Parece que toda a gente tem algo a dizer sobre o caminho (certo) para a felicidade. Uns dizem-nos que o segredo está no hygge e mandam-nos beber uma chávena de chocolate quente. Outros garantem que tem tudo a ver com abraçar o zen da vida. Outros ainda pedem-nos para decorar a palavra lagom e juram que a virtude está no meio.
Para Brooke McAlary é ainda mais simples do que isto (já vai perceber o trocadilho com a palavra simples). A resposta para a felicidade está numa palavra: simplificar. Depois de tirar mais de 20 mil objetos da sua casa nas Montanhas Azuis, a 60 quilómetros de Sidney, a australiana de 34 anos mudou completamente de vida. Ela, o marido Ben e os dois filhos de sete e oito anos. E jura que é muito mais feliz.
Criadora do blogue Slow Your Home e podcaster regular (e famosa, os seus programas já foram descarregados mais de 3,5 milhões de vezes), Brooke McAlary lança agora o primeiro livro. “Simplificar” chega a Portugal a 7 de março com a editora Clube do Autor e custa 13,50€.
Em entrevista à MAGG, a australiana explica-nos como uma depressão pós-parto começou uma revolução na sua vida — e como tudo isto a transformou numa mulher melhor.
No seu novo livro, escreve sobre uma vida simplificada. Do que é que estamos a falar exatamente?
Simplificar é aprender como remover o excesso que se encontra nas nossas vidas (excesso de coisas, de trabalho, de compromissos, de expectativas), de forma a colocarmos o que valorizamos no centro da nossa vida. Isso é diferente de pessoa para pessoa, o que torna uma vida simplificada tão ironicamente complexa — não há forma certa de o fazer.
Como é que isto tudo começou?
Fui diagnosticada com uma grave depressão pós-parto depois do nosso segundo filho nascer, e comecei a ser seguida por um psiquiatra. Durante meses ela ouviu-me falar do quão ocupada eu estava, de como nunca me sentia em paz, de como tinha de estar constantemente a fazer, a adquirir e a comparar-me de modo a sentir-me bem-sucedida. Um dia ela perguntou-me se eu não seria capaz de considerar fazer simplesmente menos.
Como é que reagiu a isso?
No início fiquei ofendida que ela pensasse que eu não era capaz, mas pouco tempo depois apercebi-me que simplificar a minha vida podia ser realmente muito fácil. Claro, aperceber-me disso e ser efetivamente capaz de alcançá-lo eram duas coisas completamente diferentes. Mas foi assim que tudo começou.
Quando é que começou a simplificar a sua casa?
A primeira vez que comecei a simplificar a nossa casa foi pouco tempo depois de descobrir o blogue de Leo Babauta, Zen Habits, em 2011. Estava a ler tanta coisa sobre os benefícios de viver uma vida mais simples, criar uma casa mais simples, que soube que era algo que devíamos alcançar.
Tirou mais de 20 mil objetos de casa. Dê-me alguns exemplos.
Foi tão inconsequente que mal me consigo lembrar. Havia muitos itens duplicados nos quartos, cozinha e escritório, bem como objetos de decoração, roupas e sapatos (tantas roupas e sapatos do meu guarda-roupa, e dos miúdos também). Havia um excesso de papelada e de elementos decorativos que não me interessavam. Quando me comecei a perguntar se realmente gostava, usava, precisava ou sequer queria aqueles objetos, apercebi-me de que havia centenas de coisas que tinha comprado e guardado por razões de ego e status. Livrar-me disso foi libertador.
O que é que fez com as coisas que já não queria?
Doámos o que conseguimos, uma vez que sempre que tentámos vender coisas, acabou por nos custar mais tempo do que era justificado. Tivemos duas vendas de garagem e passámos centenas de horas a organizar e a etiquetar os preços das nossas coisas, para no final fazermos duas centenas de dólares. Tudo o que achássemos que podia conseguir um bom preço no eBay, tentávamos vender. Mas quando não havia compradores, eu doava de bom grado.
Conseguiram ganhar algum dinheiro com o que venderam?
Não foi muito dinheiro, de todo. Tudo somado, talvez 400€, 800€? Isto através das vendas de garagem e de alguns objetos vendidos no eBay. No final foi melhor assim, para nós e para a comunidade. O problema em vender as coisas que já não queríamos era que elas ficavam em nossa casa até serem despachadas, às vezes durante meses. Eu sabia que nós já não as queríamos nem precisávamos delas, mas elas continuavam ali a roubar-nos espaço. Dá-las era muito mais fácil.
Deu muitas coisas?
Tanto em grupos de reciclagem no Facebook como deixando simplesmente as coisas em frente à nossa casa. Tudo o que deixávamos era apanhado rapidamente por alguém, e eu ficava sempre contente por pensar que os recursos que tinham ficado dormentes em nossa casa estavam agora a ajudar alguém da nossa comunidade.
Era uma pessoa consumista antes de adotar um estilo de vida mais simples?
Não, mas definitivamente fazia mais compras do que precisava. Todas as semanas passava uma manhã no centro comercial com a minha mãe, onde bebíamos um café e fazíamos recados. Várias vezes isso significava dar uma volta pelas lojas sem nada específico em mente, e eu acabava por comprar coisas para os miúdos, para mim ou para o meu marido, só porque estavam em saldos ou porque achava que precisávamos delas.
E quando era mais nova?
Quando era mais jovem era muito consumista. Gastava o meu dinheiro a tentar integrar-me, a tentar ser cool, impressionar os outros, e nunca me sentia contente com nada do que tinha. Havia sempre mais alguma coisa para comprar, algo novo para ter. Era cansativo e dispendioso, e olhando para trás consigo vez com clareza que nada disso me deixou alguma vez feliz.
Depois desta "limpeza", o que é que ficou em casa?
Deixámos ficar coisas que gostávamos de usar, que usávamos muito e que eram especiais para nós. Ainda temos uma estante cheia de livros (uma das minhas coisas favoritas) e os nossos filhos ainda têm brinquedos. A diferença é que agora deixamos ficar coisas intencionalmente e já não compramos coisas sem pensar. Também temos limites, e quando esses limites são ultrapassados, sabemos que está na altura de destralhar.
Como por exemplo?
Os nossos filhos têm uma caixa de brinquedos debaixo das camas e uma estante nos seus quartos. O que eles guardam lá é com eles. Quando esses espaços ficam cheios, porém, é preciso rever as coisas que eles querem guardar. O mesmo se aplica ao meu guarda-roupa, estantes, armários da casa de banho, etc.. Ter limites é uma ótima forma de garantir que as coisas nunca mais se descontrolam outra vez.
Por falar em miúdos, como é que eles reagiram a destralhar?
Eles eram muito pequenos quando começámos a simplificar. Mas acredito que ajudou o facto de os termos envolvido nisto quando ainda eram muito novos. No início das férias escolares, eles vão de bom grado aos armários e brinquedos escolher o que já não lhes serve ou o que é que já não querem. Nunca os forcei a livrarem-se de coisas se não tivessem a certeza de que o queriam fazer.
O que é que fazia quando os miúdos estavam indecisos sobre se deveriam ou não livrar-se de algo?
Se não tivessem a certeza se queriam aquele livro ou brinquedo, eu dizia-lhes que os ia guardar numa caixa nos próximos seis meses. Se eles quisessem alguma daquelas coisas, só tinham de me pedir. Se no espaço de seis meses eles nunca as pedissem, eu dava-as a quem precisasse. Nos últimos seis anos, só me pediram coisas duas vezes. Essa separação suave é ótima uma vez que eles se sentem confiantes em libertar-se dos objetos, mas sabem que têm tempo para mudar de ideias.
Já falámos da reação dos miúdos. E a do seu marido?
Ele lidou bem com tudo isto por três razões. Em primeiro lugar, nunca tomei nenhuma decisão em relação às coisas dele. Isso era com ele — e ainda é com ele. Em segundo lugar, ele viu que simplificar estava a ter um impacto muito positivo na minha saúde mental e felicidade. Em resultado disso, apoiou-me muito. Finalmente, isto significou que nós passávamos muito menos tempo a limpar o pó, a varrer, a arrumar e a organizar as nossas coisas. Não só arranjámos espaço como ainda demos tempo a nós próprios.
E a família e amigos? Alguém teve dificuldade em compreender este novo estilo de vida?
Se sim, nunca ninguém disse nada. Houve sempre aqueles comentários do género “tu não terias este problema, és minimalista”, mas isso é apenas um reflexo do local onde as outras pessoas se encontram ao invés das escolhas que eu fiz.
O que é que mudou na sua vida depois disto?
Honestamente, tudo. Quando me comecei a focar em destralhar, durante vários meses senti-me mais leve nas minhas emoções, pensamentos, na forma como via o mundo. E comecei a prestar mais atenção às coisas que realmente me interessavam — os meus filhos, o meu marido, a minha família, fazer um bom trabalho no mundo, fazer a diferença. Essas mudanças levaram-me a experimentar a meditação e o mindfulness, o que teve um impacto enorme na forma como eu usava as redes sociais e a tecnologia, os livros que lia, a informação que consumia (e não consumia). Todas essas coisas levaram a uma vida mais alinhada com os meus valores, o que eu não esperava que acontecesse quando comecei a destralhar.
Tem ideia de quantos objetos tem neste momento na sua vida?
Não faço a menor ideia. Parei de contar a quantidade de coisas de que nos livrámos quando chegámos às 20 mil, uma vez que se estava a tornar numa nova (diferente) obsessão. Simplificar a vida não tem a ver com o número de coisas que possuímos, mas antes com o espaço que elas nos deixam para vivermos uma vida com todas as coisas importantes e boas.
Quais são as coisas sem as quais não consegue viver?
Além da minha família, não são muitas, para ser sincera. Provavelmente o meu passaporte e o meu computador. Não porque adore o meu computador, mas porque num sentido muito prático, é ali que eu trabalho. Sem ele, criar podcasts, escrever livros, relacionar-me com pessoas de todas as partes do mundo seria muito difícil. Também adoro os livros de Stephen King. Geralmente compro-os usados e, quando acabo, vendo-os a livrarias em segunda mão. Mas há sempre alguns com que fico para mim.
Quando é que começou o blogue Slow Your Home?
Criei o blogue em 2011, quando comecei a simplificar a minha vida. No início era um sítio onde escrevia os meus pensamentos. Quando comecei a partilhar mais da minha história, e em particular da minha história de saúde mental, as pessoas começaram a entrar em contacto comigo e a partilhar as suas próprias histórias. Depois disso tornou-se num sítio para eu partilhar as minhas ideias e experiências.
Como é que acha que seria a sua vida se não a tivesse “simplificado”?
Não faço ideia de como seria a minha vida se não tivesse introduzido estas mudanças, mas sei que era muito infeliz há sete anos. Não tinha descoberto quem era enquanto pessoa, o que valorizava ou o que queria que a minha vida fosse. E por causa disso estava constantemente à procura da próxima coisa que me fosse fazer finalmente feliz. Imagino que ainda estaria à procura dessa resposta mágica, a gastar tempo, energia e dinheiro a tentar descobri-la.