A arte de fazer pão não é para todos, e que o diga aqueles que quiseram abrir uma nova padaria no meio de Lisboa. O cheiro do pão a sair do forno, a música a tocar de fundo, a montra repleta de novos doces e especiarias e todas as diferentes variedades de bolos e pães são aqueles pequenos pormenores que fazem com que qualquer pessoa se sinta atraído para lá voltar, ou para voltar a uma época em que este era, sem qualquer dúvida, o ponto de encontro de muitos.
A padaria Lully 1661 pretende ser isso mesmo. Esta nova casa francesa, que está situada nos Anjos, em Lisboa, e que já tinha aberto as suas portas em setembro no Beato, também na capital, quer ser aquilo que outrora uma padaria foi: um escape. “As padarias eram sítios onde a comunidade ia para comer e para conversar, para descontrair, e esse é o espírito da nossa casa”, disse Yann Lombard-Platet, de 55 anos, um dos três sócios da padaria, em conversa com a MAGG. A verdade é que, em conjunto com Alain Savouré, 56, e Franck, 53, o empresário francês quis continuar em Portugal uma comodidade que também existe no seu país: ter pastelarias e padarias em todos os cantos das ruas, fazer com que uma pessoa se sente a apreciar o seu café e a fazer conversa com quem quiser conversar consigo.
Mas, afinal, que fator é que Lombard-Platet acha que destaca a padaria Lully 1661 de todas as outras? Para o empresário, é fácil. A tradição. “Queríamos produzir aquilo de que realmente gostamos, e são tudo coisas baseadas na tradição. São receitas antigas com um twist de modernidade que conseguissem estar ao nível das expectativas dos consumidores”, comentou. Para finalmente abrir a padaria, os três sócios demoraram dois anos para ter tudo em ordem, desde selecionar fornecedores e ingredientes a realmente ter o resultado final, mas Lombard-Platet garante que todo o tempo foi precioso para garantir a qualidade dos produtos.
“Alguns [produtos] são locais, outros são importados. Alguma da farinha que temos fomos buscar a um dos melhores fornecedores da França, em Macron, onde eles trituram o milho tradicionalmente para chegarem ao sabor perfeito. Queremos mesmo que este seja o nosso lema”, acrescentou o empresário. Todos os detalhes, dentro e fora do fabrico da padaria, foram pensados até ao mais pequeno pormenor, para que a tradição fosse respeitada. “Queremos respeitar o melhor que há nela”, disse.
No entanto, a pulga atrás da orelha persistiu. Porquê querer algo novo e moderno mas continuar extremamente focado na tradição? Lombard-Platet explicou que tudo tem que ver com o próprio nome da padaria. “Lully nasceu em Itália e mudou-se para França, onde mais tarde foi descoberto por um nobre e colocado ao serviço da filha do Duque de Orleães”, começou por dizer. “Ali, Lully ficou muito perto da música, e quando começou a aprender e a crescer cada vez mais acabou por ser notado pelo rei francês, porque estava a fazer música fora do habitual com um toque tradicional bastante efusivo”, explicou.
O rei, na altura, gostou tanto do tradicionalmente radical de Lully que o nomeou mestre do barroco francês em 1661, tendo este revolucionado por completo a ópera. “Ele empurrou os limites para o revolucionário e nós adorámos isso, é esse o nosso espírito”, contou o empresário francês. E, na verdade, dito e feito. A Padaria Lully 1661 nasceu no Beato em setembro deste ano e logo se tornou numa das padarias mais faladas da zona (e não só, pois Lombard-Platet contou que um casal idoso de Cascais passa por lá de duas em duas semanas para comprar pão) devido à sua promessa da junção perfeita do moderno com o tradicional.
E não, a padaria promete não ser só mais uma “cara bonita” que veio encher os bairros históricos de Lisboa. Aqui, todos garantem que existe mesmo uma lealdade à tradição que é refletida nos produtos vendidos, e nas horas passadas a olhar para cada fornada (que saem todos os dias). “Nós temos um pão com 4,5 quilos que demora dois dias a fazer, por exemplo, desde o tempo em que se começa a fazê-lo, com o trigo e a água, dois dias. Temos de o deixar descansar durante 18 horas, porque é nesse tempo que os sabores se começam a desenvolver”, explicou o empresário. “A maior parte das padarias não se quer comprometer a gastar tanto tempo”, acrescentou.
E todo este esforço e dedicação é entregue não só a este pão, que tem o nome de paillard, alcunha de Lully, como a todos os outros produtos da padaria. O menu, que foi uma colaboração entre os três fundadores e uma equipa de dois padeiros franceses, Esteban Lautissier, 26 anos, e Pierre-François Potin, 31, e uma chef brasileira, Alana Mostachio, 31, é composto por 15 produtos, que variam desde as típicas baguetes francesas (3,90€) às deliciosas tardes de limão e chocolate (desde 6,50€).
No menu, constam produtos como o paillard, vendido simples (7€), com sementes (8€) ou com frutos secos (8€), o montpensier (6,50€), um pão em forma de coroa estilo Bordelaise, em massa branca com fermento natural, os conhecidos pain au chocolat (2,20€), croissants (desde 1,90€), biscoitos de chocolate (2€) e ainda os paris brest (5€), uma pastelaria tradicional francesa, em forma de roda de bicicleta para homenagear a corrida de bicicleta Paris-Brest-Paris. No entanto, para Lombard-Platet, se a visita aos espaços Lully tiver de ser rápida, o cliente não pode mesmo sair sem provar o paillard e o le popelin (2,50€), uma pequena massa choux exclusiva, coberta com craquelin polvilhado com açúcar de confeiteiro e guarnecida com chantilly aromatizado.
“A ideia não é conquistar Portugal inteiro, e sim estar onde temos de estar sem comprometer a qualidade dos nossos produtos. O que nós queremos é uma relação de qualidade, e não de quantidade”, concluiu o empresário francês. Assim, a Padaria Lully 1661 promete ter vindo para ficar, não para se espalhar pelo território nacional e sim para reconquistar aquilo que poderia estar perdido: a tradição, acarinha pela modernidade.