Sou do Minho, uma terra onde, à mesa, o pão é tão indispensável como a faca e o garfo. "Uma mesa sem pão? Deus me livre", é frase batida na boca da avó Rosa, que entre uma e outra fornada de broa de milho acabada de fazer no forno de lenha, nos fez criar um palato exigente quando o assunto é pão.

Quando, já em Lisboa, me diziam que a melhor broa se encontrava no Lidl, passei a trazer pão na mala de viagem, para que, mesmo depois de congelado e descongelado, pudesse saber-me mais a casa do que alguma vez me sentiria dentro de um hipermercado.

Vai daí que tenha dado graças ao Deus que tantas vezes a minha avó aclamava quando o assunto era comida, ao perceber que, de repente, a cidade tinha acordado para um assunto demasiado sério para ser tratado com uma leviandade feita à base de emulsionantes, açúcares e reguladores de acidez.

Já tínhamos a Gleba, a Micro Padaria e o Pachamama a fazer pão em Lisboa sem químicos e com recurso a massa mãe, uma técnica de fermentação mais lenta, mas que tornam o pão muito mais rico a nível nutricional. Mas quando o assunto é pão de qualidade, só podemos ficar contentes com a notícia da abertura de mais espaços, principalmente quando sabemos que detrás da nova Padaria da Esquina está o homem que mais sabe de pão em Portugal.

Apanhámos Mário Rolando na rua, rodeado dos balões amarelos usados na inauguração para orientar o caminho que é preciso fazer por entre as ruas de Campo de Ourique até chegar à Padaria da Esquina, um projeto que divide com Vítor Sobral, sócio maioritário e dono de restaurantes como a Tasca e a Peixaria da Esquina.

Cumprimenta quem passa, agradece os elogios e disfarça o cansaço com a adrenalina de quem vê nascer um projeto pelo qual Lisboa ansiava e que já tinha sido anunciado há vários meses. No meio das conversas alguém lhe pergunta a que horas tinha começado a trabalhar para ter tudo a postos para abrir portas a um sítio que se quer com pão fresco logo de manhãzinha. "Às oito da manhã. De ontem".

Passou a noite a amassar o pão que enche o balcão de madeira e onde se pode escolher entre pães à unidade, em formato grande ou em baguete (os preços variam entre os 30 cêntimos e os 6€). Há broa de milho, pão branco de cabeça, pão escuro, pão redondo, pão rústico, pão alentejano, trigamilho e pão de sementes, que pode levar para casa ou comer lá, já que a lista de recheios é bastante vasta. Queijo, fiambre, manteiga (da Ilha do Pico, não uma qualquer), fiambre, peru fumado, presunto, legumes ou rosbife.

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"Sempre me chateou ir a uma pastelaria e ter como opção apenas uma sandes de fiambre ou de queijo flamengo", admite Vítor Sobral. É por isso que aqui há lugar para tudo o que acredita que fique bem com pão: azeite, mel, conservas e charcutaria. "Haverá pelo menos a opção de requeijão, queijo flamengo e queijo da ilha. Mas se quiser uma fatia de presunto Pata Negra ou qualquer outro queijo que tenhamos à venda, podemos pesar a quantidade e servir no pão", explica. Já Mário garante que, apesar da panóplia de recheios, este é um pão que vive por si. "É um pão que sobrevive ao que tem lá dentro", refere, admirado que o comentário mais ouvido por quem prova o seu pão seja o dizerem que tem sabor. "Devia ser óbvio, mas ultimamente o pão só tem o sabor do que lhe pomos lá dentro".

O tempo do pão

Mas o que é que este pão tem? Respondendo à pergunta: farinha, água, sal e massa mãe. "Não é preciso mais nada. Tudo o resto é feito para ter um pão durante um mês em casa sempre pronto a comer", explica Mário. O que poucos sabem é que o pão feito com base numa fermentação natural dura sempre muito tempo, basta para isso aquecê-lo uns segundos para ficar no ponto.

Se é assim tão simples, por que razão deixamos de fazer pão com qualidade? "Vivemos sempre com pressa, estamos como os adolescentes para quem a vida parece que passa num instante", justifica Mário. Esperar que o pão fermente por 24 horas parece demasiado tempo para quem se habituou a ter pão feito a toda a hora. "E nós, padeiros, deixámo-nos levar por esse imediatismo, ao usar mixes de farinhas e aditivos que permitem fazer um pão da forma mais rápida possível".

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Mário Rolando, que se apaixonou por este mundo há 15 anos, quando largou uma carreira na área do Direito Familiar e Protecção de Menores para se dedicar a aprender e a ensinar a fazer pão, garante que "é tolo não haver pão bom em Portugal", calando assim as bocas de quem fez deste alimento o inimigo de uma vida saudável. "Há mais de um ano que o meu jantar e o da minha mulher é pão com qualquer coisa, azeite ou uma sopa, e estamos ótimos de saúde", brinca. A verdade é que este pão, pela forma como é feito, não provoca inchaço, sacia mais do que os outros e é prebiótico: alimenta as bactérias boas do intestino. "E o intestino é o nosso segundo cérebro. Se ele é saudável, nós também vamos estar".

Pães e bolos

A montra de vidro deixa espreitar uma panóplia de pães, que piscam o olho à não menos gulosa secção de pastelaria. Também aqui não há aditivos, margarinas e misturas de farinhas pré-feitas. Mas há, garantimos, um regresso ao que de mais tradicional uma montra de bolos pode ter: bola de Berlim, bolo de arroz, sidónios, pão de ló, pastel de nata ou croissant do Porto, daqueles massudos, não há cá folhados pelo Norte.

Mas com toda esta conversa sobre tradição, não podíamos saltar etapas e passar para a sobremesa sem antes parar no essencial. Posto isto, venha daí essa torrada.

Morada: Rua Coelho da Rocha 108, Lisboa

Horário: terça a sábado 8h-20h, domingo 8h-16h

Vitor escolhe dois tipos de pão, o branco e o de sementes, onde é barrada a manteiga na quantidade perfeita para que se aprecie o sabor único do que é produzido nos Açores, sem se perder o do pão, que, tal como nos foi vendido, vale por si. À primeira dentada sonora de quem enterra os dentes numa crosta estaladiça, Mário, que entretanto se sentou à mesa, exclama: "Esse barulho é maravilhoso". Mais maravilhoso ainda é poder continuar a comer esta torrada e lembrar-me das palavras sábias da avó Rosa. Uma mesa sem pão, Deus me livre.