A Maria Luísa nunca lhe foi permitido ser mulher. Na década de 50 e até à adolescência, cresceu no seio de uma família conservadora na cidade do Funchal, na Madeira, sob alçada de uma mãe austera, exigente e tomada pelo luto do filho, Otávio, que morreu aos seis anos. O fantasma do irmão, no entanto, assombra a vida daquela família e, especialmente, a infância de Maria Luísa que reconhece nos pais — mas, principalmente, na mãe — um ressentimento castrador que a culpabiliza por estar viva.
O seu nome é Maria Luísa (em jovem interpretada por Carolina Carvalho e em adulta por Soraia Chaves) e existiu duas vezes. Numa primeira vida cheia de mágoa e dor, e numa segunda assumindo uma identidade e um género que não lhe pertenciam, mas através dos quais tentou tomar para si aquilo que, até então, estava ao alcance dos homens ao assumir a identidade do irmão e tornar-se militar do exército português.
Para que lhe entendamos o esforço e, acima de tudo, a frustração, o caminho passa por nunca lhe esquecer o nome. Porque Maria Luísa, a protagonista da série, baseada em factos reais, "A Generala" — a nova aposta da OPTO SIC à qual a MAGG já teve acesso e que muito provavelmente será uma das séries do ano — cresceu penalizada por ser gente.
Quando se decidia a ir à praia com os rapazes, o que lhe esperava em casa era um sermão e uma reza a Deus, durante a qual estava obrigada a pedir perdão por não corresponder ao vazio deixado pelo irmão Otávio. "Deus levou-nos o teu irmão, que era um menino exemplar. A única coisa que tens de fazer é comportar-te como uma mulher que és. Não é justo que Deus me tenha levado o teu irmão e tu estejas a desperdiçar a tua vida", ouve da mãe durante um dos sermões depois de a filha lhe chegar a casa com o cabelo molhado da praia. "Mas, mãe, sou a melhor aluna da escola", responde.
Uma mulher a quem foi negado ser gente
Era verdade, mas dela esperava-se mais. Por isso, e por ter crescido numa sociedade patriarcal, a protagonista teve aulas de postura e conduta para que agisse e se comportasse como uma senhora — relegada à esfera doméstica e familiar. "Achas que a vida é uma brincadeira, Maria Luísa?", ouve uma e outra vez da mãe que nunca o foi, que não lhe reconhece valor e lhe nega qualquer afeto.
É na transição da adolescência para a idade adulta que a protagonista tenta libertar-se das amarras que a prendem ao Funchal, tentando convencer os pais a autorizarem-na a fazer uma licenciatura em Lisboa. O pai diz-lhe que lhe conseguiu um emprego como secretária de um dos magnatas da ilha e a mãe reforça que esta "não tem quereres", depois de se mostrar descontente.
"Sei que se me aplicar, poderei deixar-vos orgulhosos", tenta convencê-los. A mãe, sempre implacável, é assertiva: "Não quero que me deixes orgulhosa. Já só queria que não me envergonhasses mais."
É que Maria Luísa, habituada a crescer sem amor, encontrou-o num homem mais velho e casado. Só que a relação entre ambos começa a ser motivo de falatório na pequena vila onde a família mora, o que aumenta ainda mais as tensões familiares. A tensão aumenta, até chegar ao ponto sem retorno, quando, durante um evento para a elite da sociedade do Funchal, um dos magnatas que se disponibilizou a oferecer o trabalho de secretariado a Maria Luísa, a tenta violar.
Quando revela à mãe o que lhe aconteceu, a resposta surge como uma faca afiada que espeta uma e outra vez na filha que, aos seus olhos, desperdiçou a oportunidade de garantir um trabalho seguro. “Devias ter sido tu a tomar o lugar do teu irmão. Não quero olhar mais para a tua cara”, grita no primeiro episódio.
Da repressão e ódio, à mentira e ao escândalo
Maria Luísa, decidida a mudar o rumo da sua vida, forja a sua morte e desaparece para Lisboa vestindo a pele do opressor — um homem, de nome Otávio, assumindo a identidade do irmão morto e que tomará como sua para conseguir chegar às alturas que, enquanto mulher, lhe foram constantemente negadas.
Primeiro assume a função de contabilista, passando por consultor, advogado, assessor da embaixada dos EUA à medida que vai mentindo, enganado e burlando todos aqueles que se vão atravessando no seu caminho. Até mesmo a PIDE. Até que, aos 33 anos, Maria Luísa encontra um novo papel que se dispõe a representar para sempre: o de um militar da alta estrutura hierárquica do exército português.
Para isso, Maria Luísa corta o cabelo, achata o peito com umas ligaduras bem apertadas e constrói mentiras que vai repetindo até conseguir acreditar nelas sem despertar dúvida naqueles que ouvem — relegando para segundo plano o seu género e a sua sexualidade para viver como um homem até ser descoberta, gerando todo um novo escândalo mediático para o qual não estava preparada.
A história trágica, inspirada em factos reais, tem drama, intriga e momentos de alta tensão que farão de "A Generala" uma das grandes estreias do ano e capaz de mostrar o que os atores portugueses têm para dar para lá daquilo que se conhece deles das novelas em que geralmente participam.
É que ao contrário da novela, no formato de série há mais tempo para trabalhar as personagens, para entender o texto no universo em que ele se insere e para criar ficção que, de facto, apele tanto ao espectador casual como ao que está sempre à procura da próxima grande série para ver. Pelo que a MAGG conseguiu ver, "A Generala" insere-se facilmente nesta categoria.
A escrita está a cargo de Patrícia Müller e Vera Sacramento que conta com um elenco repleto de grandes nomes da ficção portuguesa como Victoria Guerra, José Fidalgo, Ricardo Pereira, Soraia Chaves, Anabela Moreira, António Capelo, Carolina Carvalho, Vítor Norte e Isabel Ruth. A estreia está marcada para 24 de novembro, altura em que a OPTO SIC, o serviço de streaming do canal, é lançado oficialmente a todos os utilizadores.