Já estreou na SIC (e no streaming, na plataforma OPTO e na Disney +) a nova novela da noite do canal de Paço de Arcos. “Vitória”, protagonizada por Cláudia Vieira, Jorge Corrula, Luísa Cruz, Afonso Pimentel, Joana Santos e José Raposo, foi lançada na segunda-feira, 22 de setembro, durante o horário nobre da estação, e o seu grande objetivo é conseguir diferenciar-se das novelas portuguesas mais tradicionais. Como? Sendo quase mais feita para o streaming do que para a televisão propriamente dita.

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Nós explicamos. “Vitória” nasce com uma grande novidade: além de passar na SIC todas as noites depois de “A Promessa”, vai também estar disponível no catálogo da Opto (streaming da SIC) e da Disney+, sendo que é nesta plataforma de streaming que os espectadores vão conseguir ver a novela antecipadamente.

Ou seja, enquanto que no canal de Paço de Arcos passa apenas um episódio por dia, no Disney+ ficam disponíveis logo cinco episódios a cada domingo, tornando a produção mais acessível e rápida para quem subscreve esta plataforma de streaming. 

E sobre o que é, afinal, “Vitória”? Baseada numa série turca, a nova novela da SIC conta a história de Vitória (Cláudia Vieira), uma mãe de três filhos que perdeu o marido numa explosão na fábrica da família (família essa que a culpa da morte do marido) e que foi presa depois de atacar o seu cunhado, interpretado por Afonso Pimentel, com uma tesoura.

Os dois anos que passou na prisão fizeram com que os filhos se afastassem dela (tudo porque a família rica do marido não os deixou ver a mãe), acabando por fazer com que os miúdos - pelo menos dois deles - se tornassem no típico género de meninos ricos e mimados. E é por aqui que tudo começa.

O que não gostámos

créditos: SIC

A MAGG assistiu ao primeiro episódio em direto na SIC, mas a curiosidade foi tanta que abrimos a Disney+ logo a seguir para ver o próximo episódio - e notámos que, desde logo, a tentativa de dar à produção um toque de série de streaming é bastante clara, com aproximações, movimentos ousados e slow motions dramáticos que raramente aparecem nas novelas. A inspiração nas produções turcas também está de caras: o ritmo é intenso, a emoção um pouco exagerada e a construção cinematográfica das cenas lembram muito daquilo que se vê, por exemplo, nas séries que passam na SIC Mulher - só que a verdade é que nem tudo funciona.

Em alguns momentos, o efeito cinematográfico acaba por ser exagerado ou forçado, criando cenas que pareciam mais ensaiadas do que naturais. As entradas dramáticas no tribunal e em câmara lenta, os exageros nos movimentos da câmara, tudo isto fazia com que a narrativa em si não sobressaísse, uma vez que este tipo de filmagens são muito mais vistas nas novelas turcas. Ou seja, o que acontece é que se nota perfeitamente que "Vitória" é uma adaptação, e ainda não é possível, pelo menos para quem já viu os primeiros dois episódios, distinguir algo que seja mais normal de se ver nas novelas tradicionais. 

E o que também salta à vista por não ter sido tão bem feito são as incoerências ao longo dos episódios. Depois de Vitória ter sido sentenciada a dois anos de prisão, a mulher sai simplesmente da sala do tribunal e encontra os filhos - Afonso (Vicente Gil), Matilde (Mariana Cardoso) e Francisco (Rodrigo Costa) -, abraçando-os e ficando com eles ainda uns bons minutos. Ora, para quem costuma ver demasiadas séries e filmes (e grande parte são thrillers e policiais onde muita gente é presa), como é que é suposto acreditar que uma pessoa pode simplesmente sair algemada do tribunal e acarinhar os filhos com o juiz ainda a ver?

E mais: depois de dois anos presa por ter atacado o cunhado, Sérgio (Afonso Pimentel), com uma tesoura, Vitória vai a tribunal pedir a guarda dos filhos, pedindo ajuda a João (interpretado por Jorge Currula), a sua paixoneta de quando era adolescente que agora é um advogado de renome. João faz de tudo para ajudar Vitória, e consegue levar até à audiência uma testemunha que é fulcral para a defesa da mulher. O que esta testemunha diz faz com que se perceba que Sérgio mentiu na altura e que Vitória devia ter tido mais hipóteses antes de ser sentenciada, mas, ao ver isto, fica a pergunta: porque raio não se foi buscar esta testemunha dois anos antes?

São as pequenas falhas de lógica que distraem, e que fazem com que a novela perca um pouco de credibilidade. Dito isto, a verdade é que o episódio foi intenso, mas irregular. Teve momentos poderosos, mas também exageros técnicos e incoerências narrativas que tiraram impacto. No geral, foi uma mistura de "isto é diferente" com "isto ainda não cola bem", e se a produção conseguir equilibrar melhor o drama turco-cinematográfico com uma narrativa mais coerente, pode agarrar.

O que mais gostámos de ver

créditos: SIC

Uma das cenas mais impactantes para nós foi, sem dúvida, quando Sérgio, o cunhado de Vitória, a ataca e faz com que a mulher tenha de se defender. Esta cena é aflitiva e impactante, transmitindo bem a sensação de injustiça, desespero e vergonha que uma mulher pode sentir quando um homem se atira para cima dela. Vitória foi corajosa o suficiente para se defender, mas isto é algo que vai mais longe: há quem não o consiga fazer e, assim, fica a sofrer as consequências para o resto da vida, tudo porque um homem se achou no direito de fazer o que lhe apetecesse.

A partir daqui, Vitória é levada para a prisão, e é neste ambiente que podemos afirmar que Cláudia Vieira mais brilha. A representação da dor, da saudade dos filhos e do isolamento é convincente, e a narrativa da prisão é das partes mais sólidas do primeiro episódio, com um ambiente pesado e emocionalmente carregado. A atriz portuguesa chora quando tem de chorar, e ver a dor de uma mãe que não recebe visitas, que não recebe cartas, que não consegue falar com os filhos porque a família não permite, é extremamente angustiante - tudo porque Cláudia Vieira soube bem o que tinha de dar ao papel. 

A cara embasbacada de João (Jorge Currula), ao longo dos dois primeiros episódios também é muito bonito de se ver. O típico amor de adolescentes que só acabou por idiotices, porque um caiu de mota e não conseguiu ir ter com o outro quando combinaram que iam ficar juntos para sempre. Agora adultos e com famílias feitas, uma vez que João é casado com Isabel Nobre (interpretado pela atriz brasileira Vanessa Giácomo) e Lia (Beatriz Frazão) é a filha do casal, os dois apenas se reencontraram porque Vitória soube que João era advogado, e percebe-se no primeiro segundo em que se veem que o homem ainda está completamente apaixonado. É esta a história de amor principal da novela. 

E por falar em Isabel Nobre, não podemos deixar de fazer uma menção a esta personagem. De forma curta mas eficaz, a mulher estabelece-se logo como vilã da história, e a sua postura, os ciúmes estrondosos por toda a gente, a forma de olhar e os seus pequenos gestos tornam evidente que a personagem vai causar problemas a Vitória ao longo de toda a narrativa. Já José Raposo, no papel de Manuel Mendonça, também se destaca imediatamente. O seu porte e presença lembram um verdadeiro barão da máfia: basta ele andar e todos parecem sentir o peso do seu poder. Um pouco cómico e desconcertante, na verdade, mas acaba por entranhar nos espectadores.

Ou seja, no plano emocional, o episódio consegue prender em várias cenas, principalmente na prisão e nos flashbacks de Vitória com os filhos, que ajudam a criar empatia. Os primeiros episódios também mostram a complexidade das relações familiares, o ciúme entre irmãos e a manipulação da família Mendonça, estabelecendo desde cedo a tensão que vai orientar a narrativa. O caçula Francisco consegue transmitir naturalidade e emoção genuína, funcionando como um ponto de equilíbrio entre os filhos de Vitória, e a narrativa também mostra que o enredo não deixa espaço para monotonia.

O que nos tirou do sério e veredicto final

créditos: SIC

Precisamos só, rapidamente, de falar sobre algo que nos tirou completamente do sério - nem tem tanto que ver com a construção da narrativa e de como as coisas foram feitas e produzidas, mas sim com a mudança de personalidades que as crianças podem ter se forem altamente influenciadas. No início do primeiro episódio vemos Afonso, Matilde e Francisco a adorarem a mãe, não querendo ir para lado nenhum sem ela e desprezando até, por momentos, o resto da família. No entanto, depois de Vitória sair da prisão, os dois mais velhos (que na novela são gémeos) culpam a mãe por tudo, não querendo sequer estar ao pé dela, com apenas Francisco a lembrar-se da mãe como ela era. 

Ou seja, houve uma clara lavagem cerebral a Afonso e Matilde por parte dos avós, Manuel e Carolina Mendonça (José Raposo e Luísa Cruz), e dos tios, Sérgio e Margarida Mendonça (Afonso Pimentel e Joana Santos), que acusavam Vitória de ter matado o marido e de ter atacado o cunhado sem motivo aparente. Os mais velhos deixaram-se levar pela lengalenga e agora não suportam a mãe, tornando-se em autênticos meninos mimados que só querem estar na mansão dos avós e a não fazer nada da vida, o que irrita solenemente o telespectador. É verdade que sofreram uma lavagem cerebral, mas porque raio se deixaram levar ao ponto de odiarem a própria mãe?

Não têm culpa, mas as caras, as intenções, os gestos e as palavras que usam fazem com que se queira dar um grande abanão aos dois, para ver se conseguem acordar para a vida. Francisco, o mais novo, é o mais sensato, uma vez que não se deixou levar pelas histórias da família e ainda ama a mãe tal como ela é, o que também dá a entender uma coisa: as crianças raramente se vão deixar influenciar, enquanto que os jovens são muito mais propensos a achar algo só porque alguém próximo lhes disse que isso é que era verdade.

No geral, este episódio de estreia de "Vitória" é intenso, cheio de drama e com algumas sequências impactantes, mas desequilibrado em termos de ritmo e coerência narrativa. Os exageros cinematográficos, algumas falhas de lógica e certas atuações menos convincentes deixam espaço para críticas, mas, ainda assim, a novela consegue criar curiosidade e promete desenvolver uma história de luta, injustiça e emoção. Se conseguir equilibrar o drama turco-cinematográfico com uma narrativa mais sólida e coerente, "Vitória" tem potencial para se destacar e conquistar o público.