
O início de 2025 foi também o início do Intemporal. O projeto marca o regresso do chef Miguel Laffan à alta gastronomia, ao fim de mais de 25 anos de carreira. Este restaurante foi erguido onde antes funcionava a antiga Casa do Fiscal, em Paço de Arcos.
Miguel Laffan conquistou uma estrela Michelin em 2013, para o restaurante do L'AND Vineyards, em Montemor-o-Novo. Mais de uma década depois, pretende alcançar a "dobradinha". No Intemporal, propõe uma cozinha de autor com menus de degustação alterados consoante as estações do ano.
Recentemente, apresentou o menu de outono, onde privilegia sabores intensos e ingredientes como frutos secos, cogumelos, aves de caça, abóbora e pinhão. O que têm em comum? "Todos eles trazem memórias e uma sensação de conforto".
A MAGG foi até ao restaurante Intemporal by Miguel Laffan para conhecer esta nova proposta (que é a primeira de outono neste estabelecimento). O chef recebeu-nos à porta, apresentou-nos a equipa, mostrou-nos os quatro lugares existentes ao balcão, no piso térreo, e encaminhou-nos para o primeiro andar, onde jantámos.
Numa noite de lua cheia, sentámo-nos de frente para o mar, para o Géiser Marítimo de Paço de Arcos e para a Marginal enquanto embarcámos na viagem proposta pelo cozinheiro natural de Cascais, que nos ofereceu umas amêndoas caramelizadas com caril e flor de sal para nos entretermos, num momento inicial.
"É tempo de voar. No prato e na memória. Por terra ou pelo mar. Para fora, cá dentro. A tempo de sonhar", lê-se, no Prelúdio. Este primeiro momento é protagonizado por um acarajé, um prato típico da Bahia que é nada mais nada menos que uma oferenda aos deuses.
Aqui, vem na forma de um bolinho de feijão frade (com um aspeto e uma consistência que nos fizeram lembrar do pastel de bacalhau) com vatapá de carabineiro, deixando-nos a lamber os dedos. Depois, polvo grelhado servido com molho padthai e amendoim.
"A melhor época para comer polvo é esta", avisou-nos o chef. Apesar de o molho ser padthai, não leva noodles — esses estavam guardados para um momento mais à frente. Uma combinação interessante, que nos deixou expectáveis. Toda a refeição foi harmonizada pelas escolhas do sommelier António Guerreiro.
Até aqui, emparelhámos com o alentejano, cremoso e doce, Monte das Herdades 2020. Seguir-se-ia a Passagem, a primeira memória: uma cabeça de xara com tártaro de gamba do Algarve, alga e maracujá (que, num primeiro momento, pensámos serem ervilhas). Desde a frescura do peixe à crocância da alga, acertou em tudo.
António Guerreiro sugeriu-nos o branco de Óbidos Nogueira, uma colheita de 2017 onde sobressaem notas de tosta e especiarias. Foi com ele que brindámos ao bolinho de pato a vapor com molho e neve de foie gras, um dos destaques da noite. Se conforto tem um sabor, é este.
Para nos preparar para a fase Permanência, trocámos para um tinto Bairrada DOC, também de 2017, escolhido "para limpar a gordura dos enchidos", com toques de fumo e frutos vermelhos, como justificou o sommelier. Depois de alguns pratos, chegou o pão (de massa mãe, em fermentação lenta por 24 horas).
Foi nele — quente — que barrámos o creme de castanha e enchidos e a manteiga de cabra, que evapora na boca (e é ótima). O cítrico Lobo de Vasconcelos 2022 viria anteceder a fase Demora, que traria "um bocadinho mais de Cascais", como apresentou o chef, abrindo caminho para a dourada da Linha.
"Fazemos quase um mil folhas de toucinho fumado, com amêijoas abertas ao natural e pele crocante", descreveu, sobre esta paragem em Portugal, antes de voltarmos a descolar rumo a Singapura e à Malásia, onde provámos talvez o nosso prato favorito da noite.
Experimentámos Laksa, "uns noodles muito típicos da zona, à base de coco", mergulhados em caldo de marisco, com batata doce e santola. Parece uma sopa que não nos importaríamos de repetir. Da Ásia passámos para África, mais concretamente Marrocos, numa proposta familiar.
"Nos meus menus tenho sempre um prato emocional", introduziu Miguel Laffan, falando-nos da sua mãe. Inglesa, viveu "na época dos hippies" e frequentava bastante Tânger, para onde levava o filho, que até hoje se lembra de comer peixe cozinhado na tagine. É isso mesmo que apresenta, em loiça feita pela mãe.