Estamos ainda a dobrar a esquina da Rua da Betesga e já vemos um pescoço levantado. "É hoje que fecha a Suíça, não é?" O outro pescoço levanta-se como se a resposta estivesse escancarada no toldo que se abriu hoje, como todos os dias. "Pelo menos é o que diz nas notícias".
Notícias essas que puseram toda uma Lisboa em alvoroço ao dar conta que uma das pastelarias mais carismáticas da cidade ia fechar.
Um fundo internacional comprou por 62 milhões de euros o quarteirão do Rossio onde está localizada a pastelaria, que abriu ao público em 1922. O estabelecimento, que até se tinha candidatado ao programa municipal "Lojas com História", desistiu de fazer parte dessa lista de edifícios protegidos e fecha portas no último dia de agosto, um dia que de tão quente, ainda não sabemos se escolhemos mesa a aproveitar o ar condicionado do interior ou a pouca brisa da esplanada.
Nesta indecisão percebemos que também esta Suíça está dividida — não em cantões — mas em dois espaços totalmente diferentes. Cá fora ficam os que, alheios às notícias e à língua portuguesa, aproveitam o sol para pedir mais uma rodada de pints ou para espalhar o mapa de Lisboa na mesa e escolher qual o miradouro seguinte.
Lá dentro, entramos num mundo que já fala no passado, numa espécie de saudade do que ainda não acabou. Ou já? "Ducheses já não há e estas são as últimas duas tíbias", grita um dos funcionários. A Maria Barata quase que só lhe falta esfregar as mãos por ter conseguido chegar a tempo de levar os últimos exemplares de um dos doces mais famosos da Suíça. "O café tomava-o muitas vezes ali na Confeitaria Nacional, mas o docinho...esse era sagrado". Normalmente mandava embrulhar para levar também um para o marido, mas hoje foi o marido que fez questão de vir à Baixa e comer o doce ao balcão e ainda dar um abraço ao Sr. Cordeiro.
Ainda insistimos para saber que o apelido é Santos, "mas aqui, é só o Sr. Cordeiro", o chefe de mesa que há 44 anos gere o serviço de uma pastelaria à qual muitos vinham só pelo serviço.
Vasco Andrade e Zeferino Duarte bebem um café ao balcão, exatamente por saberem que aqui não vêm só beber um café. "Sentamo-nos sempre aqui porque é mais fácil para conversar com o pessoal da casa", explica Zeferino que admite que, além das pessoas, saudades a sério vai sentir é das empadas de vitela. "Não há nenhuma como as daqui", garante. Tal como, para esta dupla, não existe nenhum espaço como a Suíça. "Talvez a Brasileira ou o Nicola", admite Vasco, num encolher de ombros. "Mas a verdade é que hoje morre um bocadinho de Lisboa".
Selfies, abraços e um café para a despedida
A azáfama atrás do balcão é a mesmo de todos os dias, até porque — lembramos —há toda uma esplanada de turistas alheios à palavra saudade para servir.
O Sr. Cordeiro divide-se entre encontrar mesa para os que estão de pé, pedir mais uma dose de tíbias para o balcão e agradecer a todos os que vieram de propósito para o último dia da pastelaria para onde entrou com 22 anos e de onde o único alívio de sair vem do tempo livre que vai ter para os netos.
"Oh Sr. Cordeiro venha cá para aparecer também", diz Elisabete Duarte, já com os braços em cima dos colegas a preparar a pose para a fotografia que um dos clientes faz questão de tirar. Antes disso, já a tínhamos visto a tirar uma selfie com Paulo Morais, um cliente que, de tão habitual, guarda memórias tão díspares como os jesuítas que trazia a filha pequenina a comer, os pequenos-almoços que ajudavam a curar a ressaca de mais uma noite e até aquela vez em que viu Woody Allen a tomar um café na esplanada como se nada fosse.
Hoje vem com a filha que, por sua vez, já traz o seu próprio filho a comer os tão famosos jesuítas. "Eu nem tomei nada", admite, "vim mesmo só para dar um último beijinho a estas meninas, que não sei quando as volto a ver". Tendo em conta esta incerteza, é vê-lo a escrever num papel o seu número de telefone, em troca do de Elisabete, que guarda no bolso "para ligar daqui a uns tempos a saber onde está a trabalhar".
"O futuro é incerto", admite Elisabete, que tem apenas a segurança do fundo de desemprego para os próximos meses, "mas hoje ainda é dia de trabalho, por isso, vamos a isso". Limpa o balcão e prepara-se para atender Antonieta Rodrigues que, com 70 anos, veio de propósito de Miraflores para se despedir do café que frequenta desde miúda e onde, sempre que pode, vem comer o duchese que, já percebemos, merecia uma patente. "Não sei se é da massa, se do chantilly caseiro, mas a verdade é que nunca provei nenhum como o daqui", admite. Pena que já tenham acabado e ainda nem são três da tarde. Remediada, diz, quase que num suspiro: "Então é uma nata e o meu último café da Suíça, por favor".