Quando as câmaras se ligam para começar a gravar, já Carolina Torres está penteada, maquilhada e vestida de luxúria para dar vida a Irina. Trata-se de uma das muitas acompanhantes de luxo a fazer parte de uma casa de alterne situada no coração de Lisboa e que será o centro de "O Clube", a nova grande série da OPTO SIC na qual o sexo, o poder e intriga vão andar de mãos dadas ao longo de oito episódios. A história está envolta num grande secretismo e têm sido algumas das atrizes do elenco a levantar o véu sobre o que esperar. Foi, aliás, através de uma publicação de Instagram da atriz Luana Piovani, que também faz parte da série, que se descobriu que o genérico fora gravado no Elefante Branco, um dos espaços noturnos mais emblemáticos de Lisboa.
Sobre o que esperar da história, Carolina Torres, que se divide entre o projeto Lo-Fi com concertos ao vivo no Instagram e a banda 8/80 com um disco editado recentemente, avisa a MAGG que não pode revelar muito, mas explica que será repleta de cenas de sexo muito diferentes das que nos habituamos a ver na televisão portuguesa.
"Nesta série há muitas cenas de sexo que diferem daquilo que se vê na ficção nacional, como nas novelas, por exemplo, nas quais há o casal romântico a fazer amor ou uma violação super agressiva. Sexo, tal como o entendemos, há pouco", revela.
"Há poucos dias tive de gravar uma cena de sexo e tinha o coração na boca", continua. A explicação, diz a atriz, tem que ver com a sua inexperiência neste tipo de registo uma vez que, ao longo da sua carreira, "pouco ou nada" beijou em ficção.
"Tem sido um caminho completamente novo para mim. Mas nestes casos é importante ter uma pessoa a contracenar comigo em que confie e que me respeite, o que foi o caso, por isso tem sido muito fixe. E é fantástico estarmos todas a passar por isto ao fazer uma série que gira em redor do sexo. Tema que, em Portugal, não costuma ser abordado desta forma", continua.
Para os oito episódios de "O Clube", explica a atriz, todo o elenco — composto por Vera Kolodzig, Sara Matos, Luana Piovani, Filipa Areosa, Carolina Torres, Vera Moura e Sharam Diniz — teve oportunidade de frequentar vários bares e "falar com algumas das raparigas que trabalham nesta área", o que terá ajudado a perceber como é que o meio funciona e qual o contexto sócio-cultural e económico de algumas das trabalhadoras do sexo em Portugal.
A inspiração nas histórias do porteiro do Elefante Branco
O espaço do Elefante Branco terá servido para mais do que a gravação do genérico. "'O Clube' é baseado nas histórias do porteiro do Elefante Branco, editado em livro, que terão acontecido entre os anos 80 e 90 em Portugal. Algumas das coisas que se veem na série terão, por isso, alguma parte de verdade, mas não podemos dizer que é uma série de época porque a história passa-se e foi transposta para a atualidade", refere.
A sua personagem, Irina, é de nacionalidade russa e vive em Portugal como acompanhante de luxo. "Além de ser muito boa naquilo faz, gosta disso e só quer curtir a vida. Mas depois tem problemas muito graves e é completamente louca, o que é ótimo para mim. Dá-me imensa pica fazer uma personagem destas e obriga-me a ultrapassar os meus limites porque a cada cena de gravação tenho a realizadora a dizer-me para a surpreender, para fazer pior, para me passar. Não podia fazer uma personagem melhor neste projeto".
Mas diz, sem desvendar muito mais sobre Irina, que os espectadores podem esperar uma personagem "explosiva" e "problemática".
"O que posso dizer é que ela [Irina] é levada pela merda, que é muita, que vai acontecendo naquele clube. Apesar de ser problemática, é talvez das menos problemáticas". Confuso? Carolina Torres é propositadamente vaga para não ser ela a quebrar o mistério em redor da série, mas adianta que, embora as ações da sua personagem possam surpreender, haverá sempre alguém a fazer pior do que ela.
"Sei que no final da série, os espectadores vão pensar que a Irina é completamente alucinada quando, na verdade, aquilo que ela faz é relativamente básico quando comparado com o que as outras mulheres que ali estão vão fazendo umas às outras. Ela só quer curtir a vida, mas é explosiva dentro daquilo que acontece numa casa de prostituição", adianta.
Sobre como é que se faz uma série sobre e de sexo em plena pandemia, a atriz ri-se. "Com muitos testes", e Carolina já fez quatro.
"Só pode ser assim, com muitos testes. Mas passa também por não se baixar os braços quando nos vemos de frente a um projeto destes. A nossa realizadora está sempre a dizer-nos que é louca e acho lindo quando ela diz isso. Porque, de facto, é uma série muito difícil de se fazer, especialmente nesta altura. Fazemos muitos testes e a equipa técnica está constantemente de máscara. Só os atores é que não quando estão em cena."
E ainda que não haja data de estreia anunciada (ou prevista), Carolina Torres diz que os espectadores podem contar com a série, com a possibilidade para uma "sequelazinha", para "mais cedo do que tarde". Mas a atriz não adianta mais do que isso.
A aposta no streaming e a ideia de renovação do público
A aposta numa série como esta, ou como a de outras que vão fazer parte do catálogo da OPTO SIC, que ficará online a partir de 24 novembro, revela a "grande renovação do público", acredita. "Claro que continua, e continuará a haver, quem veja novelas e outras coisas que lhes foram dadas. E há espaço para isso, mas os serviços de streaming estão a servir para abrir o espectro e oferecer novos conteúdos a pessoas que gostam de ver boa ficção", explica.
E continua: "A aposta da SIC no streaming vai muito mais ao encontro daquilo que, enquanto atriz, gosto de fazer na ficção, que são coisas mais foras, menos convencionais e mais diferentes." Tendo já feito a novela "Espelho D'Água", em 2017, é-lhe fácil comparar o formato série com o de novela e, até, assumir uma preferência. "Prefiro fazer uma série a uma novela porque consigo ter mais tempo para trabalhar a personagem e para perceber o texto e a sua existência naquele universo. Mas também tenho medo, porque há coisas que mudam uma vida e nesses contextos o que se sente é um medo enorme de falhar."
Mas reforça que a aposta no streaming por parte de canais portugueses, como a RTP já o tinha feito com a RTP Play, são um passo na direção por considerar que "Portugal ficou um bocadinho atrás na produção de certos conteúdos".
"Havia coisas que funcionavam e que eram repetidas na ficção. Mesmo os artistas musicais depressa perceberam essa fórmula quando viam que uma canção se tornava um êxito e tratavam de, nos singles seguintes, fazer a mesma coisa. Só agora está a haver uma rutura no sentido de as pessoas quererem fazer coisas diferentes e experimentar", defende. Mas porque a experimentação não é uma ciência exata, Carolina Torres admite que, pelo menos no início, "é possível que as primeiras produções não sejam interessantes quando comparadas com aquelas que já são feitas no Brasil, em Espanha ou até na América".
"Nós que fomos ótimos a exportar tanta coisa, podíamos ter exportado mais a nossa ficção e ter feito mais coisas, até porque temos atores incríveis que lá fora vingam e que, quando regressam a Portugal, deveriam ter tanto ou mais trabalho por aqui." E a prova de que Portugal só agora se apercebeu da necessidade de trabalhar o modelo das séries na televisão está, para a atriz, no facto de as televisões dizerem ter séries na sua programação quando, na verdade, são novelas. É o caso de "Nazaré", da SIC, por exemplo.
"As televisões agora dizem ter séries, mas sabemos que não é isso que são. Não tem oito ou 12 episódios. Podem estar divididas por temporadas, mas são novelas. Só agora é que começámos a descobrir este universo e será a chave para sermos competitivos no mercado televisivo internacional", conclui.