanto não há muito público e fica difícil alguém conquistar um público novo ou fazer uma coisa mais de nicho. O Youtube penaliza em termos de visualizações e partilhas.

E isso é importante?
Tem de ser importante. Tens uma plataforma que te castiga por não fazeres conteúdo que muita gente queira ver ê fica difícil quereres fazer outra coisa qualquer.

Sendo seguida por tantas crianças e jovens, qual a preocupação com os conteúdos abordados no canal?
A coisa boa do Youtube é que eu consegui explorar várias facetas da minha personalidade. Já fiz de tudo no meu canal. Maquilhagem, tutoriais, unboxings... já fiz absolutamente tudo. Mas o que eu acho que funciona melhor é esta parte do entretenimento que, curiosamente, só eu e mais duas mulheres em Portugal que fazemos.

SEA3PO
créditos: sea3p0/Instagram

É esse conteúdo de entretenimento que cativa mais as pessoas?
Sim, porque é mais geral. É conteúdo que pode ser abrangido por qualquer idade. É intemporal. Tanto é relevante para hoje, como para amanhã ou daqui a um ano. E é um conteúdo que eu gosto e consigo explorar muito.

"Faz-me confusão saber que há crianças a lidar com o cyberbulling"

Que tipo de conteúdos nunca abordaria no canal?
Diria que conteúdos a criticar ou a deitar alguém abaixo. É um conteúdo que é muito popular agora porque as pessoas gostam do drama, mas eu não era capaz de expor alguém dessa forma. Eu acho que, em geral, o meu único "não" é que o conteúdo que pode magoar alguém, eu nunca faria isso na minha vida. Independentemente do formato, se for um conteúdo que possa pôr alguém numa situação má eu não o faria.

Sente que a internet e o Youtube tem sido uma plataforma utilizada pra isso?
Sim.

Mas considera que há mais aspetos positivos ou negativos?
Positivos, sem sombra de dúvida. Claro que há aspetos muito negativos. O cyberbullying é uma coisa que me preocupa muito. Não por mim, porque eu sou uma adulta, eu não tenho problema com isso porque já lido com situações dessas há algum tempo, mas faz-me confusão saber que há crianças a lidar com o cyberbulling. Ou mesmo adultos que não têm capacidade de lidar com isso. É muito estranho para mim que isto aconteça, mas, ao mesmo tempo, eu acho que a plataforma tem muitas coisas bonitas. Eu não teria a comunidade que tenho sem ela e eu tenho uma comunidade muito bonita, de pessoas que gostam de se ajudar umas às outras, de se proteger, de se motivar e para mim isso é o mais importante.

Quando era mais nova sofreu de bullying. Como é que ultrapassou essa fase?
Eu sofri muito de bullying quando mudei de escola. Não só dos meus colegas, como também dos meus professores. Foi mesmo muito sério, houve coisas muito sérias que aconteceram, mas, felizmente, eu tenho uma família incrível que me deu o apoio todo do mundo. Obviamente que fiz terapia, teve de ser. Essas coisas não são insignificantes, são coisas sérias. O bullying traz traumas.

Eu tive muita sorte em ter estado numa escola internacional porque saí de lá a saber que era diferente e isso deu-me uma base forte. Eu era diferente, as pessoas são diferentes, são únicas, e não há problema nenhum com isso. Quando entrei para a escola portuguesa, fui completamente atacada e claro que eu ficava triste e confusa porque não entendia o porquê de as pessoas não conseguiam aceitar uma pessoa diferente. Mas por ter tido essa base forte da escola internacional consegui manter-me firme. Eu nunca não acreditei em mim. Nunca achei que era menos do que ninguém, só sabia que era diferente. As pessoas são livres de não gostar disso, mas, ao mesmo tempo, quando tu és nova, acaba por ser complicado.

Foram estas vivências que levaram à história dos livros?
O meu primeiro livro fala sobre bullying. A história é exatamente de um unicórnio no meio de cavalos, que não entendia porque é que os cavalos não gostavam dele.

Era assim que se sentia?
Sim, eu também queria ilustrar que o unicórnio é um ser mágico e incrível e, mesmo assim, os cavalos não conseguem gostar dele. Eu queria que as pessoas entendessem isso como se nós fossemos todos unicórnios e mágicos, cada um à sua maneira, nós somos todos especiais e, às vezes, só porque as outras pessoas são cavalos é que não entendem o quão especial nós somos.

Com o segundo livro, "Sea, a rapariga que caiu do céu", o que pretende transmitir?
Este livro é o meu bebé, estou muito feliz com ele. Enquanto que o primeiro foi sobre o 'patinho feio', neste eu decidi abordar o conto favorito da minha mãe, que é a Cinderela. É basicamente o conto da Cinderela dos tempos modernos. É um livro sobre girl power e aceitação da diferença. Acaba por ser uma prequela do meu outro livro porque eu queria manter tudo no mesmo universo. Eu gostei muito de escrever este livro. Achei importante quebrarmos algumas noções que temos de felicidade impostas pela sociedade: a ideia de encontrar o príncipe e de vivermos todos felizes para sempre

O que é uma Cinderela dos tempos modernos?
A Sea é muito trapalhona, ela é alta, gigante mesmo, e é ela que salva o príncipe. Esta é uma história para todas as idades, foi escrita de uma forma diferente da do primeiro livro porque eu queria mesmo abranger mais idades. Queria que as pessoas se identificassem com esta personagem por ela não ser perfeita. Ela não é perfeita. É grande, é desastrada, tem opiniões e eu nunca vi uma personagem assim num conte de fadas.

Nunca vi uma princesa que fosse grande, ela é mais alta do que o príncipe. Há estereótipos que eu queria mesmo quebrar para as pessoas entenderem que nem tudo tem de ser igual. Acontecem muitas coisas no livro e em nenhuma parte ela duvida de quem ela é, o que eu acho muito importante. Independentemente do que a sociedade impõem ela nunca deixa de acreditar em quem é e é muito importante transmitir essa mensagem. Nós não temos de estar sempre à espera que o príncipe nos salve, há coisas tão mais interessantes na vida do que isso. Às vezes o que precisamos é de nos salvarmos a nós próprias.