Vamos repetir isto várias vezes ao dia como se de um mantra se tratasse. Um spoiler mantém-se spoiler para todas as pessoas que não viram uma série ou filme aquando da estreia, mas que, eventualmente, irão fazê-lo. A premissa aplica-se a todas as produções que tenham sido lançadas recentemente ou há vários anos. Isto significa que, embora o primeiro filme de "Star Wars" se tenha estreado em 1977, o facto de o Darth Vader ser o pai de [SPOILER] que, por sua vez, é irmão de [SPOILER] é, adivinhou, um spoiler.

1,2, 3, respirei.

A minha relação com o spoiler é semelhante ao que sinto relativamente ao marisco. Percebo, e aceito, que haja quem goste e o ache interessante, mas não mo queiram impingir só por acreditarem ser a melhor coisa do mundo. Até porque não é, talvez devido às intensas alergias que ambos me provocam.

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Consigo senti-lo, caro leitor, a tremer de nervos só de ler o que escrevi. "Lá está este tipo armado em esperto ao insinuar que ninguém pode falar de nada para não ofender ninguém", poderá estar a dizer desse lado. E não podia estar mais enganado.

Permita-me que explique.

Parece haver, nas redes sociais, um pressuposto de que a maioria das pessoas parte para discutir qualquer série ou filme sem o mínimo de sensibilidade por quem ainda não viu, revelando todo o tipo de detalhes fulcrais e determinantes para o desfecho da história. Chamo-lhe o pressuposto do egoísmo, que estabelece a ideia de que um spoiler deixa de existir no momento em que a ação é exibida, do início ao fim, para todos verem.

E esse pressuposto é verdadeiro, mas só para quem, efetivamente, viu o desenrolar da narrativa em tempo real. Para quem não viu, e quer, os desenvolvimentos continuam a ser segredo. O mesmo é válido para quando, numa discussão entre amigos, pelo menos um deles diz ainda não ter visto a produção que seria o foco da conversa.

Mas como se traça o limite? Se calhar não os há.

É que esta discussão, para a qual parto sempre pronto a perder, é difícil de defender. A explicação é simples: há spoilers que costumam fugir a esta "regra" e a sua discussão aberta e sem filtros, ou avisos para os demais utilizadores nas redes sociais, é amplamente aceite e até incentivada. Especialmente quando 1) dizem respeito a produções mais antigas (toda gente sabe o que acontece no final de "O Padrinho", por exemplo); ou 2) certos momentos-chave se tornam indissociáveis da cultura popular.

O exemplo mais recente é "The Mandalorian", a série da qual foi praticamente impossível fugir à revelação do momento que encerra o primeiro episódio. Não só se tornou num dos assuntos mais comentados do Twitter à medida que os episódios iam saindo semanalmente, como alavancou o sucesso da plataforma de streaming.

A aparição surpresa de uma personagem de características familiares a quem é fã de "Star Wars" surpreendeu, e todos quiseram fazer parte da discussão ajudando a aumentar o alcance da série, da plataforma (que, já agora, só chega a Portugal a 15 de setembro) e do spoiler a novos públicos.

Tal como em "The Mandalarian", cuja revelação serviu para dar corpo a memes amplamente partilhados na internet, é quase impossível não saber quem, em "Star Wars", é o pai de Luke Skywalker. Precisamente porque esse dado é, ainda hoje, um dos mais importantes do franchise. Levou a que, anos depois, os fãs fossem capazes de reproduzir de memória o momento em que o herói é confrontando com parte importante do seu passado. No entanto, continua a ser spoiler para quem não viu o filme — mesmo que exista há mais de 40 anos.

Mas afinal, como é que se fala de um spoiler na era da discussão online? A coisa fica tramada porque não há resposta que seja capaz de satisfazer os que os querem discutir publicamente e os que não os suportam.

O que sugiro, e o que tento fazer nas minhas interações online, é cultivar a sensibilidade de perceber que quem me vai ler poderá ainda não ter visto a série ou filme que vou comentar.

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Como? Avisando, mais do que largar a bomba num qualquer comentário, de que a bomba vai ser largada. Mas ao contrário da discussão privada, bem sei, não há soluções infalíveis porque os algoritmos podem, a qualquer altura, decidir puxar para o topo das timelines das redes sociais comentários feitos há semanas.

Não tenho solução, admito. Sei que, ao contrário da minha mãe, que compra todas as revistas que revelam o desfecho das novelas que segue religiosamente todas as noites, isso incomoda-me.

Ela, não contente com isso, vai mais longe ao decidir contar todas as revelações às amigas que também estão a ver a novela ao mesmo tempo. Haverá pecado maior do que este?

"Gosto de saber o que acontece para, depois, perceber se é exatamente assim", costuma dizer-me. Não só acha que um camarão cozido é a coisa mais maravilhosa deste mundo, como o impinge às amigas seja ao pequeno-almoço ou ao lanche.

Desse lado, o leitor poderá querer fazer o mesmo, que o 25 de abril, entre outras coisas, também se fez para isso. Eu continuei a bater-me pelo direito de as pessoas alérgicas a marisco não terem de levar com camarão a toda a hora. No final, ficamos amigos na mesma.

Mais ou menos.

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