A partir de agora, vai passar a encontrar produtos alimentares feitos à base de insetos em dez lojas Continente do País. E se passar a correr pelas prateleiras, o mais provável é que nem se aperceba de que, dentro das embalagens coloridas e alegres, que pelas características parecem semelhantes a tantas outras que concorrem pela atenção do consumidor, estão, na verdade, produtos feitos à base de tenébrio, uma espécie de larva que, entre outros insetos, podem ser comercializados e consumidos após a autorização da Direcção-Geral da Alimentação e Veterinária (DGAV), a 28 de junho.

A venda no Continente, a primeira marca de retalho nacional a apostar nestes produtos, arrancou esta quarta-feira, 4 de agosto, numa iniciativa que assinala "uma inovação no mercado português", tal como explica Paula Jordão, diretora comercial da Sonae MC, à MAGG.

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Os produtos em questão são sete: quatro barras proteicas à base de farinha de inseto (elaboradas a partir de ingredientes 100% naturais, disponíveis com os sabores chocolate e amêndoa; figo e laranja; maçã e canela; e manteiga de amendoim e mel, por 1,79€); os snacks de insetos desidratados (temperados com pimenta cayenne ou sal marinho, por 4,55€); e a farinha de inseto feita a partir do tenébrio (9,95€ por um saco de 100 gramas).

A produção é da responsabilidade da Portugal Bugs, a empresa portuguesa que nasceu em 2016 quando Guilherme Pereira, um dos fundadores, foi desafiado a desenvolver uma barra proteica com incorporação de farinha de inseto no âmbito do final do curso na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.

"Desde aí que achámos que isto tinha um enorme potencial e optámos por trazer o projeto para o mercado empresarial. Começámos a produzir insetos na nossa garagem e, entretanto, de uma barra proteica passámos para quatro e começámos a fazer crescer o número de sabores", explica Guilherme Pereira à MAGG.

A mudança de paradigma e as embalagens coloridas que não chocam

Cinco anos parece não ser grande salto temporal, mas diz Pereira que esse foi o tempo suficiente para que se registasse uma mudança de paradigma no que toca à recetividade do consumidor em experimentar este tipo de produtos.

Num inquérito feito pela empresa em 2017, "mais de 60% da população dizia não estar disponível para incorporar este tipo de produtos na sua alimentação diária". Agora, esse número baixou para "apenas 30%". "Inicialmente, falava-se muito do fator nojo, mas agora as pessoas estão mais disponíveis."

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Sara Martins e Guilherme Pereira são os fundadores da Portugal Bugs, os responsáveis pela produção dos produtos que estão disponíveis em Portugal pela primeira vez créditos: Ana Rita Gonçalves/MAGG

Sobre o que justifica a mudança, Sara Martins, também fundadora da Portugal Bugs, fala na necessidade de, "face ao aumento da população mundial, encontrar-se novas alternativas alimentares mais sustentáveis" em que a fonte proteica não seja a carne. É que, acrescenta Guilherme, "se passássemos a comer mais insetos, seria possível libertar as nossas terras para produzir alimentos para nós e não para os animais, poupar os nossos recursos hídricos e reduzir brutalmente a emissão de gases efeito de estufa uma vez que, na produção do tenébrio, o volume é praticamente zero".

A ideia de comer insetos pode oferecer alguma resistência, reconhecem os responsáveis pela Portugal Bugs. Por isso, a comunicação da empresa e as campanhas de publicidade serão o menos agressivas possível. Prova disso é o facto de as embalagens, sejam elas de barras proteicas ou de larvas desidratadas, não chocarem. São coloridas, alegres e muito familiares.

"Sabemos que a ideia pode causar repulsa, por isso tentámos criar uma imagem o mais amigável possível para que o consumidor, quando olhar [para o produto na prateleira do supermercado] achar que é uma barra normal. Só quando se aproximar é que vai perceber que se trata de uma barra com incorporação de farinha de inseto. Não quisemos criar algo muito chocante porque, com isso, estaríamos a afastar o cliente", explica Guilherme Pereira.

Afinal, o objetivo principal nesta fase "é dar a provar às pessoas para que estas percebam que o produto é completamente normal".

"Quisemos oferecer um produto diferente, porque a fonte proteica é outra, mas que fosse parecido aos que já existem no mercado. Como se já fizesse parte da rotina, acrescenta Sara Martins. A ideia, continua Guilherme, é a de desmistificar "a velha ideia que temos em pequeninos, a de não gostarmos de brócolos nem nunca os ter provado".

O sabor e a textura dos alimentos com insetos

No que toca ao sabor e à textura, haverá diferenças consoante o produto escolhido.

Enquanto as barras são como qualquer outra barra, crua e heterogénea com sabores adicionados, o tenébrio desidratado, por ser muito crocante, "é um excelente snack para se ver um filme ou um jogo de futebol", substituindo as pipocas. Mas estes insetos desidratados são muito versáteis, na medida em que podem ser comidos sozinhos ou adicionados "a massas, saladas ou salteados com legumes", sugere Sara.

Da mesma forma, também a farinha de inseto tem inúmeras utilizações possíveis. "Pode ser usada para fazer um bolo, uma massa proteica, uma pizza, uma massa fresca... É um produto muito versátil", refere Guilherme.

Um snack de larvas crocantes e barras com sabores. Chegaram a Portugal os insetos comestíveis
As barras proteicas e os snacks de tenébrio desidratado que vai poder comprar nas lojas Continente créditos: Ana Rita Gonçalves/MAGG

Para já, os sete produtos vão estar disponíveis em dez espaços Continente do País — no Continentes Matosinhos, Colombo, Gaia Shopping, Gaia Jardim, Telheiras, Oeiras, Vasco da Gama, Cascais, Antas e CoimbraShopping. Mas também através do Continente Online que cobre toda a área da Grande Lisboa e do Grande Porto.

"Sentimos que esta é uma tendência em termos globais e o que vamos fazer é permitir esta alternativa alimentar, muito interessante nutricionalmente e bastante sustentável, junto dos consumidores portugueses", refere Paula Jordão, diretora comercial da Sonae MC. A aposta, diz Jordão, assenta "no código genético de inovação" da marca, no sentido de querer trazer "todas as novidades para Portugal, mesmo aquelas que são tendências emergentes e globais", como aparenta ser o consumo de insetos.

Paula Jordão baseia-se nos números.

"Um terço da população mundial já consume regularmente produtos à base de insetos. Estamos a falar de mais dois mil milhões de pessoas", refere. Isso, continua, permite estabelecer que estes novos produtos poderão ser uma opção viável, uma vez que, "a médio-longo prazo, será necessário encontrar alternativas alimentares de qualidade nutricional e, ao mesmo tempo, sustentáveis."

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E ainda que, para já, existam apenas sete produtos novos disponíveis pela primeira vez em Portugal, Guilherme Pereira e Sara Martins estão já a pensar nas novidades que estão previstas chegar em breve ao mercado — como uma nova gama de massa proteica à base de farinha de inseto, uma gama de hambúrgueres e almôndegas, barras com farinha de grilo e grilos desidratados com sabor.

"Nesta fase, é tudo novo. É a primeira vez que estes produtos estão à venda em Portugal e só a partir de agora é que vamos poder perceber a recetividade dos portugueses ao produto", conclui Sara Martins que, baseando-se no feedback que foi ouvindo desde que a Portugal Bugs foi criada, está confiante.

"Nunca tivemos ninguém que dissesse que não gostava dos insetos. Dizem que têm um sabor simpático e agradável."