Aos 32 anos, Tiago Faria está nomeado para a 76ª edição dos Primetime Emmy Awards, na categoria de Melhores Efeitos Especiais. A cerimónia de entrega dos prémios da indústria televisiva realiza-se a 16 de setembro de 2024 e poderá terminar com um galardão com a assinatura de um português, algo que só foi conquistado em 2018 pelo motion designer Filipe Carvalho, que criou o genérico da série "Counterpart".
Tiago nasceu em Vilar de Figos, concelho de Barcelos, mas mudou-se aos 12 anos para Inglaterra. O profissional de efeitos especiais é licenciado em Digital Film and Screen Arts pela Universidade College for the Creative Arts, em Farnham, Inglaterra, e, no currículo, já conta com trabalhos desenvolvidos em filmes como “Velocidade Furiosa X” e "Napoleão” (“Napoleon”, nome original), e séries como “True Detective: Night Country”, que lhe valeu esta nomeação.
Trabalha na indústria dos efeitos especiais há mais de 10 anos e é, atualmente, supervisor de efeitos especiais na empresa BlueBolt, em Londres. Conheceu a mulher, Cristiana Silva, há 13 anos, com quem está casado desde 2020.
À MAGG, fala em exclusivo sobre o seu percurso até à nomeação para os prémios da programação televisiva do horário nobre nos Estados Unidos, como foi o momento em que recebeu esta notícia, quando estava de férias em Portugal, e quais os sonhos para os próximos 10 anos, dada a vontade de voltar à terra onde nasceu.
Leia a entrevista
Como foi emigrar de Barcelos, Portugal, para um país como Inglaterra?
Eu vim para cá com 12 anos. Quando vim, não tinha muito acesso a computadores. Sou de uma aldeia do Norte e, quando eu saí de Portugal, ainda não havia internet, não havia nada. Eu não tinha acesso a nada disso e eu via filmes em cassetes, naquelas cassetes antigas. Foi uma coisa que eu sempre gostei muito de ver. Quando vim para Inglaterra, claro, abriu-se um mundo completamente novo, em que eu não tinha a mínima ideia das coisas que existiam.
De que forma é que o interesse por filmes o encaminhou para o emprego que tem hoje?
Quando comecei a ter interesse em filmes, queria ser realizador porque, na minha cabeça, era a pessoa que fazia tudo, que editava, que filmava, às vezes, aparecia na câmara, mas, na realidade, não é bem assim. Há departamentos para todos os tipos de trabalho, mas era uma coisa que eu não sabia. E, então, eu dizia sempre que ia ser realizador, que escrevia as minhas próprias histórias, que iria fazer os meus próprios filmes. Entretanto, uma coisa a que me vim a aperceber muito rapidamente é que os meus filmes todos eram baseados numa ideia para um plano de efeitos especiais que eu tinha na cabeça. Por exemplo, eu lembro-me de uma vez em que vi uma história que era uma cidade no céu e a única coisa que eu queria fazer era a cidade no céu. Eu forçava toda a história para que me desse a oportunidade de fazer esse plano. Foi quando eu comecei a perceber que, na realidade, não é bem realizador que eu quero ser, é outra coisa, mas nessa altura também não sabia.
Foi por isso que se licenciou em Digital Film and Screen Arts?
Sim, foi aí que eu fui para a universidade, que, na realidade, não me preparou como devia para o mundo profissional. No início, tive alguma dificuldade em encontrar trabalho. Até que me apareceu a oportunidade de fazer um curso intensivo de três meses, no Escape Studios. É agora uma escola muito conhecida de efeitos visuais, aqui em Londres. E isso abriu-me completamente as portas. Depois de fazer isso, arranjei trabalho. Trabalhei nos “Teletubbies”, na nova série. Tu não te juntas à indústria de efeitos especiais para trabalhar em “Teletubbies”, mas deu-me a oportunidade de crescer muito, porque a audiência que os vê não é propriamente a mais crítica. Tínhamos mais liberdade para fazer o que queríamos, mantendo-nos, claro, dentro do que o cliente queria.
Foi a partir daí, quando saí dessa escola, que nunca tive um intervalo de trabalho. Foi sempre a trabalhar. Juntei-me a uma empresa chamada Union, que acabou de ganhar o BAFTA este ano pelo “Estranhas Criaturas". Não quero falar muito, mas conheço muito bem o supervisor Simon Hughes e é uma pessoa que eu respeito muito e com quem trabalhei muitos anos. Provavelmente, a pessoa que mais me ensinou na indústria, por isso, foi um orgulho enorme vê-lo lá receber o prémio. Podia ter sido eu, se não tivesse mudado de empresa, mas isso é outra história.
Porque é que mudou para a empresa onde está agora?
Eu vim para a BlueBolt com um cargo já muito alto, isto é, com muito mais responsabilidade e, portanto, com outro tipo de expectativas. Tive a oportunidade de trabalhar em vários projetos e rapidamente subiram-me de cargo para supervisor. Logo num dos primeiros projetos em que trabalhei como líder da equipa, tivemos esta enorme sorte de ser nomeados.
É o primeiro a receber esse tipo de nomeação dentro da empresa ou já houve outros casos?
Já houve. Este ano, estivemos nomeados para um BAFTA também, que foi contra a empresa em que eu estava, pelo “Napoleon” (“Napoleão”, versão portuguesa). Nesse, o meu nome não estava, porque não estive como supervisor 2D, isto é, não estive como supervisor de tudo. Para Emmy, tivemos uma nomeação para uma série chamada “Taboo”, antes de me juntar à equipa, que foi, creio, há sete anos. E outra, que foi pela série “Game of Thrones”, com as pessoas que criaram a companhia já há mais de 10 anos.
Como é que soube da nomeação? Em que momento recebeu a notícia?
Foi uma história curiosa. Eu estava em Portugal de férias, em julho. Estávamos lá com uns amigos e estávamos a vir de Aveiro, porque tínhamos ido lá passar o dia. Estávamos todos cansados dentro do carro e lembro-me que parámos num restaurante para ir buscar comida. O meu telemóvel estava cheio de mensagens e eu não sabia o porquê. Só vi várias mensagens a dizer “congratulations” ["parabéns], mas eu não estava mesmo a perceber o que estava a acontecer.
Depois é que me lembrei de olhar para a minha mulher e perguntar-lhe, 'que dia é hoje? É quarta-feira, dia 17?'. E foi quando ela me disse que sim e eu apercebi-me logo, nem precisei de ver. Já sabia o que era, porque eu sabia que era naquele dia que saíam as nomeações e fiz um mais um. Fui certificar-me que era, para não estar a dar voltas ao carro por razão nenhuma, não é? Mas, sim, acho que, para mim, foi bastante fixe ter descoberto essa notícia na minha terra, em Portugal.
E não tinha existido nenhum contacto antes ou alguma indicação que lhe desse a ideia de que podia ser nomeado?
Não. Claro que nós preparámos tudo para os clientes poderem fazer as candidaturas para as nomeações todas e eu sabia que o meu nome estava para lá, mas não tinha ideia nenhuma que ia ser nomeado. E, para mim, é melhor assim, porque é uma surpresa mesmo fantástica.
Não contava, mas sabia que podia acontecer?
Sim, mas é uma coisa que acontece tantas vezes, com quase tudo o que trabalhamos. Nós temos de fazer essas coisas. Tem de ser tudo enviado para os clientes poderem submeter para os Óscares, BAFTAs, Emmys, para tudo o que sejam prémios. Estás lá tantas vezes que tens a sensação de que é só mais um.
Só está em causa um episódio da temporada, da quarta temporada, mas trabalhou em outros episódios?
Nós trabalhámos em seis episódios. Aquele, o primeiro episódio, creio que foi o mais forte da equipa. A maneira como funciona, em efeitos especiais, é um bocadinho diferente de outros departamentos. Tens várias empresas que trabalham num projeto e tens as que contribuem mais para um determinado episódio. Há um limite de nomes que podes meter para os Emmys. Não podes meter lá toda a gente. Por isso, são colocados os supervisores das companhias que contribuíram mais para esse episódio. Por acaso, nós fomos um deles. Trabalhámos muito para o primeiro episódio. E, no terceiro episódio, também tivemos uma sequência enorme, que é um barco abandonado no meio do mar. Também fomos nós que fizemos tudo isso.
Envolveu-se nesta profissão para trabalhar com séries e filmes que gostava?
Não, curiosamente, não. O meu passatempo são mais os jogos. Eu nunca fui muito de ver filmes. Claro que tenho de ver uma certa quantidade, que é para me manter atualizado, mas nunca foi o meu passatempo ver as séries todas. Se calhar, é essa a razão pela qual gosto tanto de trabalhar nisto, senão estava saturado. Mas, claro, há sempre aquelas séries que tu tens o sonho de trabalhar, como era “Game of Thrones”, que me lembro muito de ver e dizer, 'quem me dera trabalhar naquilo um dia'. “True Detective”, apesar de conhecer, nunca foi muito um sonho trabalhar nela. Quando o meu nome foi proposto, tive de me informar sobre o resto das temporadas. É uma série com bastante sucesso, o que creio que também ajuda muito nas nomeações.
Trabalhou no filme “Velocidade Furiosa X”, uma produção em que também esteve presente a Daniela Melchior. Era uma saga de filmes com a qual desejava vir a trabalhar como trabalhou? Tendo em conta que havia mais portugueses no projeto, houve algum tipo de contacto também nesse sentido?Infelizmente, não tive a oportunidade de conhecer os dois portugueses que estão na saga, mas tive a oportunidade de trabalhar na primeira sequência em que está o Joaquim de Almeida. Se vires o filme, abre com o título a sair de uma nota, que depois acaba mesmo por passar pelo meio das notas todas. Esse plano fui eu que o fiz.
Nós, normalmente, trabalhamos atrás das câmaras, mais nos computadores. Agora é que sim, no cargo em que eu estou, tenho muitos mais dias em que vou aos cenários. Por exemplo, agora, tenho andado a viajar para a Escócia algumas vezes, porque estamos a filmar lá. Porque já faz parte do meu trabalho certificar-me de tudo o que estamos a fazer durante a produção. Se é algo adequado e se vai funcionar para o que nós precisamos.
Como supervisor, está a viajar para a Escócia porquê? Devido a algum projeto que nos possa revelar?
É algo que já foi anunciado, em breve acho que se vai saber. De momento, não posso dizer mais nada mesmo.
"Voltar para Portugal é o meu outro sonho abaixo do Óscar"
Já atingiu o topo da carreira. O que é que acha que o Emmy pode mudar na sua vida? Já fez o mais difícil, que é estar nomeado.
Sim. Para mim, já é uma vitória. Já tive o meu festejo ao lado do carro. Mas eu acho que não muda muito, porque é uma coisa que é simplesmente o reflexo do meu trabalho, é uma coisa que vem junta. Eu acho que, na indústria, o trabalho fala por si. Eu acredito que, se continuar na trajetória em que estou, posso atingir coisas tão boas ou equivalentes a um Emmy. Quer dizer, o Primetime Emmy já é o topo da TV, mas um Óscar é sempre o sonho. É uma coisa extremamente difícil.
Para entrar num Óscar, já estamos a falar de equipas de milhares de pessoas, tens uma pirâmide onde trabalhas. E, aqui, claro, nós não temos a capacidade de ter esse tipo de pessoas e já é uma coisa extremamente rara, mesmo uma nomeação. Por exemplo, o nosso trabalho, em 2023, foi muito bom para nós como empresa, porque nós tivemos várias nomeações. Culminando agora com esta da série “True Detective”, foi a “Missão Impossível” e o “Napoleon”. Dois filmes em que eu trabalhei como supervisor 2D. Em quatro nomeações, dois Óscares e dois BAFTA, o nome do nosso supervisor da empresa só entrou num deles. Por isso, já estamos a ver que isto é uma coisa extremamente difícil.
Trabalhou somente em produções internacionais, que não são portuguesas?
Certo.
Mas consegue conhecer o mercado português? Conseguiria fazer uma comparação e perceber se estamos aquém, entre o mercado em Portugal e o mercado internacional?
Eu acho que já há algumas empresas. Eu estive em contato com uma empresa há uns anos, porque estava mesmo com vontade de voltar a casa. Eles são de Braga. Eu já não me lembro como é que eles se chamam, mas falei com o diretor dessa empresa e lembro-me de comunicar com ele que era o meu sonho voltar a casa. Mas, depois, algumas circunstâncias mudaram na minha vida e não pude. Eu acho que, cada vez mais, nós, o nosso País, que não é muito grande, consegue coisas extraordinárias com a quantidade de pessoal que tem. Cada vez mais, estamos a aproximar-nos disso. Há pouco tempo, também estive a ler sobre um estúdio enorme que estão a construir no Algarve. Eu não sei se isso foi avante ou não, mas, se uma coisa dessas acontecesse, era provável conseguirmos cada vez mais trabalho em Portugal. Para ser honesto, voltar para Portugal é o meu outro sonho abaixo do Óscar.
Gostava de poder trabalhar no seu país?
Sim. Mesmo trabalhando internacionalmente, trabalhar em Portugal é outra coisa. O tempo, a comida, as pessoas. É casa.
Considera que a indústria está a mudar e que, de facto, está a haver um reconhecimento dos profissionais portugueses neste mercado, tanto como atores bem como profissionais dos efeitos especiais?
Sim, acho que é uma coisa em que estamos, cada vez mais, a crescer. Cada vez, eu vejo mais pessoas portuguesas espalhadas pelo mundo. Talvez isto acontecesse quando eu era mais novo, mas não me lembro muito bem se era o caso ou não. Eu trabalho com vários portugueses e já trabalhei com muitos ao longo dos anos. Há um youtuber que faz efeitos especiais, bastante famoso. Chama-se Hugo Guerra e é muito conhecido no mundo dos efeitos especiais, e é português. Outro que me lembro e que trabalhava para a WETA Digital, até cheguei a ir a uma palestra dele. Chama-se Duarte Vitorino e foi muito interessante ouvi-lo, quando ainda estava na escola. São esse tipo de portugueses que também inspiram e fazem dizer, nós afinal conseguimos como os outros.
E este tipo de reconhecimento também ajuda a validar isso?
Exato, ajuda a pôr o nosso nome também lá fora. Eu creio que nós ganhámos um Emmy há pouco tempo. Um Primetime Emmy, com o Filipe Carvalho. Cada vez mais, estamos a aparecer e é para continuar.
Já pensou como é que gostava de ser conhecido?
Precisava de mais 10 minutos para responder a isso. É assim, eu nunca fui muito de confusões, sempre fui mais da aldeia, sempre gostei de passear com os meus amigos e isso. Eu sei que, claro, efeitos especiais não têm nada a ver com ser um ator ou coisas assim.
Que comentários é que gostava que surgissem a seu respeito? Porque as pessoas vão poder ver também o seu trabalho, porque é que foi nomeado.
Se forem pessoas com quem eu já trabalhei e sobre o tempo em que trabalhei com elas, é claro que gostava que tivessem aprendido, pelo menos, uma coisa com o que tentei ensinar durante os anos em que estive com elas. Porque eu também aprendi muito com elas. E é uma coisa que eu digo sempre. Quando vou falar com um artista para tentar resolver um problema, aprendo tanto eu como ele. Desde que achem que eu fiz um bom trabalho com eles e que consegui liderar a equipa como era preciso, eu fico contente. Em termos de pessoas com quem não trabalhei, não sei o que dizer mesmo. Espero trazer um Emmy para Portugal, seria mais um para a nossa coleção. Mas não era ser reconhecido sobre isso. Simplesmente, queria ajudar a trazer mais um.
Por vezes, um ator, quando trabalha internacionalmente, com esta visibilidade, surgem oportunidades para trabalhar em mais projetos. Que oportunidade gostaria que surgisse?
Oportunidades para trabalhar em projetos mais desafiantes. Trabalhar em projetos que talvez, me criem outras expectativas e que me forcem a ir para a frente e a aprender mais. Se continuares a trabalhar sempre na mesma coisa, chegas a um certo ponto em que não tens interesse. Enquanto se estiveres sempre a receber coisas novas e objetivos novos, tentas chegar mais longe um bocadinho e mais um bocadinho no trabalho.
Aquilo em que está a trabalhar agora e que não pode revelar, era uma coisa que desejava?
Não vou poder responder também a essa pergunta, porque pode abrir espaço para outras, mas, em termos de um trabalho que eu adorava trabalhar, o “Fallout”, porque eles também estão nomeados. Para o “Fallout” e o “The Last of Us”. Estás a ver aqui a coincidência? É tudo jogos que eu joguei e cresci a jogar. “Fallout” é uma série que está nomeada também para um Emmy. E é uma série incrível, em que eu gostava de trabalhar simplesmente pelo sentimento pessoal que o jogo tinha comigo. E “The Last of Us” era também um sonho. Eu cresci a jogar aquele jogo e adorei. Trabalhar no “The Last of Us”, se calhar. Está aí a minha resposta. Se essa oportunidade surgir, era de pegar nela.
Já trabalha há 10 anos nesta área. Como é que imagina os seus próximos 10 anos?
Eu, literalmente, tenho escrito no meu ecrã “10 anos”. Não sei, foi uma coincidência do caraças. Espero estar na mesma posição ou, honestamente, estar a trabalhar em Portugal com a minha própria equipa, com a nossa empresa e a trabalhar de lá, talvez, para Hollywood.
Falou na sua mulher. Como é que se conheceram?
Chama-se Cristiana. Nós conhecemo-nos, curiosamente, em Portugal, por intermédio de uns amigos lá da minha aldeia. E depois, nesse dia, eu vim a descobrir que os pais dela também são da minha aldeia. Nós, em Londres, morávamos não muito longe um do outro, mas não nos conhecíamos. Fomos conhecer-nos em Portugal.
Estão casados agora?
Há 13 anos, juntos. Casados estamos há três, desde 2020. Casámo-nos quando fizemos 10 anos de namoro.
Aparentemente, a sua vida pauta-se muito por períodos de 10 em 10 anos. Quando fez 10 anos de namoro, casou-se. Quando fez 10 anos como profissional, há um Emmy. Daqui a 10 anos, vai ter de ser nomeado para um Oscar com a sua equipa em Portugal?
Vai ser esse o objetivo. É um bocado ambicioso, mas temos de ser ambiciosos.